terça-feira, 31 de agosto de 2010

Casamentos inter-religiosos, uma abordagem histórica e teológica.


Com exceção de algumas pessoas, são raros os indivíduos que atingem a felicidade sem uma companhia. A busca pela cara metade é parte fundamental da existência humana. Além dos vínculos familiares e das amizades conquistadas, a relação homem-mulher, precisamente em seu aspecto sentimental e erótico, é essencial para uma vida saudável.


Como ser humano, tal situação não seria diferente para o cristão. No entanto, entre inúmeros fatores que influenciam na escolha do companheiro, um é motivo de bastante controvérsia. Seria lícito o envolvimento entre um cristão e uma pessoa “descrente”? Deve um crente em Jesus Cristo namorar, noivar e contrair matrimônio com um ateu, agnóstico, budista, judeu ou muçulmano? Boa parte da igreja evangélica brasileira, orientada por uma teologia moralista, fundamentalista e exclusivista, condena tais relacionamentos, denominando-os como “jugo desigual”. Tal expressão foi retirada de 2 Coríntios 6.14. Segundo a maioria dos exegetas modernos, tal texto não se refere ao casamento. Além deste texto, elementos ultraconservadores utilizam inúmeras passagens do Antigo Testamento como base para a proibição de relacionamentos entre pessoas de confissão religiosa diferente. Estes textos reprovam, de forma veemente, a união entre homens israelitas e mulheres de outras nacionalidades, insistindo em casamentos somente entre hebreus, visando uma pureza religiosa, cultural e até mesmo racial do povo judeu. Segundo esta visão, em nossos dias, o cristão, como integrante do novo Israel de Deus, deveria se comportar desta forma, abstendo-se de uniões mistas.


Esquecem-se os defensores desta idéia que estes textos foram, em sua grande maioria, escritos no período pós-exílico, isto é, após o édito promulgado pelo rei persa Ciro, em 538 aC, autorizando a volta dos judeus para seus antigos territórios. Visando a restauração de uma identidade judaica parcialmente destruída após anos de jugo estrangeiro, a proibição de casamentos com pessoas estrangeiras e de outras crenças foi um dos artifícios utilizado por líderes como Esdras e Neemias para que esta finalidade fosse atingida. Desta forma, estas medidas radicais foram históricas e momentâneas, não podendo ser transportadas para os dias atuais. Ainda no Antigo Testamento, há relatos de inúmeras uniões matrimoniais entre judeus e gentios. Entre eles está o da moabita Rute, que contraiu núpcias com um israelita, antes mesmo de ter se convertido ao Deus de Israel, habitando normalmente entre os israelitas.


Retornando ao período cristão, podemos afirmar que casamentos inter-religiosos, ou exógamos, foram freqüentes. De acordo com o sociólogo estadunidense Rodney Stark, em seu livro “O crescimento do cristianismo, um sociólogo reconsidera a história”, as uniões matrimoniais entre mulheres cristãs e homens pagãos foram fundamentais para o crescimento da jovem igreja cristã.
Segundo Stark, o número de mulheres convertidas ao cristianismo era substancialmente superior ao dos homens. Havia um excesso de mulheres dentro da igreja primitiva. Contrastando com o baixo índice de fertilidade das mulheres pagãs, as seguidoras de Cristo tinham um elevado grau de fertilidade. Como explicar tal situação, se o número de homens nas fileiras do cristianismo primitivo era bem inferior ao das mulheres? Parece óbvio que o casamento com homens pagãos seja a resposta correta. De acordo com Stark, os filhos destes casamentos inter-religiosos foram, na maioria das vezes, educados, por influência de suas mães, sob sólidos princípios cristãos, levando a uma provável conversão na idade adulta.


Além do fator fertilidade, são numerosos os relatos de maridos incrédulos convertidos ao cristianismo pela influência de suas esposas. Provavelmente, sem estas uniões inter-religiosas, o cristianismo não teria obtido o elevado crescimento que teve em seus primeiros dias.
Corroborando a tese de Stark, o teólogo e historiador da igreja Adolf Von Harnack, observou que havia registros de vários casamentos mistos e que, em quase todos os casos, o marido era pagão e a esposa cristã.


Michael Walsh, também historiador, comenta a proposta de Inácio de Antioquia, um dos chamados pais apostólicos, em que os cristãos deveriam casar-se com a autorização do líder eclesiástico local: “A proposta de Inácio deve ter sido uma tentativa de encorajar o casamento entre cristãos, pois inevitavelmente os casamentos entre cristãos e pagãos eram comuns, especialmente nos primeiros anos. A princípio, a igreja não desencorajou essa prática, que tinha suas vantagens: podia conduzir outras pessoas ao aprisco.”


Apesar de condenado por alguns pais da igreja, o casamento inter-religioso nunca foi proibido pela mesma. Por intermédio deste tipo de união, o cristianismo foi presenteado com um dos maiores pensadores de sua história, Agostinho de Hipona. Sua mãe, Mônica, era oriunda de uma devota família cristã, sendo que sua fé e exemplo foram fatores cruciais para a conversão do jovem professor de retórica.


Já seu pai, Patrício, era pagão, funcionário do poder público romano. Em seu leito de morte, também por influência de Mônica, Patrício abraçou o cristianismo.
A fim de definir uma doutrina oficial sobre o assunto, o IV Concílio Ecumênico, realizado em 451, na cidade de Calcedônia, e aceito por todos os grupos cristãos, inclusive protestantes, determinou permitir oficialmente o casamento entre uma pessoa cristã e outra não cristã, desde que a parte crente se comprometesse em esforçar-se ao máximo em apresentar o eventual filho ao batismo e educar-lhe na fé de Cristo.


Até mesmo no início da Idade Média, quando boa parte dos bárbaros foram cristinianizados, este tipo de união era bastante habitual e, na maioria das vezes, convertia-se em um benefício para o cristianismo. Clóvis, monarca que uniu as inúmeras tribos francas sob um único império, casou-se, ainda pagão, com Clotilde, uma piedosa cristã. Graças à influência de sua esposa, Clóvis se converteu a Cristo e, com ele, todo seu povo. O mesmo se deu com o soberano do reinado de Kent, Etelbardo, cujo casamento com uma princesa cristã abriu as portas deste pequeno principado localizado na Grã-Bretanha para missionários cristãos.


Durante o período de dominação árabe em Portugal e Espanha, era absolutamente comum a união entre uma princesa cristã e um califa muçulmano. Na maioria dos casos, ambas as partes mantinham sua crença, respeitando a expressão de fé do outro.
Após tão claros apontamentos históricos, fica claro que o autoritário costume mantido e imposto por determinados grupos evangélicos, negando a bênção nupcial a um membro da comunidade que deseja construir sua vida matrimonial com um chamado “descrente”, não encontra paralelo na história do cristianismo.


Independentemente da história, a opinião de pensadores e teólogos protestantes sobre o tema é bastante esclarecedora.
Martinho Lutero, dentre os reformadores, foi o que mais se manifestou sobre o assunto. Para Lutero, a norma relativa ao casamento que exigia a mesma fé de ambos os nubentes, era uma invenção diabólica que restringia a liberdade cristã. Comentando recentes proibições impostas pelo papado através do direito canônico, o reformador alemão afirma: “A quinta razão estabelecida pelo direito canônico é a incredulidade, ou seja, não posso casar com uma turca, judia ou herege. Admira-me que estes tiranos criminosos não se envergonham até o fundo do coração ao se oporem de forma tão evidente ao claro texto de Paulo em 1Co 7.13 . Por isso, saibas que o matrimônio é um assunto físico exterior, como qualquer outro negócio secular. Assim como posso comer, beber, dormir, passear, cavalgar, negociar, conversar e trabalhar com um gentio, judeu, turco ou herege, também posso casar com ele e continuar casado, e não te importes com as leis loucas que to querem proibir. Pois é fácil encontrar cristãos que por dentro são descrentes piores do que qualquer judeu, gentio, turco ou herege. Um gentio é um homem ou mulher criado por Deus.”


Para Lutero, assim como para todos os demais reformadores, o casamento não era um sacramento, mas, sim, um assunto exterior, criado por Deus para todo o gênero humano. Ao contrário dos sacramentos da Ceia e Batismo, não requer fé. Desta forma, a bênção matrimonial não exige a mesma crença de ambos, pois não se trata de um meio de graça.


