Texto de autoria de Flávio Conrado, doutor em Antropologia pela UFRJ . Foi retirado da seção " Cristãos Radicais", inserida no site Novos Diálogos.
As Ligas Camponesas foram um importante movimento que defendia a Reforma Agrária e melhores condições de trabalho para os trabalhadores rurais. Foi importante, sobretudo, no Nordeste constituindo associações de trabalhadores rurais e existiu entre 1955 e 1964. As Ligas Camponesas não sobreviveram ao Golpe como tantos outros movimentos que propunham a transformação da sociedade brasileira nos anos 1960.Francisco Julião, advogado e líder das Ligas Camponesas, dá testemunho da participação de muitos evangélicos nelas. Julião cita nominalmente no livro Cambão alguns dos protestantes que lideraram algumas das mais ativas Ligas Camponesas: Joaquim Camilo e José Evangelista, líderes da Liga de Jaboatão, em Pernambuco; e João Pedro Teixeira, líder da Liga de Sapé, na Paraíba.João Pedro Teixeira era presbiteriano e líder de uma das maiores ligas da Paraíba, com mais de 10.000 associados. Foi assassinado em 1962 por organizar os trabalhadores para defender melhores condições de trabalho, lutar pela Reforma Agrária e a justiça no campo.Eduardo Coutinho, um dos maiores documentaristas brasileiros, registrou a história de João Pedro Teixeira em Cabra Marcado Pra Morrer (1981-1984), filme que ganhou 12 prêmios internacionais e é considerado um marco na história do cinema brasileiro. O filme resgata a história de João Pedro Teixeira e das Ligas Camponesas através dos depoimentos da esposa, Elizabeth Teixeira, dos filhos e de outros camponeses contemporâneos de João e das lutas nos idos 1950-60. É Elizabeth Teixeira que conta a experiência religiosa do marido:“Moramos nove anos em Recife e João Pedro foi ser crente da Igreja Evangélica Presbiteriana. Nessa época, começou a participar da luta da classe trabalhadora, fundando o sindicato da classe dele, trabalhava na construção civil. As primeiras reuniões foram em casa, no começo dos anos 1950 (...) Na luta do dia-a-dia ficou afastado da Igreja, não freqüentava, mas dizia que era evangélico. Quando foi preso pelo Exército na renúncia de Jânio Quadros, um major, na minha residência, fez várias perguntas sobre a Bíblia e ele respondeu todas...” (Entrevista à revista Teoria & Debate, n.o 30, Dez 1995 - Jan 1996)Na mesma entrevista, Elisabeth Teixeira conta que depois que um dos líderes dos trabalhadores foi assassinado e outro baleado, e com o crescimento das ameaças de morte que João Pedro recebia, sugere a ele que saia da Paraíba, ao que ele responde: “Eu não vou, eu continuo a luta aqui. Não me acovardo de jeito nenhum”. Essa tenacidade e perseverança de João Pedro lhe custou a morte em 02 de abril de 1962, mas acarretou o aumento da mobilização dos trabalhadores (a Liga que ele liderava chegou a 30 mil associados) e o envolvimento de Elizabeth na liderança da Liga de Sapé até o Golpe de 1964 quando, depois de presa e ameaçada várias vezes, muda-se para o Rio Grande do Norte. Ela só retornaria à Paraíba em 1981 procurada por Eduardo Coutinho que retomara as filmagens sobre a vida de João Pedro Teixeira. Dois dos seus filhos também foram assassinados por se envolverem na luta camponesa.Nos últimos anos, a memória de João Pedro Teixeira tem sido resgatada pelos movimentos e organizações que lutam pela Reforma Agrária no Brasil e justas homenagens têm sido prestadas a João Pedro Teixeira e à Elizabeth Teixeira, já com 84 anos. A mais recente homenagem foi a criação da ONG Memorial das Ligas Camponesas, em Sapé, que pretende manter viva a memória das Ligas e está sediada em Barra de Antas, no Memorial João Pedro Teixeira, onde encontra-se o acervo sobre sua vida e trajetória.João Pedro teria feito 91 anos no último 04 de março, se estivesse vivo. Foi alguém que entregou a vida pela convicção de que lutar pelos direitos dos trabalhadores e pela Reforma Agrária era cumprir sua vocação cristã e evangélica sem se acovardar. Essa convicção e disposição não é menos necessária agora do que era nos anos 1950 e 1960. Como uma das expressões que Elisabeth Teixeira gosta de usar, é preciso dar continuidade à luta “para o que der e vier”.
Leitura Sugerida: Memórias do Povo – João Pedro Teixeira e as Ligas Camponesas na Paraíba, 390 páginas, organizado por Antônia M. Van Ham, Alder Júlio Calado, Ariovaldo J. Sezyshta, Gabriele Giacomelli e Gláucia de Luna Ieno, Editora Idéia, 2006.
Leitura Sugerida: Memórias do Povo – João Pedro Teixeira e as Ligas Camponesas na Paraíba, 390 páginas, organizado por Antônia M. Van Ham, Alder Júlio Calado, Ariovaldo J. Sezyshta, Gabriele Giacomelli e Gláucia de Luna Ieno, Editora Idéia, 2006.
Flávio Conrado Flávio Conrado é mestre e doutor em Antropologia pela UFRJ, com pós-doutorado pela Universidade de Montreal (Canadá). Faz parte da equipe de formação da Rede FALE e é assessor da Rede Latinoamericana e Caribenha de Jovens de Religiões pela Paz. -->
Gostei muito do artigo. Ele levanta uma questão importante, que é pensar a participação de evangêlicos, sobretudo, da Igreja Presbiteriana, nos movimentos sociais anteriores ao golpe de 1964; assim como, o alinhamento e/ou comprometimento de um importante e majoritário grupo dessa Igreja ao militares, durante todo o regime.
ResponderExcluirEsse é por sinal, o meu trabalho de doutorado em História.
Márcio Vilela
Email: ananiasvilela@hotmail.com
ASSISTI HJ AO DOCUMENTARIO DO EDUARDO COUTINHO, EMOCIONA E MUITO A HISTOERIA DESTA FAMILIA DE BRASILEIROS ESQUECIDOS E RENEGADOS PELO BRASIL.
ResponderExcluirEU NÃO SEI COMO, MAS ACHO QUE É NECESSARIO ENQUADRAR ESTA FAMILIA NA LEI DE ANISTIA, TANTOS AI SEM NADA OU POUCO FAZEREM EM RELAÇÃO AO QUE FEZ ESTA FAMILIA ESTÃO ENQUADRADOS NELA.
QUE DE ALGUMA FORMA A OAB ASSUMA ESTA FAMILIA.
VYTORYOZO@HOTMAIL.COM