terça-feira, 26 de outubro de 2010

O Segundo turno e os evangélicos. Entrevista com Leonildo Silveira Campos


Ótima entrevista concedida por Leonildo Silveira Campos, professor do curso de Ciências da Religião da Universidade Metodista de São Paulo ( UMESP), ao portal Adital. Confiram :




Apontados como os responsáveis por levarem as eleições presidenciais para o segundo turno, os evangélicos são tema de análises e reflexões sobre os caminhos dessa fase do pleito desde que a apuração dos votos apontou uma disputa entre Dilma Rousseff e José Serra. A IHU On-Line entrevistou, por e-mail, o professor Leonildo Silveira Campos que discorreu sobre como os evangélicos adentraram a pauta dos debates eleitorais e como este grupo religioso tornou-se um fenômeno sociológico importante na política atual. "Acredito que os evangélicos foram usados como 'bucha de canhão' numa guerra facilmente apresentada a eles numa retórica que sempre foi muito bem aceita: a luta do 'bem' contra o ‘mal’", escreveu.


Leonildo Silveira Campos é graduado em Filosofia, pela Universidade de Mogi das Cruzes, e em Teologia, pela Igreja Presbiteriana Independente do Brasil. É mestre em Administração e doutor em Ciências da Religião pela Universidade Metodista de São Paulo, onde atualmente é professor. Também leciona na Faculdade de Teologia da Igreja Presbiteriana Independente do Brasil. É autor do livro "Teatro, templo e mercado: organização e marketing de um empreendimento neopentecostal" Petrópolis - São Paulo, Vozes - Simpósio - Umesp, 1997. Recentemente a revista IHU On-Line publicou uma entrevista com ele sob o título IURD: teatro, templo e mercado.
Confira a entrevista.


IHU On-Line - A questão das religiões, principalmente entre os evangélicos, tem ganhado força nos debates para o segundo turno dessas eleições. Como o senhor analisa a forma como os evangélicos têm entrado nessa discussão?


Leonildo Silveira Campos - O termo "evangélicos" abrange uma boa parcela (de 20% a 30%) da população brasileira. Trata-se de uma população portadora de uma homogeneidade discutível da qual fazem parte pessoas pertencentes às camadas mais pobres (classes "D" e "C") até os que estão na baixa classe média. Os evangélicos mais tradicionais pertencem às classes médias (baixa e média, principalmente). De uma maneira geral os evangélicos têm assumido uma postura conservadora. Em certos meios eles votam de acordo com as solicitações de seus líderes, considerados por alguns deles como os "homens de Deus". Porém, há ocasiões em que essa fidelidade às diretrizes emanadas dessas lideranças não funcionam à contento. Por exemplo: em 2006, a representação evangélica na Câmara Federal caiu pela metade (de pouco mais de 60 para pouco mais de 30 deputados), apesar da solicitação de pastores e bispos para que os fiéis votassem em seus candidatos (muitos deles estiveram envolvidos com escândalos como o do Sanguessuga ou Mensalão).
No primeiro turno, os evangélicos foram atingidos por outra discussão, não por envolvimento de seus representantes em esquemas de corrupção, mas foram "aliciados" ao lado dos que não aceitam o aborto e o casamento de pessoas de mesmo sexo. Acredito que os evangélicos foram usados como "bucha de canhão" numa guerra facilmente apresentada a eles numa retórica que sempre foi muito bem aceita: a luta do ‘bem’ contra o ‘mal’. Em alguns templos evangélicos um telão foi instalado às vésperas das eleições de 3 de outubro, e o pastor projetou um pequeno filme com cenas de aborto, maus tratos de crianças indígenas e outros temas mais, todos explorados por essa nova direita (evangélica ou católica).
Depois, eles afirmavam: "se você quer um país em que um governo ‘iníquo’ irá impor essas coisas, restringindo a liberdade religiosa, votem na Dilma e no PT". Penso que a multiplicação via internet desses boatos influenciou o voto dos evangélicos levando-os a votarem na Marina (evangélica pentecostal) ou no Serra. Os evangélicos que mudaram a direção do voto na última hora podem ter repetido o fenômeno Collor, em 1989. Certamente, se essa mudança tivesse ocorrido no segundo turno, Serra teria se elegido, como Collor o foi em 1989. A questão será: no segundo turno tal retórica conseguirá manter a sua eficiência?


IHU On-Line - O pastor Silas Malafaia participou do programa eleitoral de Serra apoiando o candidato. Ele, inclusive, tem usado seu programa pago em diferentes canais para dizer aos fiéis para não votarem em Dilma. Como o senhor encara isso?


Leonildo Silveira Campos - Silas Malafaia é um conhecido "atirador para todos os lados em que o vento soprar" alavancado pelo dinheiro. Malafaia e o pastor Caio Fábio sempre estiveram digladiando em nome da "verdadeira fé evangélica". Agora que o Bispo Edir Macedo, da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), está ao lado do PT, Malafaia entrou em rota de colisão com ele. Em outras épocas, segundo Caio Fábio, a retórica de Malafaia, favorável à IURD e à "liberdade do povo de Deus" (durante a campanha de Collor, de FHC e após o "chute na Santa"), foi estimulada por milhares de reais para os cofres de seu movimento que está inclusive se tornando autônomo em relação a Assembléia de Deus brasileira. Penso que o apoio de Malafaia a Serra não ajuda tanto quanto um posicionamento de Edir Macedo ou de outros líderes neopentecostais a Dilma e ao PT. Mesmo em relação a Assembleia de Deus (um conglomerado de igrejas com cerca de 10 milhões de fiéis) o apoio de Silas Malafaia não carrega tantos votos como ele imagina. A questão é quem detém um capital religioso maior e um maior domínio das massas. Parece que, Macedo e outros pentecostais favoráveis a Dilma, representam a maioria dos votos "de cabresto".


IHU On-Line - Que razões fazem dos evangélicos um fenômeno sociológico importante na política atual?

Leonildo Silveira Campos - Sem dúvida, a visibilidade demográfica, midiática e política dos evangélicos fizeram desse ex-"pequeno povo mui feliz" (como eles cantavam em uma de suas canções) uma confortável e decisiva cifra de aproximadamente 30 milhões de brasileiros. A quase totalidade é alfabetizada, tem um senso de "conversão religiosa" muito aguçada; seus membros foram tocados no passado pelo fundamentalismo, anticomunismo, anticatolicismo, têm um enorme respeito pela palavra de seus líderes, quer sejam eles "pastores", "missionários", "bispos" ou "apóstolos". A maior parte desses evangélicos é pentecostal e participam de grandes empreendimentos religiosos (que os estadunidenses chamaram de "denominações") proprietários de mídias.
Os evangélicos que estão localizados nas camadas com mais emprego, saúde e escolaridade, têm também acesso a rede mundial de computadores. Porém, para alegria de seus adversários, os evangélicos não se unem ao redor de nomes e de bandeiras comuns a todos eles. No entanto, se alguma bandeira, como foi o caso do aborto, for agitada pelos seus líderes, o grau de adesão a este ou aquele candidato será maior. Os evangélicos brasileiros deixaram de ser uma minoria e passaram a se sentir importantes, numérica e socialmente falando, impulsionados por uma autorepresentação de serem o fiel da balança em tempos de eleições. Esse sentimento de que todos, independente da denominação religiosa que faz parte, são membros de uma espécie de "supraigreja", de um agrupamento chamado "povo evangélico" ou um "povo escolhidos por Deus" para fazer a diferença, pode resultar em associações esporádicas, surgindo-se daí significativos resultados eleitorais.


IHU On-Line - Teoricamente, vivemos num Estado laico. Como o senhor vê a dimensão que a religião está tomando nesse debate para o segundo turno?

Leonildo Silveira Campos - Na verdade, a ideia de "Estado laico" no Brasil é muito mais um ideal, segundo alguns burgueses, do que uma construção histórica, social e cultural. A religião da maioria sempre foi um fator de pressão na organização legal e até na forma de organizar o nosso calendário. Desde a separação entre a Igreja e o Estado, após o primeiro golpe militar de nossa história (proclamação da República em 1889); passando-se pelos acordos políticos dos anos 1930, 1940, 1964-1985 ou os da chamada "República Nova" pós-1985; até o recente acordo com o Estado do Vaticano e a Igreja Católica; a meta do "Estado laico" é sempre retomada, discutida e colocada em dúvida por alguns.
Por outro lado, a ofensiva dos cristãos mais conservadores ao redor da luta contra o aborto, casamento ou união entre pessoas do mesmo sexo pode ser vista como uma revanche religiosa contra a secularização da sociedade brasileira. Mesmo assim, toda aspiração por um Estado teocrático é, ao meu ver, um perigo para a existência de um Estado que pretende ser democrático, secularizado ou laico. É curioso que o protestantismo brasileiro, desde a sua inserção no Brasil do século XIX, sempre acusou a Igreja Católica, especialmente os jesuítas de "serem contrários à democracia" de modelo norte-americano. Os evangélicos brasileiros divulgaram muitos textos anticatólicos desde a segunda metade do século XIX, afirmando que o catolicismo era o maior perigo para a democracia liberal norte-americana, que, apesar da desigualdade entre negros e brancos, era vista pelos evangélicos como um modelo de Estado democrático e laico.


IHU On-Line - Os evangélicos podem mesmo ser os responsáveis pela definição deste segundo turno? Que motivos vão conduzir o voto desse grupo religioso?

Leonildo Silveira Campos - Acredito que os evangélicos, se é que todos eles estiveram com Marina e Serra contra Dilma no primeiro turno, não irão conseguir repetir a coesão antiaborto neste segundo turno. Por outro lado, o fator aborto parece ter sido enfraquecido porque ambas as candidaturas, Serra e Dilma, passaram a acenar para esse eleitorado evangélico-conservador que se uniu aos evangélicos-liberais (ecologistas e admiradores da Marina fiel da Assembleia de Deus), levando consigo católicos da renovação carismática também.
Essas alianças resultaram em milhões de votos que, num novo turno, poderão tomar outros rumos. A colisão de forças conservadoras contrárias a Dilma e pró-Serra somente terá sucesso neste segundo turno se algum outro escândalo for explorado pela mídia. Aqui outra força se levanta contra Dilma-PT: a mídia representada pelos grandes grupos financeiros estilo Globo, jornais Estado e Folha de S.Paulo e revistas como Veja, Época e outras mais. Contudo, as dezenas de emissoras de rádio e de televisão, os milhões de exemplares da Folha Universal, os milhares de templos da Igreja Universal do Reino de Deus, estão apregoando, todos os dias, que uma conspiração diabólica foi montada nas profundezas do inferno para impedir a vitória de Dilma. Edir Macedo garante que Deus está com o mesmo PT que em 1989 e 1994 estava sob influências de Satanás.


* Instituto Humanitas Unisinos



sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Ateus Radicais X Religiosos Delirantes : Chamado à sensatez













Texto de autoria do pastor da Primeira Igreja Presbiteriana Independente de São Paulo, Rev.Valdinei Aparecido Ferreira, divulgado no site da referida igreja e que será publicado no boletim deste domingo, dia 24 de outubro.

É um texto que eu gostaria de ter escrito!

Chamado à sensatez

Rev. Valdinei Aparecido Ferreira

Já faz algum tempo que assistimos no Brasil a uma espécie de duelo entre um ateísmo militante e uma religiosidade delirante. Ateus militantes pintam os religiosos como ignorantes e obscurantistas; por sua vez, religiosos delirantes devolvem a acusação pintando os descrentes como perversos e inimigos de todo bem. Como se isso já não fosse ruim o suficiente, o embate eleitoral tratou de acirrar ainda mais os ânimos. Ateus e religiosos resolveram duelar no palco montado pela política. Aquilo que já era deplorável tornou-se insuportável.

Entre os que ocupam os extremos – ateus militantes e religiosos delirantes –, existem os cidadãos que se respeitam e convivem harmoniosamente com suas diferenças. Muitas vezes habitam sob um mesmo teto. Noutras vezes, são amigos de longa data. O fato é que a maioria dos brasileiros não está disposta a reinventar as guerras religiosas ou ideológicas. Não queremos ser nenhuma teocracia medieval nem qualquer experimento à moda soviética. Queremos ser o que nascemos para ser – terra abençoada por Deus. E, neste caso, reservando-se o direito de que alguns a considerem apenas "abençoada", sem menção do autor da bênção.

O chamado à sensatez, neste contexto, consiste em lembrar que viver num estado laico significa, sobretudo, que todos são iguais perante a lei e, porque são iguais perante a lei, cada um tem o direito de ser diferente até o limite em que a sua diferença não cause danos à integridade física e moral de outros. A civilização chegou a essa regra áurea de convivência pelo duro aprendizado da intolerância e pelas mãos de humanistas cristãos e filósofos iluministas, muitos deles descrentes. Só para citar um exemplo, Voltaire dizia: "Não estou disposto a morrer por nenhuma crença, mas estou disposto a morrer pelo direito de ter uma crença".