Em um comentário sobre o capítulo 7 da Primeira Epístola aos Coríntios publicado em 1523, Lutero enumerou inúmeros conselhos a respeito da união matrimonial. No que diz respeito à união entre um crente e um descrente, é enfático em afirmar que, se o pretendente incrédulo for uma pessoa honrada que não imponha empecilhos para o bom cultivo da fé do crente, esta união deve ser permitida e apoiada. Convém lembrar que Lutero não exigia a futura conversão do cônjuge praticante de outra religião. Esta deveria acontecer por intermédio da graça de Deus, sem qualquer tipo de coação ou atrito religioso. Já no século XX, outro alemão, Dietrich Bonhoeffer em seu livro “Ética”, traça uma sucinta e evangélica idéia a respeito do matrimônio. Para ele, o casamento é um direito concedido por Deus a todo o ser humano, direito este que, mesmo ponderando inúmeros fatores, inclusive o religioso, deve ser decidido livremente pelo futuro casal, sem pressões do estado, família e igreja.
A limitação do direito de matrimônio pela exigência de ambos os cônjuges pertencerem a uma determinada religião, respectivamente à qualificação de todos os casamentos não religiosos como concubinato, como ensina a doutrina católico-romana, priva-o de seu caráter e direito essencialmente natural e faz de uma ordem da natureza uma ordem de graça e salvação”, afirma Bonhoeffer.


Portanto, essa decisão é de caráter pessoal, devendo o próprio casal analisar a situação. Caso haja respeito para com a fé diferente professada pelo eventual cônjuge, assim como em todos os outros aspectos, não deve haver impedimento. Nestes casos, amor e respeito caminham de mãos dadas, sendo as melhores armas para o sucesso do matrimônio. A decisão requer maturidade e diálogo honesto entre ambas às partes; fora isto, que o nome de Cristo não seja usado para sufocar uma das mais belas manifestações de Deus na terra, o amor entre um homem e uma mulher.
Foto : Reverendo Luis Longuini Neto, pastor da Igreja Presbiteriana do Brasil ( IPB ) em Vila Isabel, Rio de Janeiro, realizando a cerimônia de casamento da atriz global Juliana Paes, simpatizante do kardecismo.


POR : ANDRÉ TADEU DE OLIVEIRA

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Anel de Tucum. Eu uso !






Em um mundo religioso onde o tal anel de virgindade é valorizado, mostrando até que ponto a santidade é automaticamente associada a uma vida de repressão sexual, prefiro usar o anel de tucum. Muita gente pergunta o significado desta aliança negra que porto em um de meus dedos.
Encontrei dois textos interessantes sobre o significado e origem do anel de tucum. O primeiro se encontra no site da Pastoral da Terra Católica. O segundo está no blog " Espaço de Cultura Socialista", do blogueiro paranaense Marco Antôni Rossi.

O ANEL DE TUCUM É SÍMBOLO DA “IGREJA DOS POBRES”




O anel de tucum é um símbolo usado por aqueles/as que acreditam no compromisso preferencial das Igrejas com os pobres. O objetivo é resgatar este compromisso e denunciar as causas da pobreza. Este é o compromisso simbolizado nesta aliança, já que tanto no Antigo quanto no Novo Testamento os profetas e apóstolos afirmam a fidelidade de Deus aos pobres e oprimidos. A aliança de tucum é o sinal desta fidelidade, deste compromisso. Além da Bíblia, a opção pelos pobres é testemunhada também por toda a tradição da Igreja, principalmente na América Latina, a partir do Concílio Vaticano II e das Conferências dos Bispos em Puebla e Medelin. Esta opção é a essência mesmo da vida cristã porque está ligada à imitação da vida de Cristo. Mas esta opção não é apenas uma responsabilidade individual. Neste momento da história, ela implica um compromisso social que está ligado à partilha e acesso à propriedade dos bens absolutamente necessários à vida. Deus está do lado dos pobres porque Deus ama os pobres. Por isso o cristão é chamado a seguir este mesmo exemplo de amor e opção preferencial que tenta promover a dignidade humana. No pobre revela-se o rosto do próprio Deus (Mt 25,40).


No filme “Anel de Tucum", Dom Pedro Casaldáliga explica assim o sentido desta aliança: “(...) Este anel é feito a partir de uma palmeira da Amazônia. É sinal da aliança com a causa indígena e com as causas populares. Quem carrega esse anel significa que assumiu essas causas. E, as suas conseqüências. Você toparia usar o anel? Olha, isso compromete, viu? Muitos, por causa deste compromisso foram até a morte (...)".


Poesia de Dom Pedro Casaldáliga :

O anel de Tucum”

“... Chamar-me-ão de subversivo/
Eu responderei incisivo:/
O sou. Pelo meu povo que luta,/
Pelo meu povo que trilha apressado/
Caminhos de sofrimento./
Eu tenho fé de guerrilheiro/
E amor de revolução./
E entre Evangelho e canção/
Penso, e digo o que sei./
Se escandalizo, primeiro/
Eu me abrasei de Paixão/
Na cruz do meu Senhor!”



O ANEL DE TUCUM




Muita gente (alunos, colegas e até familiares) me pergunta o que significa a "grossa argola" negra que carrego no anular da mão direita. Bom, imaginando que mão e dedo não interferem no significado do anel de tucum (esse é o nome da tal "argola"), costumo responder que se trata de minha opção pelas lutas populares, pelas classes subalternas. Trata-se, pois, de uma aliança popular, de um pacto de honra e determinação por fazer tudo que estiver ao meu alcance, como indivíduo e como ser social, para levar adiante a reivindicação de direitos e a esperança por um mundo realmente humano e fraterno. Na explicação que publico abaixo - encontrada sem autoria nas venturosas páginas da rede mundial de computadores e sensivelmente editada por mim - está a origem histórica e religiosa dos grandes pactos, das grandes alianças... E também alguns emblemas para refletir sobre a força e a importância do anel de tucum , que carrego no dedo e, principlamente, no coração, na ação cotidiana apaixonada...


Eram diversos e variados os rituais para celebrar uma aliança. Os mais simples eram: apertar a mão um do outro, dar um presente, trocar de veste ou de armas. Os mais profundos eram: beber ou misturar o sangue um ao outro, ou imergir a mão numa bacia de sangue; às vezes cortavam-se animais sacrificados e passava-se entre eles (cf Gen 15-17; Jer 38,18). O sentido desse gesto é que os aliados aceitavam a sorte de tais animais, caso quebrassem a aliança ou não cumprissem sua obrigações. Daí o papel importante desempenhado pela aliança tanto na vida privada quanto na vida pública entre os povos que viviam em organização tribal.

Conforme a tradição bíblica, Deus celebrou várias alianças com seu povo ao longo da história, culminando na pessoa de Jesus de Nazaré. Desde então os seus seguidores passaram a falar em antiga e nova aliança. Assim como a antiga aliança foi constituída pelo sangue dos animais sacrificados (Ex 24,8), a nova aliança foi constituida pelo sangue de Jesus Cristo (Heb 9,11-20;10,1-18).

No rastro dessa tradição, renasce o simbolismo da Aliança no Anel de Tucum, extraído de uma palmeira da Amazônia, cheia de espinhos, o símbolo do compromisso e da aliança com as causas dos oprimidos, excluídos e marginalizados - e sua lutas por libertação.

Foi na década de 70 que o CIMI (Conselho Indigenista Missionário) adotou e divulgou o Anel de Tucum, hoje usado no mundo inteiro por quem assume a luta pelas causas populares, misturando-se com a sorte dos pobres da terra.

Esse símbolo foi bem escolhido, pois assim como é penoso fazer o anel de tucum, também é árdua a luta por dignidade, vida, esperança e paz.












Protestantismo, cultura e arte


“A música é uma esplêndida dádiva de Deus e eu gostaria de exaltá-la com todo o meu coração e recomendá-la a todos” (Martinho Lutero).

Podemos notar que o reformador alemão Martinho Lutero louva e agradece a Deus pela dádiva da música, independentemente se tal expressão cultural for secular ou religiosa. Como bem sabemos, Lutero foi um compositor de mão cheia. Entre os inúmeros hinos de sua autoria, podemos citar o célebre “Castelo Forte”, conhecido como a Marselhesa da Reforma.

