Entrevista feita com o pastor luterano brasileiro Harald Malschitzky e publicada no portal católico Amai-vos . O título original da entrevista era : Dietrich Bonhoeffer, o teólogo que viveu o ecumenismo. Mudei o título propositadamente
Harald Malschitzky é pastor da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil, em São Leopoldo. Ele concedeu a entrevista que segue, por e-mail, para a revista IHU On-Line, na última semana, na qual fala sobre a vida e o pensamento de Dietrich Bonhoeffer, neste ano em que se celebra o centenário de nascimento do teólogo que via em todos os seres humanos criaturas de Deus dignas. Para Bonhoeffer, “fé não é uma piedade enfiada entre quatro paredes, mas é viver o sofrimento solidário de Deus dentro e para o mundo”. Harald é autor de Dietrich Bonhoeffer (Discípulo, testemunha, mártir). Meditações de Harald Malschitzky sobre textos selecionados de Dietrich Bonhoeffer. São Leopoldo: Sinodal, 2005.
IHU On-Line - Dietrich Bonhoeffer é considerado um dos teólogos mais importantes da primeira metade do século XX. Qual a principal contribuição dele para a teologia?
Harald Malschitzky – Não se pode compreender Bonhoeffer sem levar em conta o contexto de seu tempo. Uma guerra tinha terminado, depressão na Alemanha, Hitler assume o poder e a segunda guerra mundial é alinhavada para, em seguida, eclodir. Some-se a isso a política interna de Hitler. Sua contribuição para a teologia é multifacetada: sair da teologia puramente acadêmica e tantas vezes estéril, sua visão da concreticidade da igreja dentro do mundo e para o mundo; seu jeito de encarar a secularização como um processo que desafia a igreja; sua visão e prática ecumênica; sua clareza quanto ao fato de que a igreja cristã tem suas raízes no judaísmo e, portanto, no Antigo Testamento; sua clareza quanto ao papel do cristão e da igreja no terreno político; sua profunda espiritualidade.
IHU On-Line - Bonhoeffer vigorosamente defendia a causa do ecumenismo e desafiava as igrejas cristãs a participarem de movimentos e associações de cunho ecumênico. O que ele teria a dizer para as igrejas de hoje? E para a proposta do diálogo inter-religioso?
Malschitzky – Mais do que discutir o ecumenismo e suas bases, ele viveu o ecumenismo. Por exemplo, foi um dos três secretários internacionais dos jovens de um dos movimentos que viria a constituir o Conselho Mundial de Igrejas. Em uma estada mais longa em Roma, ele julgou compreender melhor o catolicismo. Sua vida e teologia nunca ficaram limitadas a sua própria igreja. Penso que hoje ele repetiria o que ele propôs como programa em uma assembléia ecumênica em agosto de 1934: As igrejas deveriam organizar um concílio mundial para decretar a paz, arrancar as armas das mãos de seus filhos, proibir a guerra e, assim, contribuir para a plenitude de vida para a humanidade. Aliás, esta idéia voltou agora na assembléia do Conselho Mundial de Igrejas, em Porto Alegre. Talvez sem esta radicalidade. Quanto ao diálogo inter-religioso, creio que podemos tirar algumas conclusões de sua teologia e de sua vida. Em primeiro plano, está a maneira de encarar o povo judeu e seu papel e a defesa radical dos judeus em particular. Depois é importante lembrar que Bonhoeffer havia planejado por duas vezes ir à Índia, não apenas em viagem de turismo. Por razões diversas, isso nunca se concretizou. E temos ainda que lembrar a sua teologia que vê em todos os seres humanos criaturas de Deus dignas.
IHU On-Line - Sua resistência sistemática ao Nacional-Socialismo de Hitler fez de Bonhoeffer um líder e advogado em defesa dos cidadãos judeus. Quais as principais conquistas que se atribuem a ele neste sentido?
IHU On-Line - Sua resistência sistemática ao Nacional-Socialismo de Hitler fez de Bonhoeffer um líder e advogado em defesa dos cidadãos judeus. Quais as principais conquistas que se atribuem a ele neste sentido?