Sou homem religioso e pastor por vocação, mas não sou pessoa de preconceitos. Reconheço que a luz da razão pode brilhar em crentes e ateus, por isso valho-me do velho Karl Marx, em uma passagem do "18 Brumário", para entender o momento que vivemos: "Na primeira vez a história acontece como tragédia, e na segunda, como farsa". Pois bem, parece-me que nossas guerras religiosas e ideológicas entre crentes e ateus tupiniquins, principalmente em períodos eleitorais, têm insuportável cheiro de farsa.

Valdinei Aparecido Ferreira : Graduado em Teologia pelo Seminário Teológico de Londrina da Igreja Presbiteriana Independente do Brasil. Bacharel, Mestre e Doutor em Sociologia pela USP

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Relançado livro histórico



Um dos grandes clássicos da historiografia protestante brasileira; Anais da Primeira Igreja Presbiteriana de São Paulo, de autoria de Vicente Themudo Lessa e publicado pela Editora Cultura Cristã foi relançado no dia 06/10 na Primeira IPI de São Paulo .

Realizado no salão social da Catedral, o evento contou com a presença dos reverendos Alderi Souza de Matos, historiador oficial da Igreja Presbiteriana do Brasil e organizador da nova edição, Leonildo Silveira Campos, ministro da IPI do Brasil e professor do curso de Ciências da Religião da Universidade Metodista de São Paulo ( UMESP) e Cláudio Antônio Batista Marra, editor da Editora Cultura Cristã.

O pastor titular da Primeira Igreja, Rev. Valdinei Aparecido Ferreira, abriu o evento ressaltando a importância da obra para a historiografia não apenas do presbiterianismo, mas do protestantismo brasileiro em geral. Na seqüência, a palavra foi concedida ao Rev.Alderi, onde foram apresentadas peculiaridades a respeito do livro e da vida e obra de Vicente Themudo Lessa.

Após a participação do organizador da segunda edição, a palavra ficou por conta do Rev.Leonildo Silveira Campos. De forma acadêmica e ao mesmo tempo didática, Leonildo realizou uma leitura sociológica sobre o texto de Themudo Lessa, ressaltando a importância do conhecimento histórico para a caminhada atual da Igreja de Jesus Cristo em nosso país.

Finalizando o evento, foi aberto espaço para que o público presente adquirisse o livro, sendo o Rev. Alderi, como organizador da obra, bastante requisitado em uma sessão de autógrafos.

Vicente do Rego Themudo Lessa, ministro presbiteriano, fez parte do movimento de nacionalização do presbiterianismo brasileiro, originando, em 1903, a Igreja Presbiteriana Independente do Brasil. Consagrado pastor evangélico, foi um dos primeiros historiadores do protestantismo em atividade no Brasil. Além do livro relançado, publicou títulos de grande relevância. Dentre várias obras, destacam-se as biografias sobre os reformadores Martinho Lutero e João Calvino.

O público interessado pode adquirir esta verdadeira obra prima através do telefone: XX 11- 3255-6111

ANDRÉ TADEU DE OLIVEIRA



Vicente do Rego Themudo Lessa ( 1874-1939)

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Os Pais da Igreja e a Justiça Social


A chamada Teologia Patrística compreende numerosas obras escritas entre os séculos I e VIII da Era Cristã, que definiram as doutrinas básicas seguidas pelos três ramos do cristianismo : ortodoxia oriental, catolicismo-romano e o protestantismo. Este nome significa, literalmente, teologia dos pais da igreja. No entanto, a contribuição para a então nascente teologia cristã, segundo especialistas, não ficou restrita ao elemento masculino. Segundo o teólogo estadunidense Christoper A.Hall, várias mulheres tiveram profunda participação nessa etapa decisiva de consolidação do pensamento cristão. É o caso de Marcella e Paula, discípulas de Jerônimo, pai da igreja responsável pela tradução da Bíblia para o latim, popularmente conhecida como Vulgata. Segundo Hall, toda a obra de Jerônimo foi realizada sob a influência destas duas mulheres. Infelizmente, com o passar do tempo, a participação da mulher na elaboração da teologia cristã foi sendo suprimida pelo crescente machismo que tomava conta da igreja.

Além de temas importantíssimos, como trindade, divindade, natureza e encarnação de Cristo, os chamados pais da igreja não deixaram de lado a luta por uma ordem sócio-econômica verdadeiramente justa. Como nos dias atuais, esses teólogos viveram em sociedades marcadas por uma forte desigualdade social, em que a exploração do homem pelo homem era comum. Sendo assim, combateram a pobreza através da pregação e de vários escritos.

Protesto veemente

Dentre os vários pais da igreja, nossa atenção estará voltada aos que atuaram no século IV, mais especificamente no contexto oriental. São eles: Basílio Magno, Gregório de Nazianzo e João Crisóstomo. Nessa época, o cristianismo já estava, politicamente, unido ao império romano. Aquela antiga religião de pobres, escravos, mulheres e crianças agora era custeada e mantida de forma oficial pelo império. A fé cristã, considerada subversiva pelos antigos imperadores pagãos, tornou-se poderosa aliada do poder estatal.

Mesmo sendo oficialmente cristã, Roma manteve toda a estrutura social de tempos anteriores; elevada concentração de renda e terras, regime escravagista e uma enorme massa de pobres livres. Contra essa situação, os pais da igreja protestaram veementemente.

Basílio Magno, também conhecido como Basílio de Cesaréia, região da Capadócia, nasceu em 330 depois de Cristo. Oriundo de família cristã, foi ordenado sacerdote em 364, sagrando-se bispo seis anos depois. Lutou de forma dura contra o arianismo, linha teológica que afirmava que Cristo seria apenas a maior criatura de Deus, portanto, não da mesma substância que Deus Pai. Tal doutrina colocava em dúvida a própria divindade de Cristo. Além do erro ariano, o bispo de Cesaréia foi uma voz profética contra os males sociais de seu tempo. Em sua homilia intitulada “Contra a riqueza”, assim escreveu: "Tais são os ricos; declaram-se senhores dos bens comuns que eles roubaram só porque são os primeiros ocupantes. Se cada qual não guardasse para si senão aquilo que é requerido para suas necessidades comuns, deixando para os indigentes o supérfluo, tanto a riqueza como a pobreza seriam abolidas”. Para Basílio, a separação entre ricos e pobres é fruto da ganância dos primeiros, não sendo uma ordem natural.

Gregório de Nazianzo nasceu entre 329 e 300. Filho do bispo de Nazianzo, era amigo de Basílio Magno. Contra sua vontade foi indicado pelo mesmo Basílio bispo da pequena cidade de Sassima. Ótimo orador mudou-se para Constantinopla, onde usou seu talento contra o arianismo. É de sua autoria a obra “Cinco discursos teológicos sobre a trindade”.

Apregoando uma sociedade baseada na igualdade primitiva, deixou o seguinte escrito:

“Imitemos este lei sublime e primeira de um Deus que faz cair chuva sobre os justos e sobre os maus e faz com que o sol se levante sobre todos os homens. Às criaturas que vivem sobre a Terra, ele concede imensos espaços, fontes, rios, florestas. Para as espécies aladas ele criar o ar, e a água para a fauna aquática. Fornece a cada um todo o necessário para a subsistência. E seus dons não caem nas mãos dos fortes, não são medidos por lei, nem repartidos entre estados. Tudo é comum, tudo existe em abundância. Quando os próprios homens amontoaram em seus cofres ouro, prata, diamantes e coisas do gênero, então uma louca arrogância endureceu suas feições. Eles não refletem sobre o fato de que pobreza e riqueza, condição livre e servil, além de outras categorias semelhantes chegaram tarde demais entre os homens e se propagaram como epidemias, trazidas pelo pecado do qual eram invenções”.

Comunismo Cristão

Segundo Gregório, a ordem social estabelecida por Deus nos primórdios da criação equivale à ordem encontrada na natureza. Tudo seria comum, nenhuma lei, nenhum estado seriam tutores de propriedades confinadas nas mãos de uma minoria. A distinção entre rico e pobre, patrão e empregado, era fruto do pecado que se encontra no seio da humanidade, não fazendo parte dos planos do Deus trino. Portanto, não seria errado considerar que, para Gregório, uma espécie de comunismo cristão seria a ordem social mais justa.

Inúmeros outros escritores patrísticos seguiram este pensamento. João Crisóstomo, patriarca de Constantinopla, chegou a formular a seguinte questão: “Diz-me uma coisa; donde achas que provém à riqueza? Tu mesmo de quem a recebeste? Do avô, dirá alguém, ou do pai. Poderás tu, voltando às gerações, provar que sua posse é justa? Não poderias, porque seu principio e sua raiz são necessariamente o fato de alguma injustiça. Porque Deus no começo não fez um rico, outro pobre, deu a todos a mesma terra. Sendo assim, por que possuis vários alqueires de terra, sendo que seu vizinho nada tem?”

Comentário duro, mas verdadeiro. Que a Igreja de Cristo no presente século, além de suas obras de beneficência e ação social, mirando-se no exemplo dos pais da igreja, levante sua voz contra esta ordem capitalista desumana, que produz miséria e desigualdade.


ANDRÉ TADEU DE OLIVEIRA


Fontes :


Os Padres da Igreja- Séculos IV- VIII- Volume Dois- Michel Spanneut- Loyola

Lendo As Escrituras com os Pais da Igreja- Christopher A.Hall- Ultimato



quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Nem todo evangélico é homofóbico, garante Tony Reis


Tony Reis, presidente da Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais, concedeu uma interessante entrevista ao Portal Terra. Nela, ao contrário do senso comum apregoado pela mídia e pelo mundinho virtual, afirma, de forma clara, que nem todo político evangélico é homofóbico. Muito pelo contrário. Realça a luta em prol dos direitos dessa parcela importante da população por parte de políticos evangélicos como a presbiteriana Benedita da Silva ( PT-RJ ) e o batista Walter Pinheiro ( PT- BA) .

Bastante elucidativas as declarações de Reis, pois desmistificam a idéia de que todo cristão protestante brasileiro seja um poço de conservadorismo e moralismo.

Vamos à entrevista :

Terra Magazine - Nos cálculos de vocês, em 2011, a Frente Parlamentar pela Cidadania LGBT contará com 154 deputados federais e 20 senadores.


Toni Reis - É preciso deixar claro que é um levantamento preliminar. São pessoas que já eram da Frente Parlamentar e foram reeleitas, pessoas que assinaram o termo de compromisso (durante a campanha, a ABGLT lançou o Projeto Aliadas, que convidava os candidatos a assumirem compromisso com propostas voltadas para a cidadania da comunidade LGBT. Dos 254 que assinaram, 53 se elegeram). Mas não conversamos ainda com os 513 eleitos. Deve aumentar muito esse número.

Terra Magazine- Eu pretendia perguntar justamente sobre a queda de deputados federais ligados à Frente. Antes, eram 224...


Desses 224, 100 não concorreram à reeleição ou concorreram a outros cargos. O que nós fazemos? Começou a próxima legislatura, vamos visitar gabinete por gabinete para explicar qual é nossa demanda. Estamos muito contentes, porque quando se fala em evangélico, as pessoas associam a preconceitos. Não, nós temos muitos evangélicos aliados. Temos que evitar o preconceito às avessas. Por exemplo, o senador (eleito) da Bahia Walter Pinheiro (PT) sempre apoiou os nossos direitos humanos. A Benedita da Silva (PT), do Rio de Janeiro, é evangélica. Isso para dar exemplos.
Então, vamos conversar com todos, inclusive com os da frente evangélica, para evitar deturpações. Dizem, por exemplo, que queremos o casamento religioso. Não é nossa demanda. Não achamos que se deve legislar sobre casamento religioso. Queremos a união estável, que são os direitos civis. Não queremos destruir a família de ninguém. Queremos construir a nossa.
Sobre o mais polêmico, que é o PLC 122, sempre estivemos abertos à discussão. Inclusive, o projeto foi modificado. Não é só sobre a homofobia. Tem a questão de não discriminar o idoso, a mulher, o gay... Não discriminar as pessoas por alguma das suas características.
Estamos abertos ao diálogo. Não queremos instaurar uma guerra santa no Congresso nacional. Só queremos cidadania plena.

Terra Magazine- Falando em parlamentares evangélicos, a bancada evangélica saltou de 43 para 71 deputados. Mesmo diante do posicionamento menos radical de alguns parlamentares, você acha que esse aumento pode dificultar a aprovação de projetos como a PLC 122?