É um grande erro acreditar que a expressão musical, para Lutero, tivesse apenas um cunho litúrgico-religioso. Revela a história que o pai do protestantismo era um exímio flautista, assim como possuía certa habilidade com o alaúde. Seu prazer em reunir os amigos, cantar canções não religiosas, geralmente em volta de uma mesa, animado pela famosa cerveja alemã, era enorme. Segundo Johann Mathesius, amigo íntimo do reformador, “Quando o doutor havia trabalhado até a exaustão, ele se divertia à mesa e, muitas vezes, cantava um pouco. Na presença das pessoas apropriadas, cantávamos as últimas palavras de Dido contidas no Dulces exuviae (“ Doces Despojos”) de Virgilio. E Melanchton também se juntava ao canto”.

Zuínglio, o pai da tradição reformada na suíça de fala alemã, apesar de ter banido completamente a música do serviço de culto, foi um habilidoso instrumentista. Bach, a despeito de suas monumentais composições sacras, como a belíssima “Paixão Segundo São Mateus”, compôs inúmeras peças musicais não religiosas.


No âmbito das artes visuais, temos o exemplo de Rembrandt, holandês, considerado um dos maiores pintores da história da arte. Sendo um cristão reformado devoto, boa parte de seus quadros expressavam temas bíblicos com um realismo impressionante. Porém, o renomado cristão holandês não deixou de pintar telas seculares e belíssimas, como a famosa “Ronda Noturna” ( imagem ) .


Com todos estes exemplos, fica claro que, excetuando alguns momentos de radical iconoclastia, a geração dos primeiros reformadores, assim como seus seguidores, enxergava a cultura e a arte de uma maneira absolutamente positiva, e raramente a separavam em círculos ditos “sagrados” e “seculares”. Segundo o tradicional conceito da soberania de Deus sobre todas as coisas, tudo que foi feito para alegrar o ser humano, desde que com moderação, é uma verdadeira dádiva divina.


Esta situação mudou de figura, por volta do século XVII, principalmente pela deturpação teológica ocorrida no calvinismo posterior, principalmente entre os puritanos britânicos. Segundo o pensamento puritano, tudo aquilo que não tivesse uma utilidade realmente prática e, principalmente, religiosa, deveria ser considerado frugal, portanto, completamente dispensável. Entretanto, mesmo neste contexto completamente desfavorável à cultura, tivemos excelentes obras literárias oriundas das penas de famosos cristãos puritanos, como o “Paraíso Perdido”, de John Milton e “O Peregrino”, de John Bunyan. Mesmo assim, estas obras tinham um cunho fortemente teológico.

Desta forma, esta verdadeira aversão à arte e à cultura como divertimento foi exportada para os Estados Unidos e, posteriormente, para o Brasil, via missões estrangeiras.

Chegando ao Brasil, os missionários norte-americanos encontraram uma cultura completamente diferente de sua sisuda cultura anglo-saxã. Nosso país foi formado por uma rica mistura de ibéricos (portugueses e espanhóis), negros e indígenas, povos marcados por certa “sensualidade” e alegria de viver, mesmo no meio de tanta pobreza e injustiça, como o caso da nefasta escravatura negra.

Sendo assim, o protestantismo brasileiro tornou-se, em muitos casos, uma “contracultura” dentro do país. Além de pregar o evangelho, o protestante brasileiro, enormemente influenciado por sua matriz norte-americana, repeliu, com veemência, a cultura tradicional brasileira. Um dos maiores exemplos é a verdadeira repulsa cultivada no meio evangélico pelas típicas festas de nosso folclore. Em resumo, o repúdio à arte e à cultura como entretenimento, assim como uma quase que completa negação da cultura tipicamente brasileira, tem feito com que o protestantismo brasileiro tenha uma influência irrisória neste campo.

Tirando a enorme colaboração no ramo da educação, como é o caso do saudoso Eduardo Carlos Pereira, que, além de pastor, foi um renomado gramático, e de outras personalidades que se dedicaram a outras formas literárias, como Júlio Ribeiro, Ariano Suassuna e até mesmo o não menos saudoso Otoniel Mota, com suas poesias, o cultivo das artes no seio evangélico brasileiro restringiu-se à sua esfera exclusivamente religiosa.

Com isso, não notamos a presença de evangélicos no cinema, no teatro e na música popular, áreas demonizadas por boa parte da comunidade evangélica.

Como mudar esta situação? Conscientizando-nos de que, sendo criadas e postas em prática de uma forma que não se choque com os padrões divinos, a arte e a cultura devem ser exercitadas e apreciadas pelo verdadeiro cristão, pois são centelhas da criatividade divina sobre o ser humano.


POR : ANDRÉ TADEU DE OLIVEIRA

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

As mulheres e a teologia Cristã


A contribuição feminina no moderno pensamento cristão



Jesus Cristo tinha um comportamento completamente revolucionário em seu relacionamento com as mulheres de sua época. Ao contrário de parcela significativa dos líderes religiosos, políticos e filosóficos influentes de seu contexto histórico, convivia com o gênero feminino de forma igualitária. São numerosas as passagens bíblicas que revelam diálogos surpreendentes entre Cristo e personagens femininas, sendo que, em determinados casos, o próprio mestre deixou-se persuadir pelos argumentos de desprezadas mulheres, mudando, até mesmo, de opinião (Mc 7.24-30). Os quatro evangelhos narram a participação decisiva de mulheres no ministério de Jesus, destacando-se a figura de Maria Madalena, considerada por verdadeiros gigantes da teologia cristã, como Gregório de Antioquia e Pedro Abelardo, apóstola dos apóstolos.

Ainda no início do movimento cristão, a participação feminina, até mesmo em postos de comando e influência, foi atestada pela própria Bíblia. Personagens como Lídia, Febe, Priscila, Junia, Evódia, Síntique comprovam esta tese.
No entanto, com o passar do tempo e com a institucionalização do cristianismo, este absorveu boa parte do machismo predominante na sociedade como um todo. Desta forma, a influência feminina na jovem igreja cristã foi, gradativamente, relegada a segundo plano.

Durante todo o período medieval e até mesmo na época da reforma protestante, raras vozes femininas foram ouvidas. Pregadoras leigas valdenses e posteriormente calvinistas, assim como místicas católicas, como Teresa de Ávila, compunham uma minoria bastante reprimida.

Foi apenas no final do século XIX que o pensamento teológico feminista deu seus primeiros passos, tendo como ponto de partida o projeto desenvolvido pela presbiteriana estadunidense Elizabeth Cady Stanton, denominado A Bíblia da Mulher. Importante líder abolicionista e feminista em seu país, Cady Stanton, como cristã, não aceitava a interpretação machista das Escrituras. Assim, com outras mulheres versadas nas línguas bíblicas originais, publicou, entre 1895 e 1898, dois volumes voltados à interpretação do texto sagrado sob um prisma feminino. A Bíblia da Mulher tinha como meta ressaltar a importância do sexo feminino na história sagrada, assim como reinterpretar de uma forma libertária os textos considerados machistas e preconceituosos.

Após este primeiro estágio, a assim chamada teologia feminista seguiu linhas diferentes. Algumas teólogas abandonaram por completo o cristianismo por considerá-lo incompatível com a luta em prol da emancipação feminina. É o caso da anteriormente católica Mary Daly, que afirma em sua obra “Além de Deus, o Pai”, que a linguagem fundadora do cristianismo é voltada, exclusivamente, para a manutenção do poder masculino. Outras, como Carol Christ, Elga Sorge e Elizabeth Gould Davis, decidiram retornar às antigas tradições pagãs, onde o culto a divindades femininas era bastante influente. Também houve uma revitalização por parte destas pensadoras da antiga forma de magia celta denominada Wicca, sendo as principais divulgadoras Miriam Simos e Zsuzsanna Budapest.

Não obstante esta radical ruptura com a tradição judaico-cristã promovida por algumas religiosas, parcela majoritária das teólogas permaneceu dentro do cristianismo, tendo como meta continuar o trabalho iniciado por Cady Stanton e suas colegas. Dentre este grupo predominante, destacam-se os nomes de Rosemary Ruether e Elisabeth Fiorenza.