Harald Malschitzky – Parece-me que por advogar a causa dos judeus – entre outros – é que Bonhoeffer participou da resistência sistemática ao regime de Hitler. Isso tem a ver com sua forma concreta de compreender a fé e a ação cristã. Fé não é uma piedade enfiada entre quatro paredes, mas é viver o sofrimento solidário de Deus dentro e para o mundo. Esta sua atitude de viver radicalmente o amor de Deus é que o levou ao cadafalso, mas ajudou a ver de outra forma a convivência entre povos. Todos os memoriais na Alemanha do genocídio dos judeus lembram também nomes como o de Dietrich Bonhoeffer. A aceitação do outro como ele é, na sua diferença, é uma bandeira que sempre tem e terá alguma influência da teologia de Bonhoeffer. A sua frase que ficou célebre: “Somente quem defende a causa dos judeus tem direito de cantar gregoriano”, vale também para outros povos não-judeus. Preconceitos de raça, cultura, gênero são demoníacos.
IHU On-Line - Qual a verdade sobre a acusação do envolvimento de Dietrich Bonhoeffer num plano para assassinar Hitler, o que o levou à sua execução?
Harald Malschitzky – Bonhoeffer, junto com muitas pessoas, reconheceu muito cedo a truculência de Hitler. Num certo momento, ele diria que as igrejas (os cristãos) não podiam se limitar a cuidar dos feridos que um louco ao volante faz. Era preciso arrancar o louco do volante. Inicialmente Bonhoeffer tentou o caminho ecumênico. Ele imaginava que as igrejas no mundo condenariam o regime de Hitler. Depois ele estava presente quando também altas patentes militares, entre as quais estavam amigos e até parentes, planejaram um golpe de estado. Como também este falhou, ele começou a participar dos planos para matar o ditador. Quando o atentado de 20 de julho[1] se aproximava, ele, da prisão, aconselhou sua noiva a não permanecer em Berlim naqueles dias. Bonhoeffer, um pacifista confesso, de repente se vê diante do desafio de matar um ditador! A circunstância determinava a ação embasada em sua teologia.
IHU On-Line - O que as cartas de Bonhoeffer escritas na prisão, oferecem para os debates da teologia cristã do século XXI?
Harald Malschitzky – Na prisão, Bonhoeffer escreveu não apenas cartas, mas também reflexões e textos maiores, bem como alguns poemas. Todo este rico material é a descrição de um ser humano profundamente cristão, que sofria, tinha esperanças, sentia saudades, teve momentos de desespero a ponto de pensar em suicídio. Este era o homem que vivia do perdão diário de Deus, pois, segundo ele mesmo, Deus somente não perdoa o erro de não fazer nada. Há um poema seu que é impressionante na busca de uma resposta sobre si mesmo. Cito somente algumas linhas do seu final:
“Quem sou eu? Este ou aquele?
Sou hoje este e amanhã um outro?
Sou ambos ao mesmo tempo? Diante das pessoas um hipócrita?
E diante de mim mesmo um covarde queixoso e desprezível?
Ou aquilo que há em mim será como um exército derrotado,
Que foge desordenado à vista da vitória já obtida?
Quem sou eu? O solitário perguntar zomba de mim.
Quem quer que eu seja, ó Deus, tu me conheces, sou teu”.
O que ele nos lega? Cristãos são gente, nada mais; gente que busca pautar a sua vida e conduta pelo Evangelho; gente que se abandona totalmente nos braços de Deus e que atua como se Deus não existisse.
IHU On-Line - O seu livro Dietrich Bonhoeffer: Discípulo, Testemunha, Mártir, Meditações traz uma seleção de textos de Bonhoeffer, que refletem sobre temas centrais da fé cristã. Que temas são esses?
Harald Malschitzky – O livro é um projeto da Editora Sinodal[2]. A tentativa foi escolher textos de Bonhoeffer para que o livro apresentasse a variedade e desse uma idéia abrangente do pensamento daquele teólogo. São sete blocos que, por sua vez, se subdividem. Os títulos dos blocos são: Cristo, Discipulado, Amor, Igreja, Mundo, Política e Futuro. Eu não participei da seleção dos textos de Bonhoeffer. O desafio consistiu em compreender o autor em seu momento e contexto e traçar linhas até a atualidade. Em outras palavras, perguntar pela atualidade de sua teologia.