Não vejo assim. Como disse, nem todo evangélico é preconceituoso. Inclusive, tem uma pesquisa do Senado que diz que 55% dos evangélicos apoiam a causa LGBT. E 73% dos católicos apoiam nossos direitos. Então, dessa bancada de evangélicos... Tenho conversado com pastores e bispos. Vejo que muita gente apresenta visão conservadora, mas com outros dá para conversar. Dentro do processo político de conquista e de apoio através do diálogo e da negociação.

Terra Magazine- Mas há uma irrefutável dificuldade para aprovar projetos ligados às causas LGBT. A união civil é um exemplo. A matéria está há anos no Congresso.

Há 15 anos... Mas olha, minha amiga, nós evoluímos muito. Na Idade Média, éramos queimados na fogueira. Depois, passamos a ser tratados como criminosos até 1824. Depois, fomos tratados como doentes até dia 17 de maio de 1990. De pecador, que merece ser morto, de criminoso e doente, evoluímos muito. Estamos discutindo com frente parlamentar. O (Albert) Einstein já dizia: "É mais fácil quebrar um átomo do que o preconceito". Com nossas paradas, a partir de 1995, conseguimos apoio muito grande. Você não vê mais um jornal fazendo uma reportagem que prejudique nossa imagem. Temos alguns setores dos humoristas, dos programas evangélicos e policiais que ainda prejudicam nossa imagem. Hoje nós temos um Programa Nacional de Cidadania LGBT, envolvendo 18 ministérios. Não sei se é minha idade, minha vivência, mas estamos caminhando. Todo esse debate é importante. Não podemos cair na descrença de que nada vai mudar. Só o fato de hoje estarmos discutindo de igual para igual com outros setores da sociedade, isso é maravilhoso.

Terra Magazine- Você está otimista em relação à nova composição do Congresso?

Vejo que há caras novas, muita gente conservadora não se elegeu. Muitos fundamentalistas...

Terra Magazine- Em compensação, no Senado, por exemplo, alguns parlamentares com posicionamento mais conservador, como Magno Malta (PR-ES) e Marcelo Crivella (PRB-RJ), se elegeram.

O Crivella fez uma declaração, dizendo que nenhum presidente homofóbico merece ser eleito. Falou isso porque o Indio (da Costa) falou uma besteira e depois negou no Twitter. Com relação ao Magno Malta, tem uma travesti vereadora no Espírito Santo que marcou uma audiência com o senador. Ela é do mesmo partido. O Magno Malta falou que nunca discriminou, só que ele queria ver os termos do PLC 122, que falava que as pessoas não podem incentivar a violência e a discriminação.
Acho que a gente não pode afastar e rotular as pessoas. Tem que conversar. Há colegas meus, do movimento, que dizem que é perda de tempo conversar com essas pessoas. Eu tenho encontrado muita gente boa.

Terra Magazine- Quais são os principais projetos defendidos pelo movimento LGBT?

São três: criminalização da homofobia, união civil estável e nome social para as pessoas trans (permite que utilizem em documentos nomes pelo qual são chamados). Talvez, nossa demanda altere. Vamos ter um congresso em 2011 para definir quais serão as demandas.

Terra Magazine- O discurso religioso tem sido marcante no debate eleitoral do segundo turno da disputa presidencial? Como você vê isso?

Acho que há um moralismo muito grande. Teríamos que estar discutindo qual projeto de país queremos. É complicado entrar nessa seara religiosa. Todas as religiões devem ser respeitadas, assim como os ateus. A questão do aborto deve ser tratada como questão de saúde pública, sem moralismo.
Temos o pastor, que é o (Silas) Malafaia, um fundamentalista de carteirinha, que disse que não se pode votar nas pessoas que querem que os homossexuais tenham direitos. Isso é absurdo, sem nexo com a Constituição Federal e, inclusive, com a própria Bíblia.
Acho que esses temas religiosos não pegam bem durante a campanha. Temos dois candidatos super inteligentes. Dilma tem história de luta contra a ditadura. Serra também. E, de repente, estão entrando nessa discussão...

Terra Magazine- Para finalizar, eu quero te perguntar sobre o senador eleito pelo Paraná, Roberto Requião (PMDB). Vi que o nome dele está na lista da Frente Parlamentar pela Cidadania LGBT. Em 2009, quando governador, ele fez um comentário polêmico, relacionando o aumento da incidência de câncer de mama em homens às paradas gays.

Ele está na lista. Maravilhoso. Eu converso com Requião direto. É do meu estado. Ele falou aquilo e, depois, falou outra besteira. Ele conta muita piada, os discursos dele sempre são recheados de humor e, muitas vezes, fala besteira. Outro dia, falou sobre uma foto do Ronaldo (Fenômeno), que estava abraçado com o Serra e com o Fernado Henrique Cardoso. Aí, ele comentou assim: "Já falei para esse menino que ele tem que parar de sair com travesti".
As travestis do meu estado ficaram fulas da vida. Liguei para nosso querido deputado (Dr.) Rosinha (PT-PR) e falei que precisavámos conversar com o Requião, porque senão teríamos que fazer uma manifestação contra ele. O Requião respondeu: "Mande as travestis que eu falo com elas". Tem uma foto, inclusive, dele com as travestis. Depois da conversa, as três vieram e falaram: "Vou votar no homem". A piada sobre o câncer de mama foi infeliz.

Terra Magazine- Na ocasião daquela declaração, o movimento pensou em tomar uma providência?

Fomos falar com ele. Foi tudo esclarecido. Requião não tem papas na língua. Ele não é um Beto Richa (governador eleito no Paraná, PSDB), que é um gentleman. Requião é daquelas pessoas espontâneas. É como o Lula. Na espontaneidade, muitas vezes você fala o que não deve.

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Paul Tillich : O Papel da Cultura Na Relação Homem- Deus




A vida e obra de Paul Johannes Oskar Tillich são marcadas pela defesa da cultura na vida humana como fonte de inspiração e de relação com o divino. Natural de Starzeddel, pequena cidade localizada na região leste da Alemanha, hoje parte do território polonês, Paul Tillich nasceu em 20 de agosto de 1886. Filho de pastor luterano decidiu trilhar os caminhos do pai. Entre 1904 e 1909, cursou teologia e filosofia, graduando-se em ambas com louvor. Ordenado ao ministério pastoral em agosto de 1912, assumiu, posteriormente, o pastorado auxiliar na Igreja Luterana do Redentor em Berlim, Alemanha.

Durante a Primeira Guerra Mundial, Tillich alistou-se como capelão evangélico no exército alemão, abrindo mão do convívio de sua esposa, Margarethe Wever, com quem estava casado há poucos dias. A guerra mudou profundamente sua vida e seu pensamento. Diante dos horrores das batalhas, sua crença na bondade inata do ser humano caiu por terra. Além disso, seus conceitos sociais e políticos foram violentamente alterados. Antes conservador e ferrenho monarquista, agora Tillich abraçava o socialismo democrático como solução para uma sociedade mais justa.

No início dos anos 1920, junto com um grupo de pastores luteranos e reformados, organizou o chamado grupo Kairós, na verdade, embrião do movimento chamado “Socialismo Religioso”, uma alternativa cristã ao stalinismo soviético de tendência ateísta. Como um dos líderes desse movimento, Tillich escreveu numerosos folhetos, livros e artigos em vários periódicos alemães, denunciando as mazelas do capitalismo.

Preocupando-se com a situação de penúria dos operários e dos trabalhadores deixados à margem pela igreja, aproximou-se deles nos subúrbios de Berlim. Com a ascensão de Hitler ao poder, opôs-se ao novo regime nazista, sendo obrigado a exilar-se, em 1933, em solo norte-americano.

Nos EUA, dedicou-se à docência em seminários e universidades como Union, Harward e Chicago; demonstrou elevado interesse pela cultura daquele país, principalmente no que diz respeito à relação com o cristianismo. Para Tillich, a expressão cultural humana, mesmo a secular, traz consigo anseios profundos que denotam a busca do homem por um sentido maior para sua vida. Sendo assim, todo tipo de arte tem um elemento sagrado, pois direciona o pensamento das pessoas para um alvo maior. Tal sentido, segundo Tillich, só pode ser encontrado em Deus.

Tillich, pastor, teólogo e filósofo alemão, defensor da justiça e do amor aos carentes no contexto extra-religioso, é um exemplo do que podemos comunicar muito de nossa espiritualidade por meio da arte secular.

POR : ANDRÉ TADEU DE OLIVEIRA

sábado, 9 de outubro de 2010

Jesus Cristo segundo alguns ateus e judeus


Pensamentos interessantes a respeito de Jesus Cristo por parte de alguns ateus e judeus ;

ATEUS

"Se aplicarmos ao Novo Testamento, como nós devemos, a mesma sorte de critérios que devemos utilizar para outros escritos da antiguidade contendo material histórico, nós não podemos mais rejeitar a existência de Jesus sem o fazer o mesmo com um grande número de personagens pagãos cuja realidade de suas figuras históricas nunca é questionada. Certamente, existem todas aquelas discrepâncias entre um evangelho e outro. Mas nós não negamos que um evento aconteceu apenas porque alguns historiadores pagãos como, por exemplo, Livio e Polibio, o descreveram de maneiras diferentes. Que houve um rápido crescimento de lendas em volta de Jesus não pode ser negado, e isso aconteceu muito rápido. No entanto, também houve um rápido desenvolvimento de lendas em torno de figuras pagãs como Alexandre o Grande, ainda que ninguém o considere completamente mítico ou fictício. No fim das contas, os métodos críticos modernos não dão suporte a teoria do Cristo Mítico. E, de novo, mais uma vez, ela foi "refutada e rejeitada pelos estudiosos de primeira linha". Nos anos recentes "nenhum estudioso sério ousou levantar a tese da não historicidade de Jesus", ou muito pouco o fizeram, e mesmo assim não conseguiram ser bem-sucedidos frente a forte e abundante evidência contrária"

Michael Grant - Professor de História Antiga na Universidade de Edimburgo.
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" Jesus deixou mandamentos extremamente radicais, ao mesmo tempo que demonstrava um comportamento extremamente conciliatório e liberal com as pessoas que pareciam muito afastadas da visão de salvação de Israel e de toda a humanidade, muito desconfiadas quanto às exigências que se deve ter para consigo mesmo. Não tememos proclamar o que a tradição da Igreja muitas vezes calou ou interpretou mal por pudor. O que se esconde por trás dos contatos mantidos por Jesus com pecadores e publicanos ? É um comportamento capaz de chocar as pessoas piedosas. Jesus não teme dirigir-se às prostitutas e sentar à mesa dos colaboracionistas. Frequentou os funcionários da administração romana. Escutou Madalena que conservava provavelmente um comportamento algo histérico. Fala tranquilamente da pecadora pública, dizendo que seus pecados tão numerosos foram perdoados porque ela muito amou".

Milan Machovec - Filósofo marxista tcheco e professor da Karls Universitat-Praga.
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" Depois do êxodo de Israel do Egito, de Javé de Israel, sobrevém agora um êxodo de Jó para longe de Javé; exatamente para onde ? Jesus imprime um avanço ao êxodo do homem. Ele não é o manso pregador da paciência, mas o messias escatológico que anuncia o Reino de Deus. Não um reino de Deus ético-espiritual, como o proposto pela interpretação teológica liberal, mas uma realidade histórica, terrena, política. O evangelho de Jesus é uma proclamação de liberdade e felicidade, que compreende a um tempo a salvação religiosa e política, o fim da miséria e o início da felicidade, o shalon profético. Mesmo a mensagem de Jesus, inclusive do amor aos inimigos, situa-se dentro da moldura de redenção escatológica. Em Jesus, a única pregação puramente social e moral é a que se empenha em agir em favor dos irmãos".

Ernest Bloch- Filósofo marxista alemão, pai da Filosofia da Esperança .
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" Jesus é o reformador do judaísmo, não o fundador do cristianismo, que pressupõe a sua divinização, levada a cabo por Paulo. Jesus é o profeta e o messias que está no cerne da tradição bíblica".

Laszek Kolakowsky- Professor de filosofia na Universidade de Varsóvia .
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" Jesus Cristo é o símbolo da dignidade e da transcendência de todo o homem, porque nele se efetua a encarnação de deus e a divinização do homem. O amor ao próximo, como dom gratuito de si mesmo a serviço dos outros, pode fornecer uma contribuição ao processo de libertação dos demais homens que nós, marxistas, empreendemos por motivos de solidariedade histórica".

Lúcio Lombardo Radice - Matemático e Pedagogo italiano.