Ligadas ao catolicismo romano, escreveram teses fundamentais para que a teologia feminista cristã atingisse a maturidade. Dentre os vários livros de autoria de Elisabeth Fiorenza, podemos destacar o clássico “Em Memória Dela”, onde o importante papel histórico exercido pelas mulheres na formação do cristianismo é relembrado. Já a principal obra de Rosemary Ruether, “O Sexismo e a linguagem sobre Deus”, procura oferecer uma teologia sistemática cristã com claro enfoque feminista.


Porém, como já foi comentado, o pensamento teológico feminista cristão teve seu nascedouro dentro do protestantismo. Desta forma, vamos nos ater a algumas mulheres de confissão evangélica responsáveis pelo desenvolvimento do pensamento cristão ao redor do mundo.

Suzanne de Diétrich (1891-1981)

Não podemos considerar esta francesa como uma teóloga feminista, já que sua teologia não tinha como foco primordial a situação da mulher. Mas a importância desta leiga vinculada à Igreja Reformada de seu país prova de maneira cabal a dedicação de várias mulheres no desenvolvimento do cristianismo.

Portadora de uma grave deficiência física que dificultava sua locomoção, esta engenheira eletricista teve um papel fundamental na articulação dos movimentos estudantis cristãos na primeira metade do século XX, chegando a fazer parte do Comitê Executivo da Federação Mundial de Estudantes Cristãos. Entusiasta do movimento ecumênico foi, por um bom tempo, instrutora do Instituto Ecumênico Bossey, vinculado ao Conselho Mundial de Igrejas. No aspecto teológico, a grande contribuição de Suzanne pode ser percebida na forma como a mesma interpretava a Bíblia Sagrada. Claramente influenciada pela teologia dialética de Karl Barth e Emil Brunner, procurava transmitir a mensagem central do texto purificada das meras tradições humanas. Deixou verdadeiras pérolas no tocante a interpretação bíblica. Dentre vários livros, podemos destacar: “A Descoberta da Bíblia”,Uma Palavra Sempre Viva”, “Como ler a Bíblia hoje?” e “O Desígnio de Deus”.

Jane Dempsey Douglas (1933- )

Teóloga estadunidense, é professora emérita de teologia histórica na Universidade de Princeton (EUA). Vinculada à Igreja Presbiteriana dos EUA (PCUSA), foi presidente da Aliança Mundial de Igrejas Reformadas entre 1990-1997. Sua produção literária e acadêmica é bastante vasta, estando focada em uma interpretação contemporânea da tradição reformada, em questões sociais e, principalmente, no relacionamento entre mulheres e o cristianismo. Dentre suas várias obras, é digna de destaque “Mulheres, Liberdade e Calvino”, onde mostra que o reformador francês foi o mais aberto e progressista no tocante ao papel da mulher na sociedade e na igreja. Segundo Jane Douglas, Calvino considerava as restrições paulinas a respeito da atuação feminina na igreja vinculadas a um determinado contexto social. Assim, deveriam ser abolidas em um futuro próximo.

Elsa Tamez (1951- )

Metodista mexicana, é uma das principais expoentes da Teologia da Libertação Latino-Americana. Reside e trabalha na Costa Rica, exercendo seu ministério como biblista e professora na Universidade Bíblica Latino-Americana, da qual foi reitora por vários anos. É casada e mãe de dois filhos. Doutora em teologia pela Universidade de Lausanne, Suíça, foi membro com destaque na comissão de educação teológica do Conselho Mundial de Igrejas, contribuindo com numerosas organizações, como o Conselho Latino-Americano de Igrejas, Conselho Metodista Mundial e a Associação de Teólogos do Terceiro Mundo. Como teóloga da libertação, Elsa se divide entre a temática social e a questão de gênero, sendo o feminismo cristão assunto constante em seus escritos.

Seu livro “As Mulheres no movimento de Jesus, o Cristo” demonstra a atitude libertadora de Jesus para com as mulheres e a posição de destaque que elas ocuparam nas primeiras comunidades cristãs. Outras obras são dignas de menção: “A Bíblia dos Oprimidos” e “A Hora da Vida- Leituras Bíblicas”, onde a conversão a Cristo não é interpretada de uma forma meramente individual ou moralista, mas como uma radical mudança em prol da vida. Através do processo de conversão, o crente ingressa em um verdadeiro combate contra todo o tipo de opressão, discriminação e injustiça social.

Elaine Storkey (1943- )

Teóloga, filósofa e socióloga inglesa, é uma das principais expoentes do feminismo evangélico. Ligada ao grupo evangélico da Igreja Anglicana Britânica, escreveu, em 1985, “O Que Está Certo no Feminismo”. Nos dizeres de Tony Lane, doutor em teologia pelo London Bible College: “ Elaine insiste num feminismo biblicamente baseado como o terceiro caminho entre o antifeminismo cristão e um feminismo que se separa do ensino bíblico”. O trecho abaixo escrito por Elaine confirma a percepção de Lane:


As feministas cristãs não estão querendo qualquer batalha de poder com os homens. Isto seria estranho à sua agenda. Nem estão querendo construir uma realidade totalmente feminina que lave suas mãos de qualquer envolvimento com o outro sexo. Mas elas não estão felizes simplesmente por se introduzirem num alçapão assinalado mulher e viverem suas vidas de acordo com um jogo de valores culturais determinados e essencialmente não-bíblicos. A mensagem que elas trazem é uma mensagem de libertação, e é para os homens também”.

Além da atividade decisiva destas mulheres em prol da teologia cristã, muitas outras exercem uma profícua missão no campo do pensamento cristão. Em nosso continente latino americano, podemos destacar o trabalho realizado pela pastora presbiteriana cubana Ofélia Ortega, reitora do Seminário Teológico Evangélico de Matanzas e secretária executiva por quase uma década do Programa de Educação Teológica para América Latina e Caribe do Conselho Mundial de Igrejas. No Brasil, onde a teologia feminista cristã ainda engatinha, as metodistas Sandra Duarte de Souza e Tânia Sampaio representam o que de melhor e mais avançado há nesta linha teológica.

Ao contrário do que é pregado por grupos fundamentalistas, o desenvolvimento de uma teologia feminista de cunho claramente cristã, acompanhada por uma crescente participação das mulheres nos mais diversos ministérios ordenados, chegando, muitas vezes, a postos de liderança em muitas denominações, não reflete nenhum tipo de apostasia, mas, sim, o retorno aos tempos iniciais do cristianismo, quando homens e mulheres, seguindo de forma clara o exemplo de Jesus Cristo, exerciam o ministério em pé de igualdade.

POR : ANDRÉ TADEU DE OLIVEIRA

Referências Bibliográficas

A Tradição Reformada - Uma Maneira de ser a comunidade Cristã - John H. Leith (Apêndice G: Ricardo W. Irwin e Eduardo Galasso Faria) Pendão Real.
Maria Madalena - Uma Perspectiva Feminina das Origens Cristãs - Priscila C. Nagatomo - Editora Reflexão.
Dicionário Brasileiro de Teologia - ASTE.
A Teologia do Século XX - Rosino Gibellini – Loyola.
Pensamento Cristão - Da Reforma à Modernidade - Tony Lane - Abba Press.
A Tapeçaria da Teologia Cristã - Gregory C. Higgins –-Loyola.

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Memória Popular : João Pedro Teixeira


Texto de autoria de Flávio Conrado, doutor em Antropologia pela UFRJ . Foi retirado da seção " Cristãos Radicais", inserida no site Novos Diálogos.