IHU On-Line - O que dizer sobre a célebre e paradoxal proposta de Bonhoeffer: “viver e agir segundo o exemplo de Cristo, como se Deus não existisse (etsi Deus non daretur)”?
Harald Malschitzky – Não é novidade que cristãos e igrejas inteiras, no decorrer da história, esperaram e esperam milagres que façam acontecer aquilo que eles mesmos deixaram de fazer. A igreja no tempo de Bonhoeffer vivia para si mesma, cuidava muito de seus temas domésticos, e Deus que desse um jeito no mundo. A teologia, muitas vezes, constitui um enorme arcabouço teórico. Para Bonhoeffer, Igreja só serve se está com os dois pés no mundo e a serviço deste mundo de Deus. E é neste mundo que cristãos e suas igrejas precisam arregaçar as mangas etsi Deus non daretur, sabendo-se guardados e amparados pelo próprio Deus. Em outras palavras, o cristão não deixa que Deus faça o que ele poderia ter feito. Seu agir somente termina quando todos os caminhos chegarem ao fim e todas as suas forças estiverem esgotadas. Não antes! Bonhoeffer era um “ateu cristão” como se chegou a dizer.
IHU On-Line - Para Dietrich Bonhoeffer, o que significa ser cristão?
Harald Malschitzky – Deixemos que ele mesmo responda a esta pergunta. “Ser cristão não significa ser religioso em uma determinada direção, sob a pressão de qualquer metódica tornar-se algo (pecador, penitente ou santo), mas, ao contrário ser cristão é ser homem. Não apenas um certo tipo de homem, mas o homem que Cristo cria em nós. Não é que o ato religioso produz o homem, mas sim a participação no padecimento de Deus na vida do mundo
[1] No dia 20 de julho de 1944, Adolf Hitler foi alvo de um atentado. O coronel Conde Von Stauffenberg, um oficial do estado-maior de 37 anos, conseguira colocar uma bomba-relógio no abrigo onde Hitler estava, a Wolfsschanze, a Toca do Lobo, perto de Rastenburg, na Prússia Oriental. Tentativa que fracassou, apesar da destruição que a explosão causou no interior do bunker. Bonhoeffer foi acusado de estar envolvido nesta iniciativa. (Nota da IHU On-Line)
2] Editora Sinodal: situada na Rua Amadeo Rossi, nº 467, CP 11, CEP 93001-970, São Leopoldo, RS. (Nota da IHU On-Line)
tbm gostei muito desse post, andre.
ResponderExcluiressa postura de viver com se deus não existisse realmente é bem forte, heterodoxa e, pra mim, motivadora.
é o ser humano pegando as redeas do proprio "destino" (e uso a palavra aqui num sentido de futuro, entende?) e fazendo acontecer. :D
Bonhoeffer é um dos meus teólogos prediletos. Postei a entrevista do senhor Harald pelo fato de ser autor de um pequeno livro básico sobre o teólogo alemão. É um livrinho bem legal, onde ele faz uma divisão dos temas citados em uma pergunta, insere um texto do próprio Dietrich em uma página, e na outra, comenta.
ResponderExcluirEscrevi uma matéria sobre Bonhoeffer há tempos atrás, mas não está muito legal. Pretendo escrever outra. Vê como a teologia cristã tem muita coisa fascinante ? Nem todos(as) pensadores(as) cristãos(as) são tapados como uma galera vive falando( e escrevendo) por este mundão de Deus.
Sem contar que, além da teoria, Bonhoeffer,foi um herói prático, um mártir. Há um filme muito bonito sobre ele, chamado " Bonhoeffer, o Agente da Graça "
http://www.youtube.com/watch?v=LIE10DDbG-U&feature=player_embedded
Pequeno trecho do filme;
ResponderExcluirhttp://www.youtube.com/watch?v=bBI-vml-zvQ
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ResponderExcluirscisoggata
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