JUDEUS


"Na verdade, com excessão de um punhado de céticos inveterados, a maioria dos estudiosos de hoje parte para o extremo oposto e considera existência de Jesus tão garantida que não se dá ao trabalho de questionar o significado de historicidade ".

Geza Vermes - Professor da cadeira de Judaísmo Clássico na Universidade de Oxford .

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"Realmente, possuimos registros mais completos sobre a vida dos imperadores seus contemporâneos e de alguns poetas romanos. Entretanto a excessão do historiador judeu Flávio Josefo, e possivelmente de São Paulo, Jesus é o judeu, de épocas posteriores ao Antigo Testamento, sobre quem nós mais sabemos" .

David Flusser- Professor da Universidade Hebraica de Jerusalém, membro da Academia de Ciências de Israel e principal tradutor dos Manuscritos do Mar Morto do hebraico para o grego.

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" Minha relação pessoal de abertura fraterna a Jesus tornou-se sempre mais forte e mais pura, e hoje olho para ele com um olhar mais intenso e mais límpido do que nunca".

Martin Buber- Importante filósofo judeu do século XX .


FONTES

História da Filosofia- De Nietzsche à Escola de Frankfurt- Volume 6- Giovanni Reale e Dario Antiseri- Paulus .

Jesus- David Flusser - Perspectiva

Jesus de Nazaré- História e Interpretação- Rinaldo Fabri- Loyola

Jesus Para os Marxistas- Milan Machovec- Loyola

Blog AD CUMMULUS



sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Eleições 2010. Palavras pastorais



Continuando o debate sobre um tema tão importante, o pleito eleitoral, reproduzo, na integra, duas notas pastorais de autoria do Rev. Sandro Amadeu Cerveira, pastor da Segunda Igreja Presbiteriana de Belo Horizonte ( IPU ). O primeiro, inclusive, foi dilvugado pelo jornalista Luis Nassif.





ELEIÇÕES 2010 E OS APROVEITADORES DA BOA FÉ E DA CREDULIDADE EVANGÉLICA.

Rev.Sandro Amadeu Cerveira

Talvez eu tenha falhado como pastor nestas eleições. Digo isso porque estou com a impressão de ter feito pouco para desconstruir ou pelo menos problematizar a onda de boataria e os posicionamentos “ungidos” de alguns caciques evangélicos. [1]

Talvez o mais grotesco tenha sido a chuva de emails e “vídeos” afirmando que votar em Dilma e no PT seria o mesmo que apoiar uma conspiração que mataria Dilma (por meios sobrenaturais) assim que fosse eleita e logo a seguir implantaria no Brasil uma ditadura comunista-luciferiana pelas mãos do filho de Michel Temer. Em outras o próprio Temer seria o satanista mor. Confesso que não respondi publicamente esse tipo de mensagem por acreditar que tamanho absurdo seria rejeitado pelo bom senso de meus irmãos evangélicos. Para além da “viagem” do conteúdo a absoluta falta de fontes e provas para estas “notícias”, deveria ter levado (acreditei) as pessoas de boa fé a pelo menos desconfiar destas graves acusações infundadas. [2]

A candidata Marina Silva, uma evangélica da Assembléia de Deus, até onde se sabe sem qualquer mancha em sua biografia, também não saiu ilesa. Várias denominações evangélicas, antes fervorosas defensoras de um “candidato evangélico” a presidência da república, simplesmente ignoraram esta assembleiana de longa data.

Como se não bastasse, Marina foi também acusada pelo pastor Silas Malafaia de ser “dissimulada”, “pior do que o ímpio” e defender, (segundo ele), um plebiscito sobre o aborto. Surpreende como um líder da inteligência de Malafaia declare seu apoio a Marina em um dia, mude de voto três dias depois e à apenas 6 dias das eleições desconheça as proposições de sua irmã na fé.

De fato Marina Silva afirmou (desde cedo na campanha, diga-se de passagem) que “casos de alta complexidade cultural, moral, social e espiritual como esses, (aborto e maconha) deveriam ser debatidos pela sociedade na forma de plebiscito” [3], mas de fato não disse que uma vez eleita ela convocaria esse plebiscito.

O mais surpreendentemente, porém, foi o absoluto silêncio quanto ao candidato José Serra. O candidato tucano foi curiosamente poupado. Somente a campanha adversária lembrou que foi ele, Serra, o responsável por trazer o aborto para dentro do Sistema Único de Saúde (SUS) [4]. Enquanto ministro da saúde o candidato do PSDB assinou em 1998 a norma técnica do SUS ordenando regras para fazer abortos previstos em lei, até o 5º mês de gravidez [5]. Fiquei intrigado que nenhum colega pastor absolutamente contra o aborto tenha se dignado a me avisar desta “barbaridade”.

Também foi de estranhar que nenhum pastor preocupado com a legalização das drogas tenha disparado uma enxurrada de-mails alertando os evangélicos de que o presidente de honra do PSDB, e ex-presidente da República Fernando Henrique Cardoso, defenda a descriminalização da posse de maconha para o consumo pessoal [6].

Por fim, nem Malafaia, nem os boateiros de plantão tiveram interesse em dar visibilidade a noticia veiculada pelo jornal a Folha de São Paulo (Edição eletrônica de 21/06/10) nos alertando para o fato de que “O candidato do PSDB à Presidência, José Serra, afirmou nesta segunda-feira ser a favor da união civil e da adoção de crianças por casais homossexuais.” [7]

Depois de tudo isso é razoável desconfiar que o problema não esteja realmente na posição que os candidatos tenham sobre o aborto, união civil e adoção de crianças por homossexuais ou ainda a descriminalização da maconha. Se o problema fosse realmente o comprometimento dos candidatos e seus partidos com as questões acima, os líderes evangélicos que abominam estas propostas não teriam alternativa.

A única postura coerente seria então pregar o voto nulo, branco ou ainda a ausência justificada. Se tivessem realmente a coragem que aparentam em suas bravatas televisivas deveriam convocar um boicote às eleições. Um gigantesco protesto a-partidário denunciando o fato de que nenhum dos candidatos com chances de ser eleitos tenha realmente se comprometido de forma clara e inequívoca com os valores evangélicos. Fazer uma denuncia seletiva de quem esta comprometido com a “iniqüidade” é, no mínimo, desonesto.

Falar mal de candidato A e beneficiar B por tabela (sendo que B está igualmente comprometido com os mesmo “problemas”) é muito fácil. Difícil é se arriscar num ato conseqüente de desobediência civil como fez Luther King quando entendeu que as leis de seu país eram iníquas.

Termino dizendo que não deixarei de votar nestas eleições.

Não o farei por ter alguma esperança de que o Estado brasileiro transforme nossos costumes e percepções morais em lei criminalizando o que consideramos pecado. Aliás tenho verdadeiro pavor de abrir esse precedente.

Não o farei porque acredite que a pessoa em quem votarei seja católica, cristã ou evangélica e isso vá “abençoar” o Brasil. Sei, como lembrou o apóstolo Paulo, que se agisse assim teria de sair do mundo.

Votarei consciente de que os temas aqui mencionados (união civil de pessoas do mesmo sexo, descriminalização do aborto, descriminalização de algumas drogas entre outras polêmicas) não serão resolvidos pelo presidente ou presidenta da república. Como qualquer pessoa informada sobre o tema, sei que assuntos assim devem ser discutidos pela sociedade civil, pelo legislativo e eventualmente pelo judiciário (como foi o caso da lei de biossegurança) [8] com serenidade e racionalidade.

Votarei na pessoa que acredito representa o melhor projeto político para o Brasil levando em conta outras questões (aparentemente esquecidas pelos lideres evangélicos presentes na mídia) tais como distribuição de renda, justiça social, direitos humanos, tratamento digno para os profissionais da educação, entre outros temas. (Ver Mateus 25: 31-46) Estas questões até podem não interessar aos líderes evangélicos e cristãos em geral que já ascenderam à classe média alta, mas certamente tem toda a relevância para nossos irmãos mais pobres.

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NOTAS

[1] As afirmações que faço ao longo deste texto estão baseadas em informações públicas e amplamente divulgadas pelos meios de comunicação. Apresento os links dos jornais e documentos utilizados para verificação.

[2] http://www.hospitaldalma.com/2010/07/o-cristao-verdadeiro-nao-deve-votar-na.html

[3]http://ultimosegundo.ig.com.br/eleicoes/marina+rebate+declaracoes+de+pastor+evangelico+silas+malafaia/n1237789584105.html
Ver também http://www1.folha.uol.com.br/poder/805644-lider-evangelico-ataca-marina-e-anuncia-apoio-a-serra.shtml

[4]http://blogdadilma.blog.br/2010/09/serra-e-o-unico-candidato-que-ja-assinou-ordens-para-fazer-abortos-quando-ministro-da-saude-2.html

[5] http://www.cfemea.org.br/pdf/normatecnicams.pdf

[6]http://www.gazetadopovo.com.br/vidaecidadania/conteudo.phtml?tl=1&id=856843&tit=FHC-e-intelectuais-pedem-legalizacao-da-maconha

[7]http://www1.folha.uol.com.br/poder/754484-serra-se-diz-a-favor-da-uniao-civil-e-da-adocao-de-criancas-por-gays.shtml

[8] http://www.eclesia.com.br/revistadet1.asp?cod_artigos=206


Como nossa página não oferece o recurso de postar comentário diretamente nesta parte convido aos que desejarem faze-lo a enviar um email para segundaigreja@segundaigreja.org.br em nome do Rev. Sandro que publicaremos com prazer.

Fonte: Segunda Igreja Presbiteriana de Belo Horizonte



ELEIÇÕES 2010 - UMA PALAVRA PASTORAL

Rev. Sandro Amadeu Cerveira

Chegou o dia das eleições. Depois de muita cobertura pela imprensa, horário eleitoral, conversas ao pé do ouvido além de debates mais ou menos interessantes vamos finalmente votar.

O dever de trazer uma palavra pastoral neste dia tem me preocupado a semana toda. Não queria fazer uma pastoral “espiritualizada” chamando a oração pelos candidatos e eventuais eleitos. Isso é obrigação mais do que conhecida de todo cristão. Dizer o óbvio sobre um tema polêmico parece-me uma forma (algo sonsa) de fugir do assunto. Então se você ainda não orou pelas eleições ou pelos magistrados eleitos faça-o e prossiga a leitura.

Por outro lado não me parece apropriado usar este espaço para fazer a defesa dos candidatos(as) de minha preferência. Embora eu acredite que não seja possível não misturar religião e política (afinal somos seres atravessados por ambas as dimensões o tempo todo) isso não significa que essa “mistura” possa ser feita de qualquer jeito. Usar o púlpito como palanque ou fazer de conta que sou apolítico estão fora de cogitação para mim. A título de exemplo cito um certo vídeo que circulou pela internet no qual um pastor diz que não vai dizer em quem os irmãos deveriam votar mas utiliza toda sua retórica (inclusive com dados e associações equivocadas) para ensinar sua congregação em quem não votar. Os que se interessarem em ler mais sobre esse episódio sugiro o editorial de Marcos Bomtempo (Revista Ultimato) que pode ser acessado em nossa página eletrônica.

Que dizer então?

Talvez a melhor coisa que tenho a fazer a partir de minha formação e do lugar que ocupo é dizer que devemos evitar tanto sacralização da política como a instrumentalização política da religião.

Acredito que seja consensual que não se deve permitir a instrumentalização da igreja, da fé, dos símbolos e espaços sagrados pelo mundo da política. A espiritualidade pertence ao mundo da transcendência e seu uso com outros fins transforma o que deveria ser santo num arremedo sacrílego e nauseante. Jesus demonstrou isso quando expulsou os comerciantes do templo e pagou com sua vida por denunciar o aparelhamento político do judaísmo promovido pelos partidos religiosos de sua época.

Para que possa cumprir seu papel profético e ser espaço genuíno de salvação a igreja não pode vender sua independência por um prato de lentilhas mesmo que elas venham misturadas com estações de TV, bancos para a igreja, telhados, cargos e entre tantas outras benesses que tanto agradam alguns líderes religiosos.

Por outro lado, os efeitos de sacralizar a política, isto é querer e agir para que a política se transforme numa extensão da igreja, também pode ter efeitos perversos. O Estado tem como missão organizar o mundo dos homens garantindo a todos seus direitos fundamentais. Querer que o Estado faça o papel de igreja é atribuir uma função perigosa ao poder político.

Não aprendemos nada com a história de Constantino? Não nos assustam os estados teocráticos contemporâneos que apedrejam mulheres apanhadas em adultério e punem severamente aqueles que se convertem a outra religião? Queremos mesmo incentivar essa lógica em nosso país? Atribuir ao Estado o papel de evangelizar, construir igrejas, ensinar religião, transformar em crime o que consideramos pecado é uma sacralização da instituição que detêm o monopólio do uso da violência legitimada que pode ter efeitos danosos de grandes proporções.