As Ligas Camponesas foram um importante movimento que defendia a Reforma Agrária e melhores condições de trabalho para os trabalhadores rurais. Foi importante, sobretudo, no Nordeste constituindo associações de trabalhadores rurais e existiu entre 1955 e 1964. As Ligas Camponesas não sobreviveram ao Golpe como tantos outros movimentos que propunham a transformação da sociedade brasileira nos anos 1960.Francisco Julião, advogado e líder das Ligas Camponesas, dá testemunho da participação de muitos evangélicos nelas. Julião cita nominalmente no livro Cambão alguns dos protestantes que lideraram algumas das mais ativas Ligas Camponesas: Joaquim Camilo e José Evangelista, líderes da Liga de Jaboatão, em Pernambuco; e João Pedro Teixeira, líder da Liga de Sapé, na Paraíba.João Pedro Teixeira era presbiteriano e líder de uma das maiores ligas da Paraíba, com mais de 10.000 associados. Foi assassinado em 1962 por organizar os trabalhadores para defender melhores condições de trabalho, lutar pela Reforma Agrária e a justiça no campo.Eduardo Coutinho, um dos maiores documentaristas brasileiros, registrou a história de João Pedro Teixeira em Cabra Marcado Pra Morrer (1981-1984), filme que ganhou 12 prêmios internacionais e é considerado um marco na história do cinema brasileiro. O filme resgata a história de João Pedro Teixeira e das Ligas Camponesas através dos depoimentos da esposa, Elizabeth Teixeira, dos filhos e de outros camponeses contemporâneos de João e das lutas nos idos 1950-60. É Elizabeth Teixeira que conta a experiência religiosa do marido:“Moramos nove anos em Recife e João Pedro foi ser crente da Igreja Evangélica Presbiteriana. Nessa época, começou a participar da luta da classe trabalhadora, fundando o sindicato da classe dele, trabalhava na construção civil. As primeiras reuniões foram em casa, no começo dos anos 1950 (...) Na luta do dia-a-dia ficou afastado da Igreja, não freqüentava, mas dizia que era evangélico. Quando foi preso pelo Exército na renúncia de Jânio Quadros, um major, na minha residência, fez várias perguntas sobre a Bíblia e ele respondeu todas...” (Entrevista à revista Teoria & Debate, n.o 30, Dez 1995 - Jan 1996)Na mesma entrevista, Elisabeth Teixeira conta que depois que um dos líderes dos trabalhadores foi assassinado e outro baleado, e com o crescimento das ameaças de morte que João Pedro recebia, sugere a ele que saia da Paraíba, ao que ele responde: “Eu não vou, eu continuo a luta aqui. Não me acovardo de jeito nenhum”. Essa tenacidade e perseverança de João Pedro lhe custou a morte em 02 de abril de 1962, mas acarretou o aumento da mobilização dos trabalhadores (a Liga que ele liderava chegou a 30 mil associados) e o envolvimento de Elizabeth na liderança da Liga de Sapé até o Golpe de 1964 quando, depois de presa e ameaçada várias vezes, muda-se para o Rio Grande do Norte. Ela só retornaria à Paraíba em 1981 procurada por Eduardo Coutinho que retomara as filmagens sobre a vida de João Pedro Teixeira. Dois dos seus filhos também foram assassinados por se envolverem na luta camponesa.Nos últimos anos, a memória de João Pedro Teixeira tem sido resgatada pelos movimentos e organizações que lutam pela Reforma Agrária no Brasil e justas homenagens têm sido prestadas a João Pedro Teixeira e à Elizabeth Teixeira, já com 84 anos. A mais recente homenagem foi a criação da ONG Memorial das Ligas Camponesas, em Sapé, que pretende manter viva a memória das Ligas e está sediada em Barra de Antas, no Memorial João Pedro Teixeira, onde encontra-se o acervo sobre sua vida e trajetória.João Pedro teria feito 91 anos no último 04 de março, se estivesse vivo. Foi alguém que entregou a vida pela convicção de que lutar pelos direitos dos trabalhadores e pela Reforma Agrária era cumprir sua vocação cristã e evangélica sem se acovardar. Essa convicção e disposição não é menos necessária agora do que era nos anos 1950 e 1960. Como uma das expressões que Elisabeth Teixeira gosta de usar, é preciso dar continuidade à luta “para o que der e vier”.

Leitura Sugerida: Memórias do Povo – João Pedro Teixeira e as Ligas Camponesas na Paraíba, 390 páginas, organizado por Antônia M. Van Ham, Alder Júlio Calado, Ariovaldo J. Sezyshta, Gabriele Giacomelli e Gláucia de Luna Ieno, Editora Idéia, 2006.


Flávio Conrado Flávio Conrado é mestre e doutor em Antropologia pela UFRJ, com pós-doutorado pela Universidade de Montreal (Canadá). Faz parte da equipe de formação da Rede FALE e é assessor da Rede Latinoamericana e Caribenha de Jovens de Religiões pela Paz. -->

terça-feira, 24 de agosto de 2010

Phillip Jacob Spener e a tolerância religiosa


A Europa do Século 17 não era um lugar aprazível para se viver, principalmente na parte continental conhecida nos dias atuais como Alemanha. De 1618 a 1648, a região do então Sacro Império Romano Germânico foi devastada por um sangrento conflito conhecido na história como Guerra dos Trinta Anos. O pano de fundo para este conflito, que ceifou aproximadamente 40% da população rural e 30% da urbana, foi à religião. Obviamente, sabemos que por detrás desta máscara piedosa existiam grandes interesses econômicos. Em 1648, foi estabelecida a conhecida “Paz de Vestfália”, reconhecendo, oficialmente, a existência legal de três grandes grupos religiosos: católicos romanos, luteranos e reformados.

No entanto, para o grosso da população, assim como que para parte significativa dos pensadores, este terrível empreendimento bélico foi causado pela intransigência em assuntos religiosos. Junto com correntes filosóficas surgidas na Inglaterra, muitos historiadores consideram este contexto como precursor das idéias libertárias do iluminismo, afinal, existia uma crescente insatisfação com o dogmatismo religioso responsável por tremendo banho de sangue. Assim, o século 17 veria o nascimento de grandes pensadores que se destacariam pela defesa radical da tolerância em assuntos religiosos.

Boa parte destes filósofos nutria um compreensível asco pela religião organizada. Alguns eram firmes crentes em Deus, aproximando-se do teísmo clássico. Outros flertavam com o deísmo, e uma crescente minoria assumia uma posição claramente agnóstica ou até mesmo atéia. Independentemente de convicção de fé defendida por estes homens, devemos muito a sua coragem e persistência. Se desfrutamos de uma completa liberdade de pensamento em nossos dias, devemos tal situação, em parte, aos pais do iluminismo.

No entanto, alguns religiosos, até mesmo clérigos, ligados de forma institucional as suas tradições eclesiásticas, também se destacaram na luta por uma sociedade mais tolerante. Infelizmente não foram numericamente expressivos, mas a importância de seu trabalho é tão digna de crédito como a dos grandes homens do iluminismo secular. Dentre estes poucos cristãos, gostaria de destacar a figura de Phillip Jacob Spner, conhecido como o pai do pietismo protestante. Não vou escrever uma biografia sobre este grande vulto do cristianismo evangélico, gostaria de me ater em um breve comentário a respeito da tolerância para com ateus e crentes de outras confissões consideradas heterodoxas contido em sua obra prima, denominada “ Pia Desideria”, traduzida em português como “ Desejos Piedosos”. Neste pequeno grande clássico da literatura cristã do século 17, publicado em 1675, Spener propõe uma nova reforma para a Igreja Evangélica como um todo, incluindo luteranos e reformados, ramos que tinham se enfrentado por ocasião da triste guerra dos trinta anos. Os elementos práticos para esta reforma foram resumidos nos seguintes seis pontos:

1- Intensificação da leitura bíblica por parte dos crentes.

2- Quebra do monopólio pastoral. Todo o cristão deveria atuar de forma decisiva na vida eclesial .

3- Primazia do amor fraternal sobre o mero conhecimento doutrinário.

4- Moderação nas discussões referentes a pontos doutrinários.

5- A formação teológica oferecida aos futuros pastores deveria combinar erudição acadêmica com aspectos práticos. O pastor não deveria ser apenas um intelectual, mas um cura de almas.

6- Seguindo esta linha, deveria ser elaborada uma verdadeira reforma na formação teológica.

Após este breve resumo dos seis pontos reformatórios propostos por Spener, vamos ao fragmento de seu texto onde ele propõe de forma clara a tolerância em assuntos de fé. Contudo, um comentário se faz necessário. O escrito de Spener faz uso de determinados termos preconceituosos. A designação “herético” pode chocar nossas mentes modernas. Não obstante, era usual no período em que o pietista luterano viveu. Quando estudamos história, não podemos avaliar o comportamento das pessoas que viveram uma determinada época através de nossos próprios valores. A despeito do uso de palavras consideradas ofensivas, em um contexto onde um herético não tinha sequer direito a vida, Spener defendia não apenas sua integridade física, mas a liberdade para que tal pessoa permanecesse em sua convicção religiosa. Outra característica pode incomodar o leitor não afeito ao mundo religioso: o tom proselitista encontrado em partes do texto. Não podemos nos esquecer que Phillip Jacob Spener foi um pastor que passou por uma experiência religiosa mística bastante forte, portanto, mesmo defendendo a ampla liberdade religiosa, sonhava com a conversão de seus ouvintes de forma voluntária. Contextualizando para os dias atuais, Richard Dawkins, em seu livro “Deus, um Delírio”, não esconde de ninguém que ficaria extremamente feliz se alguns de seus leitores abraçassem a posição ateísta após o término da leitura. Dito isto, deixemos a palavra com o teólogo do século 17.



ACIMA DE TUDO ESTÁ A DEMONSTRAÇÃO DO AMOR CORDIAL.

Em quarto lugar, tenhamos uma atitude de amor cordial para com os não-crentes e para com os heréticos. Devemos evidenciar-lhes que não temos nenhum prazer em sua incredulidade, sua crença ou prática errada e sua propagação. Antes, opomo-nos com vigor a isso, ainda que em outras coisas que dizem respeito à vida humana, os reconheçamos como nossos próximos e irmãos, tendo para com eles a disposição de coração que nos é ordenada no mandamento, de os amarmos como a nós mesmos. Isto fazemos com base no direito geral de toda a criação e do amor de Deus que se estende sobre todos. Insultar ou magoar um não-crente ou herético por causa de sua religião é um zelo carnal e prejudicial à sua conversão. A justa aversão por sua religião não deve abolir ou enfraquecer o amor que lhe devemos.

Phillip Jacob Spener- Pia Desidéria, páginas 97 e 98.


POR ANDRÉ TADEU DE OLIVEIRA

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Insônia, Fé e Futebol !

A semana até que prometia. Neste último sábado, fui à festa de aniversário do tio da Letícia. Sinceramente, não tinha uma expectativa muito boa. Mas, por incrível que pareça, foi uma noite bem agradável. Foi bastante interessante conversar horas a fio com gente mais velha que aprecia o mesmo tipo de música. Fiquei pasmo em saber que um grande amigo do pai da Letícia é fã de uma banda que marcou minha adolescência, o saudoso Violeta de Outono. Inclusive, esteve em um mesmo show que fui em meados dos anos 90 no Centro Cultural São Paulo.

Legal, chegou o domingo. Como é de costume, fui à igreja. Ministrei uma aula, participei de um culto bastante belo e, no final, recebi um elogio da mãe de uma aluna que comentou a respeito da aula que dei sobre C.S.Lewis. Este tipo de elogio para mim é muito importante, sou muito inseguro em determinadas situações. É gratificante saber que pelo menos uma pessoa gostou realmente do meu trabalho.

Mas, como tudo que é bom dura pouco, neste domingo fui apresentado à crise existencial da semana. Acabei de ler o livro “ O Santo Reich – Concepções Nazistas do Cristianismo.1919-1945”, pois o tema do meu trabalho de conclusão de curso, conhecido no Mackenzie como TGI( OBS : O único lugar no mundo que usa esta nomenclatura), é : A INFLUÊNCIA RELIGIOSA NA ASCENSÃO E CONSOLIDAÇÃO DO NACIONAL-SOCIALISMO ALEMÃO”. A leitura deste livro, somada a uma batelada de outros livros já devorados, me cobriu de vergonha de ser protestante ! Tirando meia dúzia de heróis e heroínas, o comportamento da igreja alemã foi simplesmente nojento ! Já sabia disto, mas na hora que você refresca determinada informação desagradável na sua memória, dói muito ! Triste constatar o que fizeram com o movimento de Jesus, chamado o Cristo !

Tá legal, saí para comprar algo para comer. Não bastando o trauma causado pela leitura do citado livro, sugeri para a Letícia o pior programa possível; ouvir pelo rádio AM o jogo entre São Paulo X Corinthians. Ela, também são paulina, concordou com a infeliz idéia! Meu Deus do céu! Vou confessar algo; não sou mais tão vidrado em futebol como era há anos atrás. Tenho outras preocupações e prioridades. Mas quando a partida é contra um certo clube, que personifica tudo o que há de maléfico na sociedade, a coisa muda de figura. Sei que não é cristão, mas posso dizer que odeio o clube do Parque São Jorge! Bem, não preciso comentar o resultado. Pífio! Ridículo! Humilhante! Perder é normal, mas desde que seja com dignidade! Agora, perder para “aquilo” é insuportável.

Pois bem, para completar a neurose, meu resfriado foi aumentando, e perdi completamente o sono. Agora, são 4.50 da manhã quando escrevo estas linhas. Na absoluta falta do que fazer decidi navegar pela internet. E, dentro do mundinho virtual, dei asas para meu novo vício masoquista: acompanhar sites religiosos e ateístas. De um lado, o velho papinho de que ateus são maus, não tem caráter, estão condenados a um terrível inferno de fogo. Do outro, que o mundo seria bem melhor sem religião, que Jesus é mito, que a religião nunca produziu nada de útil para a sociedade, que somente teístas falam bobagens e por aí vai. Depois desta tortura teológica, abro minha caixa de e-mails e me deparo com um e-mail me detonando por causa do meu post meia boca sobre o Diante do Trono!

Creio em Deus, sou cristão e tenho esperanças. Mas em momentos como estes sinto vontade de largar tudo, não dialogar com ninguém, não ler certas coisas, não ouvir determinadas humilhações via rádio e etc. Gostaria, muito, de sumir, me isolar em algum lugar onde não encontrasse crentes, ateus, fãs de futebol, eleitores do Zé Serra e do Picolé de Chuchu e etc..

É, este é o post mais idiota que escrevi. Espero que não mate a preciosidade que o Gutierres escreveu e que está postado abaixo. Vou tentar descansar um pouco, afinal, tenho um dia cheio de trabalho e de aulas bem “interessantes”.





Tortura 1



Tortura 2



T

Tortura 3



Tortura 4




Tortura 5

domingo, 22 de agosto de 2010

O rico diálogo entre o pentecostalismo e o protestantismo histórico


Quando criei este blog, tinha como idéia conceder espaço para convidados. Não vejo sentido em postar apenas textos de minha autoria ou de autores consagrados. No mundo real, feito por pessoas de carne e osso, como eu, há muita coisa interessante sendo produzida.

Este post irá inaugurar este ciclo de colaborações. Como pontapé inicial ( PS : Não sei o motivo de estar usando um jargão futebolístico depois da tragédia que ocorreu neste domingo no Estádio do Pacaembu), teremos a participação de meu amigo Gutierres Fernandes Siqueira (foto acima), proprietário do excelente blog Teologia Pentecostal. Divergências à parte, considero este blog como um dos melhores da chamada linha evangelical-conservadora. Vale a pena ser lido.


A respeito do querido Gutierres, algumas informações; é membro da quase centenária Assembléia de Deus no Brasil, congregando no Jardim das Pedras, onde exerce a função de professor de Escola Dominical. É estudante de jornalismo na Faculdade Paulus de Comunicação.

Apresentação feita, vamos ao rico texto.

Obs : Pretendo convidar amigos pertencentes a confissões cristãs irmãs, membros de outras religiões e agnósticos e ateístas
A rico diálogo entre o pentecostalismo e protestantismo histórico

Por Gutierres Siqueira


Em 1901 nascia o pentecostalismo moderno com o metodista Charles Fox Pahram. Mas 1906, com os cultos dirigidos por William Joseph Seymour, um descendente de escravos, o pentecostalismo se popularizou no mundo a partir de Los Angeles, nos Estados Unidos. No decorrer da história cristã, vários foram os momentos onde a manifestação dos dons espirituais aconteceram, mas a consolidação doutrinária e prática dos carismas se deu com o pentecostalismo de Seymour. Este artigo trata do crescente benefício para cristãos tradicionais e pentecostais de um diálogo sobre a manifestação do Espírito Santo na contemporaneidade.