Parafraseando o apóstolo Paulo, o político cuida das coisas desse mundo e não tem como não fazê-lo. Aliás, é disso mesmo que se trata. Votar, um ato político em si mesmo, precisa ser pensado nessa perspectiva. Não estamos elegendo nosso pastor, nem um diácono nem presbíteros. Estamos elegendo homens e mulheres para que cuidem bem de uma parte da criação de Deus.





Rev. Sandro Amadeu Cerveira

Formado pelo Instituto Bíblico Maranata e ordenado pastor em 1990, Sandro Amadeu Cerveira, 41 anos, nasceu na cidade de São Sebastião do Caí, no Rio Grande do Sul. Ele é casado com Rosimeire Bragança Cerveira e é pai do Samuel, da Jéssica e do João Luis. Professor universitário, com formação em Teologia pastoral, graduação em História, mestrado em Ciência Política (UFMG), no momento encontra-se na fase final do seu doutorado em Ciência Política também pela UFMG. Reverendo Sandro Cerveira veio para a IPU após longo tempo de reflexão e oração e acredita que o projeto de ser igreja defendido pela Segunda Igreja Presbiteriana é uma alternativa consistente para todos aqueles que estão cansados e sobrecarregados dos abusos e absurdos hoje tão comuns no mundo religioso.

terça-feira, 5 de outubro de 2010

Dilma, o PT e a direita evangélica




A direita evangélica, além de fundamentalista, é absolutamente mentirosa. Pastores como Paschoal Piragine, da Primeira Igreja Batista de Curitiba, e o famoso Silas Malafaia, agora dono de seu próprio ministério denominado “Assembléia de Deus Vitória em Cristo”, estiveram, nos últimos dias, detonando não apenas a candidata do PT à presidência da República, Dilma Roousseff, mas todo o Partido dos Trabalhadores.

Convém lembrar que não sou petista. Na verdade, não sou filiado a nenhum partido político. Sou de esquerda, mas siglas partidárias não me atraem como antes. Votei em Dilma para presidente e em Mercadante para governador. Fui de PV para o Senado, Congresso Nacional e Assembléia Legislativa. Portanto, não posso ser taxado de petista militante.

A despeito da simpatia que sinto pelo PT, acho que a verdade deve ser revelada. Muito me espanta a postura dos dois pastores citados acima. Paladinos da moralidade, supostos defensores da verdade e da honestidade, os referidos ministros mentem de forma vergonhosa acusando o PT de ser o detentor das seguintes bandeiras: casamento gay, flexibilização do aborto e etc...

Já manifestei minha posição favorável à união civil homossexual, assim como tenho a firme convicção de que a PL 122 é um avanço em questões de cidadania. Não vejo nenhum tipo de censura nesse projeto de lei. A respeito do aborto, assumo, a questão é um pouco mais complicada. No entanto, como assunto de saúde pública, deve ser encarado e debatido com sinceridade. Nada de relegar tão importante tema ao esquecimento.

Alguns analistas atribuem, dentre vários fatores, a não vitória de Dilma no primeiro turno ao comportamento do eleitor evangélico. Influenciado por pregadores como Piragine e Malafaia, parcela substancial do eleitorado protestante abandonou a candidata petista. Fico revoltado, como protestante, em ver parte tão expressiva de meu segmento religioso ser manipulada tão facilmente. Sei que sou considerado por muitos como liberal, inimigo dos supostos padrões bíblicos. Mas o que quero denunciar neste post são as mentiras divulgadas pelos fundamentalistas evangélicos de direita. Sem entrar no mérito da compatibilidade de determinadas políticas públicas com os padrões bíblicos, quero mostrar que essas propostas, ligadas umbilicalmente ao Partido dos Trabalhadores por seus detratores cristãos, são defendidas por todos os partidos políticos brasileiros, inclusive aqueles que se aproveitaram da sórdida campanha realizada pelos bravos paladinos evangélicos.

Quem afirma tal premissa? Seria um petista evangélico querendo explicar o inexplicável? Não! O autor de tão simples constatação foi o nobre vereador paulistano Carlos Apolinário. Evangelista das Assembléias de Deus e filiado ao Democratas (DEM), portanto arqui-rival do Partido dos Trabalhadores, Apolinário é conhecido por sua postura bastante conservadora, digo até mais, intolerante, para com o público GLBTT. Portanto, amigas e amigos leitores, não se trata de um petista ou um simpatizante da causa gay. Assim, passo a palavra ao vereador. O texto abaixo foi retirado na integra do próprio site de Apolinário. Ao final do texto estarei disponibilizando o link com o endereço virtual do vereador e o vídeo divulgado no youtube. Estranhamente não li nenhum comentário a respeito de tão revelador pronunciamento. A direita é muito mais organizada e articulada.

EM DEFESA DA VERDADE








O vereador Carlos Apolinario divulgou nota a respeito das manifestações dos pastores Silas Malafaia e Paschoal Piragine, da Primeira Igreja Batista de Curitiba, que através do Youtube recomendam aos internautas que não votem nos candidatos do PT, por causa do aborto e do homossexualismo. "Se for esse o critério, teremos que votar em branco, porque em todos os partidos existem pessoas que defendem essas posições", diz Apolinario. Segue a íntegra da nota:

Em defesa da verdade

Por Carlos Apolinario

O ilustre pastor Silas Malafaia, em seu programa de televisão do dia 11 de setembro de 2010, sugeriu aos seus telespectadores que assistissem ao vídeo do pastor Paschoal Piragine, que faz afirmações contra o PT e pede aos internautas para não votarem em candidatos desse partido. O pastor Paschoal Piragine diz que eles são a favor do aborto e do casamento entre pessoas do mesmo sexo. Como evangélico há 51 anos e evangelista da Assembleia de Deus, gostaria que meus irmãos de fé fizessem uma reflexão sobre algumas informações:


1º) Eu tenho tomado posições claras contra o PL 122, o casamento gay e todos os privilégios dados a esse movimento. Para confirmar, basta acessar o meu site – www.carlosapolinario.com.br – e ler os artigos e entrevistas que registram as minhas posições.


2º) É bom lembrar que, em todos os partidos, existem pessoas a favor do aborto e do chamado casamento gay.


3º) José Serra, quando era prefeito de São Paulo, criou a Coordenadoria de Assuntos de Diversidade Sexual (CADS), órgão institucionalizado pelo prefeito Gilberto Kassab, em 19 de janeiro de 2008. Serra, quando governava São Paulo, assinou o decreto nº 55.588, de 17 de março de 2010, que permite o uso de nomes sociais por funcionários do Estado. Por exemplo, se um homem com o nome João quiser colocar em seu crachá de funcionário o nome Marieta, ele pode. Segundo o jornal Mensageiro da Paz (edição de setembro de 2010), órgão oficial da Assembleia de Deus presidida pelo eminente pastor José Wellington Bezerra da Costa, José Serra é a favor da união civil homossexual e da adoção de crianças por homossexuais. Também de acordo com o Mensageiro da Paz, Serra, quando era ministro da Saúde, editou a Norma Técnica que permitiu que os hospitais conveniados com o SUS praticassem abortos pela primeira vez no Brasil.

4º) Marina Silva, segundo o jornal Mensageiro da Paz (também na edição de setembro de 2010), é a favor da legalização civil das uniões homossexuais. “Marina defende que homossexuais que vivem como ‘casais’ tenham direito à herança conjunta, plano de saúde conjunto e direitos civis como qualquer casal”, diz o Mensageiro da Paz. Sobre a adoção de crianças por homossexuais, ela declara não ter posição. Em relação ao aborto, pretende transferir a decisão para os eleitores, com a promessa de realizar um plebiscito.


5º) Geraldo Alckmin, como governador, sancionou a lei 10.948. de 5 de novembro de 2001, de autoria de um deputado do PT e aprovada por unanimidade na Assembleia Legislativa de São Paulo e que tem o objetivo de penalizar qualquer instituição acusada de discriminar gays. Segundo essa lei, a empresa acusada de discriminação contra homossexuais poderá ser multada e ter o seu alvará de funcionamento cassado.
6º) Gilberto Kassab, como prefeito de São Paulo, enviou o projeto de lei nº 359/07, que tramita na Câmara Municipal de São Paulo e é praticamente uma versão municipal do PL 122/06, em tramitação no Congresso Nacional.


Ao expor esses dados, não tenho a intenção de defender o PT ou acusar os demais candidatos. Faço isso apenas em defesa da verdade. Porque se nós, para votarmos no dia 3 de outubro, levarmos em consideração apenas posições que tratam do aborto e do homossexualismo, conforme as informações, entre outras, publicadas no Mensageiro da Paz, teremos que votar em branco.

Sou advogado e empresário. Fui deputado estadual três vezes, presidente da Assembleia Legislativa de São Paulo, governador do Estado por dez dias, deputado federal, relator da atual lei eleitoral, e estou no terceiro mandado de vereador na capital paulista. Envangélico há 51 anos e evangelista da Assembleia de Deus. Site: www.carlosapolinario.com.br.

http://www.carlosapolinario.com.br/site/noticias_detalhes.php?Codigo=32

http://www.youtube.com/watch?v=s2CbETAPMzs

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

A Fé Reformada e o Ecumenismo


Vítima de acusações absolutamente falsas e preconceituosas, o movimento ecumênico tem como finalidade exclusiva obedecer à ordem clara dada por Jesus de que seus discípulos formassem um único corpo. O ecumenismo cristão busca a unidade entre aqueles que professam os principais dogmas do cristianismo. A acusação feita por determinados grupos fundamentalistas, de que o ecumenismo possui como finalidade a união orgânica de todas as igrejas, é absolutamente falsa.

Um aspecto primordial a ser lembrado é que esta unidade não pressupõe, obrigatoriamente, uniformidade, mas deve ser baseada no tradicional lema: unidade na diversidade. Assim, as diversas igrejas reconhecem-se como irmãs, trabalhando conjuntamente em prol da divulgação da mensagem salvadora de Cristo e do bem estar da sociedade, mantendo, entretanto, suas tradições e particularidades.

Calvino e o Ecumenismo

No rico universo ecumênico, a tradição reformada calvinista é pioneira. A intenção dos reformadores não foi organizar uma nova igreja, mas reformar a Igreja Cristã. Por razões históricas, os primeiros protestantes se viram obrigados a abandonar a igreja que tanto amavam. Em uma carta escrita a Guilherme Farel, Calvino expressou o seu grande descontentamento com a recém divisão da cristandade ocidental: “Este é, em poucas palavras, o resumo de nossas discussões: que entre os cristãos, a aversão pelo cisma seja tão grande que, tanto quanto esteja ao seu alcance, eles possam evitá-lo. Ainda que alguns pontos da doutrina não sejam totalmente puros, isso não deve ser considerado um impedimento para a unidade, visto que raramente existe alguma igreja que não tenha resquícios da antiga ignorância”.

Coerente com essa idéia, Calvino, mesmo mantendo uma postura bastante crítica diante da Igreja Católica Romana, considerou-a como igreja cristã. Em uma correspondência a Lélio Sozzini, referiu-se ao catolicismo romano da seguinte maneira: “Quando digo que traços da igreja permaneceram na igreja papal, não estou me referindo apenas aos eleitos espalhados aqui e lá dentro dela, mas quero dizer que as ruínas da igreja estão presentes entre os papistas”. Apesar do teor absolutamente apologético e agressivo, fruto de uma época de confronto e ruptura, o líder protestante considerou que, apesar de todos os seus erros, as principais doutrinas cristãs eram encontradas na Igreja Católica. Como conseqüência básica dessa concepção, considerou o batismo católico como válido, condenando de forma áspera o rebatismo. Ainda no que se refere ao seu relacionamento com o catolicismo romano, participou de vários colóquios e debates com clérigos dessa igreja, visando chegar a um entendimento (Haguenau, em 1540; Worms, em 1541; e Ratisbona). Quando concluiu que não era possível mais nenhum diálogo oficial com Roma, afirmou, com pesar, “estar disposto a se fazer cortar a cabeça a fim de que a paz seja restabelecida no seio da igreja”.

No mundo evangélico dividido em partidos luteranos, zuinglianos, anglicanos e reformados, a atitude de Calvino estava voltada claramente para a unidade. Considerava-se o maior de todos os luteranos, referindo-se a Lutero sempre em tons elogiosos, tratando o antigo monge agostiniano como um verdadeiro pai espiritual.