Da rejeição ao abraço


O pentecostalismo nascente não teve boa recepção pelas igrejas tradicionais. O pioneiro William Seymour e sua turma eram espontâneos e barulhentos, além disso aceitavam ampla participação de leigos e mulheres na liturgia. Outro grande escândalo foi a associação de negros e brancos que louvavam a Deus juntos! No meio do racialismo reinante na Califórnia do início do Século XX, Seymour e os demais frequentadores dos cultos na Azuza Street quebraram muitos paradigmas. Não é à toa que a oposição ao pentecostalismo nas igrejas tradicionais não era mera discordância doutrinária, mas uma reação contra essas novidades.


Mas o tempo passou. O pentecostalismo mudou para melhor e para pior. As igrejas tradicionais também mudaram. O fundamentalismo cessacionista perdeu espaço, e poucos ainda associam o falar em línguas com uma ação demoníaca, como fez John MacArthur Jr no livro Carismáticos (Editora Fiel). E teólogos reformados como Vincent Cheung já sabem distinguir a teologia pentecostal produzida por nomes sérios como Donald Gee e Gordon Fee, das bizarrices de Kenneth Hagin e Benny Hinn.


Outros exemplos mostram com a pregação pentecostal ganhou espaço no protestantismo histórico. Wayne Gruden é um teólogo reformado que pode ser chamado de pentecostal, pois sua teologia dos dons espirituais é claramente aberta. O neocalvismo, do emergente Mark Driscoll, também abraça os dons espirituais como prática contemporânea. No Brasil, denominações evangélicas tradicionais, como a Igreja Presbiteriana Independente e Diocese Anglicana de Recife aceitam o valor dos dons espirituais para o exercício no culto. Não são igrejas que se tornaram “renovadas”, mas que deixaram o cessacionismo como teologia oficial. No contexto batista, por exemplo, o Rev. Enéas Tognini, pioneiro do movimento de renovação, é pastor emérito da Igreja Batista de Perdizes.

Em entrevista para o Blog Teologia Pentecostal, o bispo anglicano Robinson Cavalcanti afirmou:

A grande maioria dos líderes de peso na Comunhão Anglicana creem na contemporaneidade dos dons espirituais, temos um Movimento Anglicano de Renovação (Carismática), e a Conferência de Lambeth (que reúne os bispos do mundo inteiro) já aprovou uma Resolução nos exortando a uma aproximação positiva com o mundo pentecostal. Em nossa Diocese do Recife quase todo mundo é “mussarela e calabresa”, ou seja, meio histórico e meio renovado... [1]


Outros exemplos de interação podem ser mencionados. Hoje, vários eventos no país contam com presbiterianos e assembleianos juntos, o que mostra o avanço de ambos os lados. Anglicanos buscam os dons conforme orientação paulina (cf. 1 Co 14), enquanto pentecostais leem John Stott, J. I. Packer, C. S. Lewis e outros teólogos da igreja inglesa. Metodistas louvam cânticos de grupos advindos do pentecostalismo, enquanto pentecostais relembram suas raízes teológicas wesleyanas. E hoje há até um crescente movimento de pentecostais calvinistas.

A “Reforma Pentecostal”: Relembrando o Espírito Santo

A “reforma pentecostal” lembrou aos protestantes tradicionais que o Espírito Santo e a sua manifestação carismática não poderiam ser deixados de lado. A manifestação dos dons é uma expressão de comunhão, não tendo nada a ver com “cultos” extravagantes de um pseudopentecostalismo que domina o imaginário evangélico brasileiro. Mesmo existindo grupos fundamentalistas que rejeitam os pentecostais, é louvável o crescimento da influência teológica do pentecostalismo em relação a pessoa do Espírito Santo, ao qual o teólogo Francis Chan chamou de o “Deus esquecido”. Os pentecostais são aqueles que lembraram... Eis o grande benefício do pentecostalismo para o cristianismo.

Karl Barth, inclusive, comemorou o fato do Espírito de Deus e sua obra não cair no esquecimento do cristianismo contemporâneo:

Podemos declarar como auto-evidente que, quando falamos do Espírito Santo da mesma maneira como os profetas e os apóstolos o fizeram, estamos falando no mesmo sentido enfático e completo como quando falamos do próprio Deus. Os primeiros séculos após a era apostólica foram muito tardios em alcançar clareza sobre isto, do que em consideração à divindade de Cristo. E é bastante significante que, o mais novo protestantismo tenha, largamente, retornado à prática de falar do Espírito Santo como um poder espiritual pertencendo à história e carregando todas as marcas da humanidade. (grifo meu) [2]

É claro que o Consolador atua para apontar a Cristo, mas a pessoa e a obra do Espírito Santo não pode ser esquecida. O pentecostalismo trouxe de volta uma teologia do Espírito Santo, sendo assim, beneficiou a igreja cristã como um todo, pois como lembra Alister McGrath: “A atual redescoberta dos dons espirituais está relacionada ao movimento conhecido como pentecostalismo” [3]

Os pentecostais como alunos

Não só o pentecostalismo ensinou a cristandade a desejar os dons espirituais, como os pentecostais voltam para as igrejas tradicionais em busca de ensinamento e teologia consolidada. Os pentecostais sabem que o cristianismo não nasceu com William Seymour e nem mesmo com Lutero, mas que é uma história de dois mil anos. O senhor Jesus disse que sua Igreja nunca acabaria. Hoje, os pentecostais estão se voltando para a academia e deixando de lado o anti-intelectualismo que caracterizou o movimento por muitos anos. Em universidades como Mackenzie e Metodista, algumas salas tem os pentecostais como a maioria dos alunos.

Ou seja, assim deveria ser a cristandade como um todo. Um aprendendo com o outro, não somente os acertos, mas evitando os erros. O pentecostalismo só crescerá nos estudos produzidos no decorrer de dois milênios de cristianismo, assim com os demais cristãos serão beneficiados com a redescoberta da obra[4] operada pelo Espírito Santo.

Referências Bibliográficas:

[1] CAVALCANTI, Robinson. Pseudopentecostais e a distorção da Reforma. Blog Teologia Pentecostal, São Paulo, novembro de 2008. Disponível em: <http://teologiapentecostal.blogspot.com/2008/11/pseudo-pentecostais-e-distoro-da.html Acesso em: 21 ago. 2010.
[2] BARTH, Karl. Credo: Comentários ao Credo Apostólico. 1 ed. São Paulo: Novo Século, 2005. p 180.
[3] MCGRANTH, Alister E. Teologia Sistemática, Histórica e Filosófica: Uma Introdução à Teologia Cristã. 1 ed. Shedd Publicações, 2005. p 161.
[4] Para um estudo resumido sobre os dons espirituais, leia o verbete “Dons do Espírto”, pelo teólogo pentecostal Gordon Donald Fee, em: HAWTHORNE, Gerald F. E MARTIN, Ralph P. Dicionário de Paulo e Suas Cartas. 1 ed. São Paulo: Edições Vida Nova, Paulus e Edições Loyola, 2008. p 410- 420.




sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Contradições do Mundo Gospel



Crente é uma raça engraçada. O carnaval, independentemente do que se faça, é automaticamente considerado como uma festa satânica, a mais clara manifestação do capiroto em nossa terrinha brasileira! Pouco importa se é uma família no sambódromo acompanhando a escola de samba do coração ou um casal presente em um baile barra pesada buscando uma noite de orgias e afins. Tudo é nivelado no mesmo patamar, pois é carnaval!



Vemos neste caso mais uma clara dependência do protestantismo brasileiro de sua raiz anglo-saxônica. Como é uma festa tipicamente ibérica, foi demonizada pelos missionários yanques que cá chegaram. No entanto, não quero falar do carnaval. Não desejo criar polêmica por causa de uma festa que nem aprecio, afinal, não sou muito fã de samba.



Estou escrevendo isto devido à participação do Ministério Diante do Trono no maior festival de sadismo contra os animais promovido no Brasil: A Festa do Peão e Boiadeiro de Barretos.
Pelo que li no site do Diante, a apresentação foi realizada no dia 17, sendo realizada a gravação do Décimo Terceiro DVD do famoso ministério de Louvor.