Daniel-Rops, historiador católico romano francês, atesta o ecumenismo de Calvino: “Interessado, como Bucer, em unir todos os protestantes, já em 1540 havia assinado a Confissão de Augsburgo, na qual Melanchton modificara a definição de ceia. Nas ásperas controvérsias sacramentarias que opunham luteranos e zuinglianos, sempre se pronunciou com cortesia, sem injuriar o adversário, ao contrário do que era moeda corrente. A sua vontade de união não era apenas por motivos tácitos. Para ele, como a igreja era o corpo de Cristo e todas as diferentes igrejas protestantes reivindicavam para si o mesmo senhor, deviam harmonizar-se nas suas diferenças como membros de um organismo vivo”.

Sua negociação com Bullinger, sucessor de Zuínglio em Zurique, foi responsável pela união de todo o protestantismo suíço no tocante à doutrina da santa ceia. Convidado, em 1552, pelo reformador e arcebispo anglicano inglês Thomas Cranmer para participar de entendimentos direcionados a uma união doutrinária entre todos os ramos protestantes, respondeu de forma entusiasta: “Assim é que, estando divididos os membros da igreja, o corpo fica sangrando. Isso me preocupa tanto que, se eu pudesse prestar algum serviço, não hesitaria em atravessar dez mares”.

O movimento ecumênico moderno

Seguindo o ecumenismo pregado e praticado pelos primeiros reformadores, coube ao protestantismo a honra de ser o pai do moderno movimento ecumênico. O século 19 foi marcado pela grande expansão missionária protestante no mundo. Rincões distantes do planeta, como Ásia e África, foram alcançadas pela mensagem evangélica.


Dentro de um universo onde o cristianismo era praticamente desconhecido entre os nativos, a existência das mais variadas denominações e agências missionárias, muitas vezes rivais entre si, tornou-se motivo de escândalo. Como pregar o nome de Cristo no meio de tanta desunião?

Motivados por estas questões, importantes líderes evangélicos ocidentais organizaram, em 1910, uma conferência missionária mundial na cidade de Edimburgo, Escócia. Como fruto deste congresso, foi constituído, em 1921, o Conselho Missionário Mundial, cuja principal finalidade seria coordenar os esforços evangelísticos dos diferentes grupos protestantes. Pode-se afirmar que a ânsia por uma interação missionária originou o moderno movimento ecumênico.

Posteriormente, buscando unificar a atuação social das igrejas, assim como iniciar um diálogo doutrinário entre as mais diversas tradições cristãs, foram organizados os movimentos “Vida e Obra” e “Fé e Ordem”. Ambos os movimentos se uniram, formando, em 1948, o Conselho Mundial de Igrejas (CMI). Em 1961, o Conselho Missionário Mundial filiou-se ao CMI. Hoje, o Conselho Mundial de Igrejas é o maior órgão ecumênico do mundo, reunindo 349 igrejas protestantes e ortodoxas em 110 paises, contando com mais de 560 milhões de cristãos . A Igreja Católica Romana não integra o rol de membros do CMI, dialogando, entretanto, com o órgão ecumênico.

A Igreja Presbiteriana Independente do Brasil e o ecumenismo

Mesmo sendo motivo de polêmica no meio presbiteriano independente, o ecumenismo se fez presente nessa denominação antes mesmo de sua organização eclesiástica. No final do século 19, Eduardo Carlos Pereira, ainda ministro da Igreja Presbiteriana do Brasil (IPB), organizou a Sociedade Brasileira de Tratados Evangélicos, cuja finalidade consistia em produzir literatura evangélica unificada. Para este empreendimento, convocou luteranos, congregacionais, episcopais, metodistas e batistas.

Após o doloroso cisma de 1903, cujo resultado foi à organização da Igreja Presbiteriana Independente, Eduardo Carlos Pereira continuou sustentando posturas relativamente ecumênicas. Por ocasião do Congresso do Panamá, evento realizado em 1916 e que reuniu boa parte do protestantismo latino-americano assim como várias agências missionárias, criticou de forma clara a divisão existente entre os protestantes: “Um protestantismo dividido, intolerante, fraco e desgarrado por causa de um espírito sectário é de pouca ajuda para o progresso da América Latina”, afirmou o patriarca do presbiterianismo independente.

Mesmo sendo um crítico contumaz da Igreja Católica Romana, era capaz de considerar aquela igreja do início do século 20, impregnada pelos ideais conservadores do Concilio de Trento, como um ramo do cristianismo. Segundo Antonio Gouvêa Mendonça, a opinião central de Eduardo Carlos Pereira a respeito da Igreja Católica, a par de suas fortes críticas, era a seguinte: “A Igreja Católica merece ser reconhecida como um dos grandes ramos do cristianismo por conservar os credos, os grandes dogmas da cristandade e por seu valor de guardiã da idéia cristã e que ela, por suas crenças, tem produzido no seu seio numerosos caracteres nobres”.

Após o chamado período “eduardista”, a participação de presbiterianos independentes em movimentos em prol da unidade da igreja se acentuou. A IPI do Brasil foi uma das fundadoras da Confederação Evangélica do Brasil, entidade responsável por congregar boa parte do protestantismo histórico brasileiro. Junto com Erasmo Braga, ilustre pastor da IPB, o nome do presbiteriano independente Epaminondas Melo do Amaral foi fundamental para a posterior criação nesta importante organização.

Para o historiador francês Émile G. Léonard, a Igreja Presbiteriana Independente estava impregnada, entre os anos 30 e 40, pelo espírito ecumênico: “O Sínodo Presbiteriano Independente foi levado, por seu entusiasmo, bem além dos limites do Brasil e do protestantismo: declara - afirmava o Sínodo - que vê com simpatia o movimento de aproximação e unificação do protestantismo em todo o mundo, esperando que todas as almas e corações crentes em Jesus se unam em uma só alma e num só coração.”

Devido ao golpe militar de 1964, a IPI do Brasil, da mesma forma que outras denominações evangélicas, experimentou um período de fechamento, sendo o ecumenismo associado a movimentos “subversivos”.

No início da década de 80, refletindo a situação da sociedade brasileira que experimentava certa abertura, a IPI do Brasil retomou sua participação ecumênica. Foi uma das fundadoras do Conselho Latino Americano de Igrejas (CLAI) e do Instituto Ecumênico de Pós-Graduação, vinculado à Igreja Metodista. Na década de 90, filiou-se à Coordenadoria Ecumênica de Serviço (CESE).

Na Assembléia Geral realizada em 2005 na cidade paulista de Santo André, após anos de acalorados debates, foi aprovada a filiação da IPI do Brasil ao Conselho Mundial de Igrejas. Em fevereiro de 2008, a denominação foi aceita de forma definitiva pelo órgão ecumênico.

Desta forma, ao participar ativamente do movimento ecumênico, a família independente não segue apenas o exemplo dado por João Calvino, mas vai muito além, obedecendo a uma ordem estipulada pelo próprio Cristo, para que sejamos um para que o mundo creia.

POR : ANDRÉ TADEU DE OLIVEIRA

Fontes

Caderno de O Estandarte: Santa Conspiração - Calvino e a Unidade da Igreja de Cristo - Lukas Vischer - Pendão Real

Caderno de O Estandarte: O Humanismo Social de Calvino - André Biéler - Pendão Real

Uma História Ilustrada do Cristianismo - A Era Inconclusa. Justo L Gonzalez - Vida Nova

A Igreja da Renascença e Reforma- Volume I - Daniel-Rops - Editora Quadrante.

O Celeste Porvir - Antonio Gouvêa Mendonça - Paulinas

O Protestantismo Brasileiro - Émile G. Léonard - ASTE

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Deveríamos parar de comer carne ?


Ótimo texto sobre vegetarianismo retirado do blog http://vegetarianismoetica.blogspot.com/.


Câncer, doenças cardíacas, crueldade com os animais, matança de semelhantes, desastre ecológico... Afinal, será que você deveria virar um vegetariano?



Por Denis Russo Burgierman / Alceu Nunes


Comer não é só uma questão de matar a fome. A decisão sobre que comida colocar no prato tem implicações econômicas, ambientais, éticas, culturais, fisiológicas, filosóficas, históricas, religiosas. Embora a porcentagem de vegetarianos venha se mantendo mais ou menos estável ao longo da história, há um interesse crescente no assunto – restaurantes naturais e vegetarianos ficam lotados na hora do almoço, tornou-se comum, pelo menos nas classes médias urbanas, a preocupação em reduzir o consumo de carne, e surgiu uma indústria bilionária de produtos naturais que, nos Estados Unidos, já movimenta quase 8 bilhões de dólares.

Esta reportagem não ensina você a comer. Felizmente, essa ainda é uma decisão pessoal, que depende apenas do seu julgamento sobre o que é certo e o que é errado e – não menos importante – do seu gosto. O que essa matéria faz é tentar ajudar na decisão com o máximo possível de informação insuspeita sobre cada um dos muitos aspectos envolvidos nessa importante decisão. Se você, depois de terminá-la, vai devorar um brócolis ou um cheeseburger, já não é assunto nosso. Só esperamos que, terminado o texto, ao decidir o que comer você saiba o que está fazendo e o que isso implica.

O que é a carne?


A faca desce macia, cortando sem esforço o pedaço de picanha. Dourada e crocante nas bordas, tenra e úmida no centro. Você põe a carne na boca e mastiga devagar, sentindo o tempero, a maciez, a temperatura. O sumo que escorre dela enche a boca e, com ele, o sabor incomparável. Carne é bom.
Mas que tal assistir à mesma cena sob outra perspectiva? No prato jaz um pedaço de músculo, amputado da região pélvica de um animal bem maior que você. Com a faca, você serra os feixes musculares. A seguir, coloca o tecido morto na boca e começa a dilacerá-lo com os dentes. As fibras musculares, células compridas – de até 4 centímetros – e resistentes, são picadas em pedaços. Na sua boca, a água (que ocupa até 75% da célula) se espalha, carregando organelas celulares e todas as vitaminas, os minerais e a abundante gordura que tornavam o músculo capaz de realizar suas funções, inclusive a de se contrair. Sim, meu caro, por mais que você odeie pensar que a comida no seu prato tenha sido um animal um dia, você está comendo um cadáver.

Carne é tecido animal, em geral muscular. As fibras que a compõe são feixes de células musculares, enroladas umas nas outras. Em volta delas há uma cobertura de gordura, cuja função é lubrificar o músculo e permitir que ele relaxe e se contraia suavemente. Ou seja, não há carne sem gordura.
A diferença entre carne branca e vermelha é a quantidade de ferro no tecido – o mesmo mineral que dá cor ao sangue. As células de animais grandes, como o boi, são ricas de uma molécula chamada mioglobina, que contém ferro. Peixes e galinhas, por terem o corpo menor, não precisam de reservas tão grandes de nutrientes nas células e, por isso, têm menos mioglobina. Animais mais velhos têm carne mais vermelha – isso explica a brancura do frango industrializado, abatido antes dos dois meses, se comparado à galinha caipira. Essa última tem mais tempo para acumular mioglobina nas células.

Números, números, números


Há no mundo 1,35 bilhão de bois e vacas. Criamos 930 milhões de porcos, 1,7 bilhão de ovelhas e cabras, 1,4 bilhão de patos, gansos e perus, 170 milhões de búfalos. Some todos eles e temos uma população de animais quase equivalente à humana dedicando sua vida a nos alimentar – involuntariamente, é claro. E isso porque ainda não incluímos na conta a população de frangos e galinhas abastecendo a Terra de ovos e carne branca: 14,85 bilhões.
Só no Brasil há 172 milhões de cabeças de gado bovino – uma para cada cabeça humana. Nosso rebanho bovino só é menor que o da Índia, onde é proibido matar vacas. Na média, um brasileiro come perto de 40 quilos de carne bovina por ano – ou seja, uma família de cinco pessoas devora uma vaca em 12 meses. Somos o quarto país do mundo onde mais se come carne bovina (veja quadro na página 44). Um brasileiro médio come também 32 quilos de frango e 11 quilos de porco todo ano.

Todos os tipos de vegetarianos

Vegetarianos não são todos iguais. Conheça as diferenças.

Ovolactovegetarianos


Não comem carne de nenhum tipo, mas consomem ovos, leite e derivados. Em geral, quando alguém diz que é vegetariano, é essa dieta que ele segue.

Lactovegetarianos


Provavelmente o mais numeroso dos grupos, já que essa dieta é predominante no sul da Índia – por razões religiosas. Nada de carne, mas leite e derivados estão liberados. O ovo é terminantemente proibido, por conter a “vibração da vida”.

Vegans


Não consomem nada de origem animal: carne, ovos, leite, mel. Roupas de couro, lã e seda também estão proibidas.

Semivegetarianos


Aquelas pessoas que afirmam ser vegetarianas, mas abrem exceções para peixes ou aves. São vistos com desdém pelos outros grupos. A principal razão para essa dieta, que recusa só a carne vermelha, é o cuidado com a saúde.

Macrobióticos


Dieta tradicional japonesa, que pode ser vegan, ovolactovegetariana ou incluir peixe. Há várias restrições – a dieta acompanha as estações do ano, o cardápio tem que incluir uma árvore toda, da semente ao fruto. Como foi elaborada no Japão, a macrobiótica não contempla a realidade brasileira (as estações do ano, por exemplo, são diferentes aqui). Isso pode levar a deficiências alimentares.

Crudivorismo


Só comem vegetais crus. É preciso cuidado com essa dieta, porque ela exclui os grãos, que são as melhores fontes de proteína e ferro dos vegetarianos. Há risco de desnutrição.

Frugivorismo


Os frugivoristas não só rejeitam carne, como evitam machucar ou matar vegetais. Por isso, comem apenas aquilo que as plantas “querem” que seja comido: frutas e castanhas. Consideram o consumo de folhas, caules e raízes uma violência. A dieta não é das mais saudáveis, já que é pobre em proteínas e em minerais.

Carne faz mal?

Quem come mais carne – especialmente carne vermelha – tem índices maiores de câncer e de enfarte, as duas principais causas de morte do planeta. É o que dizem as estatísticas. Carne faz mal, então? Não é tão simples.
Nos últimos 30 anos, as autoridades dos Estados Unidos vêm aconselhando os americanos a diminuir a ingestão de carne vermelha e manteiga por causa de suspeitas de que a gordura saturada presente em grande quantidade nesses alimentos aumenta a taxa de colesterol e, com isso, causa ataques cardíacos. O conselho virou norma no mundo todo – a Organização Mundial da Saúde e vários governos adotaram a política de reduzir a gordura saturada. Tudo muito bom, só que tem algumas peças que, mesmo após três décadas de pesquisas, continuam não se encaixando no quebra-cabeças.
Uma delas é a Europa mediterrânea. Lá, desde que terminaram os rigores da Segunda Guerra, o consumo de carne vermelha tem aumentado. Pois bem: a taxa de doenças cardíacas diminuiu no mesmo período. E a França? O país da pâtisserie, fã ardoroso das carnes vermelhas de todo tipo, onde qualquer almoço começa refogando o que quer que seja em manteiga derretida, tem uma das mais baixas taxas de mortes por ataque cardíaco do mundo.

No ano passado, Gary Taubes, correspondente da revista americana Science e um dos principais escritores de ciência do mundo, escreveu um longo artigo no qual classificava o medo da gordura saturada como “dogma”. Taubes afirma que, mesmo com tanta pesquisa, não há prova de que gordura saturada e enfartes estão ligados. E vai além: diz que a propaganda do governo só serviu para fazer com que os americanos comessem mais – ao evitar a gordura, eles acabavam ingerindo mais carboidratos, mais açúcar, para manter a quantidade diária de calorias (o corpo tende a reclamar quando as calorias são insuficientes para saciá-lo – isso se chama fome). Resultado: o índice de obesidade passou de 14% para 22% no país. E obesidade, sabidamente, é um sério fator de risco para doenças cardíacas.

A maior parte do mundo médico ainda acredita na malignidade da carne vermelha e da manteiga. (“Não tenho dúvidas da relação entre gordura saturada e doenças cardiovasculares”, afirma o nutricionista argentino Cecílio Morón, oficial da agência da ONU que cuida de alimentação, a FAO. Denise Coutinho, que coordena a política de nutrição do governo brasileiro, repetiu quase as mesmas palavras.) Mas o artigo de Taubes serviu para mostrar que nutrição não é baseada numa relação simples de causa e conseqüência, tipo “mais carne, mais ataques cardíacos”.
Mas, afinal, o que sobra da discussão? Dietas de países gelados como a Escócia e a Finlândia, onde o único vegetal consumido em quantidade é o tabaco, estão equivocadas. Os altos índices de ataques cardíacos por lá são prova incontestável. Mas os franceses, e os mediterrâneos em geral, devem estar fazendo alguma coisa certa. Sua dieta é variada e rica em vegetais frescos, azeite de oliva (tido como redutor de colesterol), vinho e carne de todos os tipos. Ao contrário dos americanos, esses povos comem com calma, em ambientes descontraídos. O que os está salvando dos ataques cardíacos? Os legumes, o azeite, o vinho, a conversa mole depois do almoço, a brisa marinha? Ninguém sabe ao certo. Provavelmente é uma conjunção de todos esses fatores.
O raciocínio vale em parte para o câncer também. Os comedores de carne morrem mais de câncer de intestino, boca, faringe, estômago, seio e próstata. Ainda assim, o elo entre carne e câncer é meio frouxo. Tudo indica que, se é que a carne aumenta mesmo a incidência de câncer, sua influência é bem pequena – um fator entre muitos.

Agora, de uma coisa ninguém tem dúvidas: vegetais fazem bem. Uma dieta rica em frutas, legumes e verduras claramente reduz as chances de ter câncer no esôfago, na boca, no estômago, no intestino, no reto, no pulmão, na próstata e na laringe, além de afastar os ataques cardíacos. Frutas e legumes amarelos têm caroteno, que previne câncer no estômago; a soja possui isoflavona, que diminui a incidência de câncer de mama e osteoporose; o alho tem alicina, que fortalece o sistema imunológico; e por aí vai – essa lista poderia ocupar o resto da revista. Em resumo: não está bem claro se a carne faz mal. Muito bem, pelo jeito, não faz. Mas, para ser saudável, o importante é ter uma dieta rica e variada de vegetais. Seja ela vegetariana ou não.

Dá para viver sem carne?


Dá. O vegetarianismo exige cuidados e conhecimentos de nutrição, mas com certeza pode-se ter uma dieta saudável sem carne. Aliás, o fato de exigir cuidados a faz mais saudável. Um vegetariano tende a prestar mais atenção no que come e nos efeitos disso sobre seu corpo. E isso, em si, já é um hábito salutar. Muitos nutricionistas afirmam que as crianças não devem, de maneira nenhuma, ficar sem proteína animal, sob risco de terem o desenvolvimento cerebral prejudicado. Essa regra deve ser seguida a não ser que os pais saibam muito bem o que estão fazendo, conheçam as propriedades de cada alimento e – não menos importante – que a criança queira.

Os ovolactovegetarianos não têm problemas com proteínas porque os derivados de animais são tão protéicos quanto a carne. O perigo é que leite e ovos são pobres em minerais, especialmente ferro, que é fundamental para a saúde – ele é usado para construir a hemoglobina, uma molécula cuja função é carregar o oxigênio do pulmão para as células. Sem ferro, portanto, as células podem morrer. Isso é a anemia.
Ou seja, ovolactovegetarianos não podem basear sua dieta no leite, nos ovos e nos queijos, sob risco de ficarem sem nutrientes valiosos. É preciso comer muitos e variados vegetais, em especial soja, feijão, brócolis, couve, espinafre – todos ricos em ferro. A quantidade é fundamental, porque o ferro dos vegetais é menos absorvido pelo corpo que o de origem animal. Uma boa dica é acompanhar as refeições com suco de laranja, já que a vitamina C ajuda na absorção do ferro. Outra fonte de ferro é a casca de grãos como o arroz e o trigo. Por isso, eles devem ser sempre integrais. Denise Coutinho, responsável pela política nutricional do governo federal, adiantou à Super que está em estudo uma medida para tornar a fortificação com ferro obrigatória nas farinhas de trigo e de milho. A medida, que visa combater a desnutrição, vai acabar ajudando a vida dos vegetarianos.

Já para os vegans, a palavrinha mágica é “soja”. Se você não gosta desse grão ou é alérgico a ele, virar vegan vai ser bem mais penoso. A questão é a seguinte: suprir suas necessidades protéicas com carne é fácil. “Afinal, você é feito de carne”, diz Pedro de Felício, especialista em produtos de origem animal da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Um bife tem a mesma composição que os músculos do seu corpo. As proteínas das quais ele é feito são, também, iguais às suas, feitas com os mesmos aminoácidos. Portanto, contêm tudo o que você precisa.

Proteínas vegetais são mais simples. Elas não contêm todos os componentes necessários. A soja, entre os vegetais, é o que tem as proteínas mais completas. Há outras fontes de proteína, como o feijão, mas, se você não come soja, vai precisar de grandes quantidades e de muita variedade de vegetais para juntar todos os aminoácidos de que precisa. “Desde que sigam essa regra, os vegans tendem a ter uma dieta até mais equilibrada que os ovolactovegetarianos, já que não ocupam lugar no estômago com ovos e leite, que são pobres em vários nutrientes”, diz o nutricionista vegan George Guimarães.
Uma questão para os vegans é a vitamina B12, que o corpo não produz e não existe em vegetais. A B12 é fabricada por bactérias e pode ser encontrada nos animais (que comem bactérias ao ciscar ou pastar). Mas suprir as necessidades de B12 é fácil: qualquer biscoito ou cereal com a palavra “fortificado” no rótulo contém a vitamina. Ela também é vendida em cápsulas.

Somos vegetarianos por natureza?


Não. “O homem tem dentes pequenos e sistema digestivo curto, características de onívoros”, afirma o antropólogo físico Walter Neves, da Universidade de São Paulo, maior especialista brasileiro em homens pré-históricos. Ou seja, nosso organismo está preparado para comer de tudo, inclusive carne. Somos como o chimpanzé, que, além de plantas, cata insetos, lagartos e roedores. E diferentes do gorila, que só come plantas e, para isso, tem dentes molares imensos e uma barriga enorme (se você também tem uma, por favor não tome isso como uma comparação). Os dentes grandes servem para criar mais área de mastigação e, assim, triturar melhor as folhas e tirar delas os escassos nutrientes. A barriga abriga o intestino e o estômago, que são bem maiores para dar mais tempo ao organismo de absorver o que interessa.

Walter afirma que, num passado longínquo, nos alimentávamos como chimpanzés. Mas há 2,5 milhões de anos nossa dieta mudou. Começamos a fabricar instrumentos de pedra e as novas armas permitiram que incluíssemos no cardápio a carne de grandes mamíferos. Assim, nossa ingestão de proteína animal aumentou demais. “Sem isso, não teríamos desenvolvido um cérebro grande”, diz Walter. O aumento súbito de proteína na dieta permitiu que nosso corpo investisse mais recursos no sistema nervoso. Hoje, de 30% a 40% de tudo o que comemos vira combustível para fazer o cérebro funcionar. Sem o aumento na ingestão de carne, isso jamais seria possível.
Mas, na mesma época, surgiu um gênero de humanídeos estritamente vegetarianos. Conhecidos como Paranthropus, eles tinham grandes molares, eram barrigudos e não comiam animais de nenhuma espécie, nem insetos. Esses humanos vegetarianos conviviam com os humanos caçadores – há um lago no Quênia onde foram encontradas ossadas das duas espécies, com aproximadamente a mesma idade, a poucos quilômetros de distância.

O Paranthropus se extinguiu há 1,2 milhão de anos, provavelmente porque sua dieta mais restritiva o atrapalhou na competição com nossos ancestrais generalistas. Nossos primos vegetarianos deviam ser muito menos espertos que seus contemporâneos Homo, como atesta o tamanho de seu cérebro. “Eles investiram os recursos do organismo em dentes, os Homo investiram no cérebro”, diz Walter.
Quer dizer que precisamos comer carne para raciocinar? Não. Há 2,5 milhões de anos era assim porque não sabíamos plantar e nossa dieta quase não incluía plantas protéicas. Os únicos vegetais que comíamos eram frutas, folhas e raízes. Hoje, é possível ter uma dieta rica em proteínas sem carne.

Vaca, a onipresente

Há quem diga que o problema de comer carne é moral: não teríamos o direito de matar para comer. Mas, se você acha que basta parar de comer carne para acabar com a matança, está enganado. Há muito mais produtos no mercado que incluem animais mortos do que imagina a nossa vã filosofia.
Para começar, boa parte da indústria de vestuário depende de animais. O couro, você sabe, é a pele de bichos abatidos. Para separar o fio de seda, é preciso ferver o bicho-da-seda. Além disoo, filmes fotográficos e de cinema são recobertos por uma gelatina, retirada da canela da vaca. Ou seja, um vegan radical só tira fotos digitais. Dos pés bovinos saem também substâncias usadas na espuma dos extintores de incêndio. O sangue bovino rende um fixador para tinturas e a gordura acaba em pneus, plásticos, detergentes, velas e no PVC. Cremes de barbear, xampus, cosméticos e dinamite derivam da glicerina, substância que contém gordura bovina. A quantidade de medicamentos feitos com pedaços de gado, do pâncreas ao cordão umbilical, passando pelos testículos, é imensa.
Há um pouco das vacas também em vários produtos da indústria alimentícia – e não estamos falando só de bife à parmegiana. A gelatina deve a consistência ao colágeno arrancado da pele e dos ossos. Aliás, quase toda comida elástica contém colágeno – da maria-mole ao chiclete. Os queijos curados são feitos com uma enzima do estômago do bezerro. Além dos bovinos, vários outros animais são usados pela indústria de comida. Vegans devem ficar de olho nos rótulos e evitar dois corantes: coxonilha e carmin. O primeiro, usado para tingir de azul, é feito de besouros moídos. O segundo, que pinta de vermelho, é feito de lesmas amassadas.

O planeta precisa de carne?


Na verdade, se todos fossem vegetarianos, é provável que não houvesse tanta fome no mundo. É que os rebanhos consomem boa parte dos recursos da Terra. Uma vaca, num único gole, bebe até 2 litros de água. Num dia, consome até 100 litros. Para produzir 1 quilo de carne, gastam-se 43 000 litros de água. Um quilo de tomates custa ao planeta menos de 200 litros de água.
Sem falar que damos grande parte dos vegetais que produzimos aos animais. Um terço dos grãos do mundo viram comida de vaca. No Brasil, o gado quase não come grãos – graças ao clima é criado solto e se alimenta de grama. Mas boa parte da nossa produção de soja, uma das maiores do mundo, é exportada para ser dada ao gado. Outra questão é que a pecuária bovina estimula a monocultura de grãos. Num mundo vegetariano haveria lavouras mais diversificadas e teríamos muito mais recursos para combater a fome.

E não se trata só de comida. A pecuária esgota o planeta de outras formas. “Para começar, ocupa um quarto da área terrestre e não pára de se expandir”, diz o ativista vegetariano Jeremy Rifkin. A pressão para a derrubada das florestas, inclusive a amazônica, vem em grande parte da necessidade de pasto. Entre os danos ambientais causados pelo gado, está também o aquecimento global. Os gases da flatulência de bois e ovelhas – não, isso não é uma piada – estão entre os principais causadores do efeito estufa.

Como vivem - e morrem - os animais


Boi


No Brasil, os bois são criados soltos. Provavelmente, essa forma de criação é menos terrível que a de países frios do Cone Sul e da Europa, onde os invernos matam o pasto e fazem com que os animais fiquem fechados em áreas apertadas, comendo só ração. Isso não quer dizer que seja o melhor dos mundos. Os animais muitas vezes passam fome, vivem cheios de parasitas e apanham copiosamente. “O manejo no Brasil é muito bruto”, diz o etólogo Mateus Paranhos da Costa, da Universidade Estadual Paulista (Unesp), de Jaboticabal, especialista no assunto.
Não existe aqui no Brasil a produção de vitela – carne muito branca e macia de bezerros mantidos em jaulas superapertadas para evitar que se movimentem. Para acentuar a brancura da carne, os criadores não permitem que o bezerro coma grama ou grãos, só leite – a dieta tem que ser pobre em ferro e em outros nutrientes, forçando uma anemia no animal. Com isso, torna-se necessário o consumo de antibióticos, para diminuir o risco de infecções do animal desnutrido. “A vitela deveria ser proibida no mundo inteiro”, afirma o agrônomo e etólogo Luiz Carlos Pinheiro Machado Filho, especialista em técnicas de manejo da Universidade Federal de Santa Catarina.
Para matar um boi, primeiro se dá um disparo na testa com uma pistola de ar comprimido. O tiro deixa o animal desacordado por alguns minutos. Ele então é erguido por uma argola na pata traseira e outro funcionário corta sua garganta. “O animal tem que ser sangrado vivo, para que o sangue seja bombeado para fora do corpo, evitando a proliferação de microorganismos”, diz Ari Ajzenstein, fiscal do Serviço de Inspeção Federal (SIF), que zela para que as regras de higiene e de bons tratos no abate sejam cumpridas.

Em 1997, a ativista de direitos dos animais americana Gail Eisnitz escreveu o bombástico livro Slaughterhouse (“Matadouro”, inédito no Brasil), no qual acusava os matadouros de sangrar muitos animais ainda conscientes. “Não vou dizer que isso não acontece no Brasil, mas não é freqüente”, afirma Mateus Paranhos.
O abate a marretadas está proibido no país, o que não quer dizer que não aconteça – já que quase 50% dos abates são clandestinos e, portanto, sem fiscalização. O problema da marretada é que não é fácil acertar o boi com o primeiro golpe. Muitas vezes, são necessários dezenas para desacordá-lo.

Galinhas


Essas quase sempre levam uma vida miserável. Vivem espremidas numa gaiola do tamanho delas. As luzes ficam acesas até 18 horas por dia – assim elas não dormem e comem mais (isso acontece principalmente com as que produzem ovos). Seus bicos são cortados para que não matem umas às outras e para evitar que elas escolham que parte da ração querem comer – caso contrário, ciscariam apenas os grãos de seu agrado e deixariam de lado alimentos que servem para que engordem rápido.
A morte é rápida. As galinhas ficam presas numa esteira rolante que passa sob um eletrodo. O choque desacorda a ave e, em seguida, uma lâmina corta seu pescoço. O esquema é industrial. Hoje, nos Estados Unidos, são abatidas, em um dia, tantas aves quanto a indústria levava um ano para matar em 1930. Nas granjas de ovos, pintinhos machos são sacrificados numa espécie de liquidificador gigante. Parece horrível, mas é a mais indolor das mortes descritas aqui.

Porcos


Outros azarados. Não têm espaço nem para deitar confortavelmente. “São confinados do nascimento ao abate”, diz Pinheiro Filho. As gestantes são forçadas a parir atadas a uma fivela, apertadas na baia. O abate é parecido com o de bovinos, com a diferença que o atordoamento é feito com um choque elétrico na cabeça e que o animal é jogado num tanque de água fervendo após o sangramento, para facilitar a retirada da pele. Gail Eisnitz afirma, em seu livro, que muitos porcos caem na água fervendo ainda vivos, mas isso provavelmente é incomum.

Patos e gansos


Os mais infelizes dos nossos alimentos provavelmente são os gansos e patos da França. O foie gras, um patê tradicional e sofisticado, é feito com o fígado inflamado das aves. Os produtores colocam um funil na boca delas e as entopem de comida por meses, fazendo com que o fígado trabalhe dobrado. Isso provoca uma inflamação e faz com que o órgão fique imenso, cheio de gordura. Ou seja, o patê, na prática, é uma doença. Há movimentos pedindo o banimento do produto. Não se produz foie gras no Brasil.

E o que fazer a respeito

Há uma verdade inescapável: ao comermos carne, somos indiretamente responsáveis pela morte de seres que têm pai, mãe, sofrem, sentem medo. “Os vertebrados sentem dor”, diz Rita Paixão, fisiologista e bioeticista da Universidade Federal Fluminense. Isso é um fato e, se você pretende continuar comendo carne, é bom se acostumar com ele. Mas podemos ao menos minimizar o sofrimento, escolhendo comidas que impliquem em menos crueldade. O mercado oferece alternativas.
Uma delas são os ovos caipiras, produzidos por galinhas criadas soltas, em companhia de galos, sob o sol – um desinfetante natural –, comendo o que querem com seus bicos inteiros. A maior granja brasileira de ovos caipiras é a Yamaguishi, que distribui “ovos da galinha feliz” pela região de Campinas e em São Paulo. “Os ovos que nós produzimos... quer dizer, que nossas galinhas produzem”, diz Marcelo Minutti, gerente da granja, “são mais saborosos e não contêm substâncias químicas.”
Frangos caipiras, criados em condições semelhantes, também já são encontrados nos supermercados. Sua carne é mais dura, mas é mais saborosa e a chance de conter substâncias perigosas, como hormônios e antibióticos, é mínima. A rede Carrefour, graças a uma política da sede francesa, é uma das que oferece o produto. Ele faz parte da linha “garantia de origem”, só de produtos feitos com essa preocupação.
Os bois certificados com “garantia de origem” são bem alimentados e criados por pessoas treinadas por especialistas em comportamento animal para entender como ele pensa e manejá-lo sem violência. “Agora vamos produzir porcos com origem garantida, criados soltos”, diz o veterinário Adolfo Petry, responsável, no Carrefour, pelos produtos animais garantidos com o selo. Produtos assim custam entre 50% e 100% a mais que os convencionais. Apesar do interesse crescente do consumidor em diminuir a crueldade (numa pesquisa feita pela Super na internet, 85% das 2408 pessoas disseram que deixariam de comer alimentos se soubessem que eles causam sofrimento para animais), a procura por esses produtos ainda é muito pequena.

A vaca e a humanidade


A criação de gado foi uma das maiores forças ditando os rumos da humanidade. Essa é a opinião do escritor Jeremy Rifkin, ativista polêmico, vegetariano convicto e pesquisador competente – um dos maiores críticos da biotecnologia e, por tabela, um dos maiores inimigos do establishment científico. Rifkin, em seu Beyond Beef (“Além da carne”, sem versão em português), mostra que devemos muitas coisas importantes ao hábito de criar vacas para matar. Veja algumas delas:

Deus

Algumas das primeiras pinturas nas cavernas representavam vacas. Devemos à carne nossas primeiras manifestações artísticas e, possivelmente, a origem das nossas religiões – essas pinturas são o primeiro registro de uma humanidade preocupada com o mundo espiritual, acertando as contas com os animais que matava.

Diabo


As tribos nômades de cavaleiros que habitavam a Eurásia há 6 000 anos juntavam gado selvagem e o criavam nos pastos naturais. Esses pastores cultuavam um deus-touro, chamado Mithra, símbolo da força, da masculinidade, do poder. A necessidade de pastos novos a cada vez que acabava o antigo fazia deles expansionistas por natureza e, no início da era cristã, eles já tinham se espalhado da Índia a Portugal. Com isso, o culto a Mithra tornou-se muito popular no Império Romano. Para contê-lo, a Igreja adotou sua data sagrada, o dia de Mithra – 25 de dezembro. Estava estabelecido o Natal. Depois, no Concílio de Toledo, em 447, a Igreja publicou a primeira descrição oficial do diabo, a encarnação do mal: um ser imenso e escuro, com chifres na cabeça. Como Mithra.

Grandes navegações


Na Idade Média, a carne raramente era fresca e, por isso, havia muita demanda de temperos para disfarçar o sabor. Ao mesmo tempo, tinham se esgotado os pastos da Europa – não havia mais para onde levar os rebanhos crescentes. Resultado: os europeus caíram no mar em busca de um caminho para as especiarias indianas e de espaço para soltar os bois. Acharam mais espaço do que imaginavam: a América. Hoje, Estados Unidos, Brasil, Uruguai e Argentina têm alguns dos maiores rebanhos do mundo.

Conquista do Oeste

Em 1870, boa parte dos Estados Unidos tinha se transformado em pasto. Mas havia um obstáculo para a expansão. Os campos do oeste americano estavam tomados por hordas de búfalos, que serviam de caça para as tribos indígenas. O governo americano não queria os búfalos, difíceis de manejar, e temia os índios. Adotou, então, uma solução simples: matar os búfalos e, assim, deixar os índios sem comida. É assim que Rifkin resume a heróica “conquista do Oeste”.
Naquela década, matar búfalo foi o que mais se fez na região. Havia “excursões turísticas” nas quais um trem emparelhava com manadas e os passageiros começavam a atirar. As carcaças eram abandonadas ao longo da ferrovia. Cowboys como Buffalo Bill se tornaram lendários por matar até 40 búfalos numa caçada. Em dez anos, as manadas, que eram tão grandes que levavam horas para passar, sumiram. Em 1881, a tradicional Dança do Sol da tribo kiowa foi adiada por dois meses porque os índios não conseguiam encontrar um só búfalo para o sacrifício ritual. Finalmente, acharam um animal solitário e o mataram. No ano seguinte, não encontraram nenhum.

Indústria moderna


No final do século XIX surgiu uma novidade na indústria da carne: a esteira rolante. Em vez de depender de um açougueiro habilidoso, o matadouro podia usar vários funcionários pouco especializados, cada um fazendo um pouco do trabalho, enquanto a carcaça se movia sozinha. Uma “linha de desmontagem”. Um dia, um mecânico que vivia em Detroit foi visitar essa linha. Anos depois, esse mecânico admitiria que a indústria do abate foi uma forte inspiração para a sua própria fábrica, batizada em 1903 com seu sobrenome. O nome desse mecânico? Henry Ford.
Agora é com você. O que vai ser? Brócolis ou cheeseburger?