Vejam bem, não tenho nada contra a Ana Paula Valadão e seu grupo. Confesso, não escuto suas músicas, na verdade, quase não escuto gospel. Quando quero uma coisa mais espiritual, pareço velho, recorro ao bom J.S.Bach e a música sacra tradicional. Órgão de Tubos é minha paixão. Quando escuto seus acordes, minha alma se enleva. Porém, nada contra a galerinha que curte uma coisa mais cool na igreja.



O que acho um grande absurdo é a presença de um grupo cristão em um evento muito mais degradante que o carnaval! Qualquer pessoa minimamente inteligente tem consciência do sofrimento imposto sobre os animais neste tipo de evento. Não consigo visualizar uma atmosfera cúltica, sagrada, em um local onde animais são torturados por simples prazer e “ entretenimento”. Foi apenas um desabafo!







Site do próprio Ministério Diante do Trono






quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Arquitetura e Culto Protestante. Parte 1

O protestantismo brasileiro é conhecido, infelizmente, pelo seu gosto estético duvidoso. Há razões históricas para tal. Até a proclamação da República, em 1889, os templos denominados " acatólicos " não podiam ostentar simbolos religiosos.

Após a definitiva separação entre igreja e estado no Brasil, as ditas denominações históricas de origem missionária ( presbiteriana, metodista e batista),grandemente influenciadas pelos chamados movimentos de "avivamento" nos EUA, não dedicaram atenção para questões litúrgicas e arquitetônicas. Não bastando, uma liturgia mais trabalhada era considerada muito próxima do " romanismo " ( catolicismo-romano), na época, grande inimigo do protestantismo recém implantado.

Esta questão era tratada de forma diferente pelos anglicanos, também conhecidos como episcopais, e luteranos, majoritariamente concentrados na região sul do Brasil. Estes dois ramos evangélicos sempre dispensaram uma forte ênfase em assuntos litúrgicos e arquitetônicos.

No entanto, encontramos no primeiro tipo de protestantismo honrosas e belas exceções. Assim,vou iniciar uma série de post´s mostrando que nem toda igreja evangélica é brega ou feia, assim como um culto protestante pode ser rico em simbolismo sem deixar sua essência reformada de lado. Neste caso, imagens são mais úteis que palavras. Começarei mostrando a minha casa, isto é, a Primeira Igreja Presbiteriana Independente de São Paulo, conhecida como Catedral Evangélica de São Paulo .
Posteriormente, colocarei imagens de outras igrejas presbiterianas, metodistas, luteranas, batistas e anglicanas, provando que bom gosto não é monopólio de nossos irmãos católicos. Espero que gostem.


























Teologia Básica. Parte 2
















terça-feira, 17 de agosto de 2010

Teologia Básica. Parte 1
















Dietrich Bonhoeffer. Vivendo como se Deus não existisse


Entrevista feita com o pastor luterano brasileiro Harald Malschitzky e publicada no portal católico Amai-vos . O título original da entrevista era : Dietrich Bonhoeffer, o teólogo que viveu o ecumenismo. Mudei o título propositadamente



Harald Malschitzky é pastor da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil, em São Leopoldo. Ele concedeu a entrevista que segue, por e-mail, para a revista IHU On-Line, na última semana, na qual fala sobre a vida e o pensamento de Dietrich Bonhoeffer, neste ano em que se celebra o centenário de nascimento do teólogo que via em todos os seres humanos criaturas de Deus dignas. Para Bonhoeffer, “fé não é uma piedade enfiada entre quatro paredes, mas é viver o sofrimento solidário de Deus dentro e para o mundo”. Harald é autor de Dietrich Bonhoeffer (Discípulo, testemunha, mártir). Meditações de Harald Malschitzky sobre textos selecionados de Dietrich Bonhoeffer. São Leopoldo: Sinodal, 2005.


IHU On-Line - Dietrich Bonhoeffer é considerado um dos teólogos mais importantes da primeira metade do século XX. Qual a principal contribuição dele para a teologia?


Harald Malschitzky – Não se pode compreender Bonhoeffer sem levar em conta o contexto de seu tempo. Uma guerra tinha terminado, depressão na Alemanha, Hitler assume o poder e a segunda guerra mundial é alinhavada para, em seguida, eclodir. Some-se a isso a política interna de Hitler. Sua contribuição para a teologia é multifacetada: sair da teologia puramente acadêmica e tantas vezes estéril, sua visão da concreticidade da igreja dentro do mundo e para o mundo; seu jeito de encarar a secularização como um processo que desafia a igreja; sua visão e prática ecumênica; sua clareza quanto ao fato de que a igreja cristã tem suas raízes no judaísmo e, portanto, no Antigo Testamento; sua clareza quanto ao papel do cristão e da igreja no terreno político; sua profunda espiritualidade.



IHU On-Line - Bonhoeffer vigorosamente defendia a causa do ecumenismo e desafiava as igrejas cristãs a participarem de movimentos e associações de cunho ecumênico. O que ele teria a dizer para as igrejas de hoje? E para a proposta do diálogo inter-religioso?

Malschitzky – Mais do que discutir o ecumenismo e suas bases, ele viveu o ecumenismo. Por exemplo, foi um dos três secretários internacionais dos jovens de um dos movimentos que viria a constituir o Conselho Mundial de Igrejas. Em uma estada mais longa em Roma, ele julgou compreender melhor o catolicismo. Sua vida e teologia nunca ficaram limitadas a sua própria igreja. Penso que hoje ele repetiria o que ele propôs como programa em uma assembléia ecumênica em agosto de 1934: As igrejas deveriam organizar um concílio mundial para decretar a paz, arrancar as armas das mãos de seus filhos, proibir a guerra e, assim, contribuir para a plenitude de vida para a humanidade. Aliás, esta idéia voltou agora na assembléia do Conselho Mundial de Igrejas, em Porto Alegre. Talvez sem esta radicalidade. Quanto ao diálogo inter-religioso, creio que podemos tirar algumas conclusões de sua teologia e de sua vida. Em primeiro plano, está a maneira de encarar o povo judeu e seu papel e a defesa radical dos judeus em particular. Depois é importante lembrar que Bonhoeffer havia planejado por duas vezes ir à Índia, não apenas em viagem de turismo. Por razões diversas, isso nunca se concretizou. E temos ainda que lembrar a sua teologia que vê em todos os seres humanos criaturas de Deus dignas.

IHU On-Line - Sua resistência sistemática ao Nacional-Socialismo de Hitler fez de Bonhoeffer um líder e advogado em defesa dos cidadãos judeus. Quais as principais conquistas que se atribuem a ele neste sentido?


Harald Malschitzky – Parece-me que por advogar a causa dos judeus – entre outros – é que Bonhoeffer participou da resistência sistemática ao regime de Hitler. Isso tem a ver com sua forma concreta de compreender a fé e a ação cristã. Fé não é uma piedade enfiada entre quatro paredes, mas é viver o sofrimento solidário de Deus dentro e para o mundo. Esta sua atitude de viver radicalmente o amor de Deus é que o levou ao cadafalso, mas ajudou a ver de outra forma a convivência entre povos. Todos os memoriais na Alemanha do genocídio dos judeus lembram também nomes como o de Dietrich Bonhoeffer. A aceitação do outro como ele é, na sua diferença, é uma bandeira que sempre tem e terá alguma influência da teologia de Bonhoeffer. A sua frase que ficou célebre: “Somente quem defende a causa dos judeus tem direito de cantar gregoriano”, vale também para outros povos não-judeus. Preconceitos de raça, cultura, gênero são demoníacos.

IHU On-Line - Qual a verdade sobre a acusação do envolvimento de Dietrich Bonhoeffer num plano para assassinar Hitler, o que o levou à sua execução?


Harald Malschitzky – Bonhoeffer, junto com muitas pessoas, reconheceu muito cedo a truculência de Hitler. Num certo momento, ele diria que as igrejas (os cristãos) não podiam se limitar a cuidar dos feridos que um louco ao volante faz. Era preciso arrancar o louco do volante. Inicialmente Bonhoeffer tentou o caminho ecumênico. Ele imaginava que as igrejas no mundo condenariam o regime de Hitler. Depois ele estava presente quando também altas patentes militares, entre as quais estavam amigos e até parentes, planejaram um golpe de estado. Como também este falhou, ele começou a participar dos planos para matar o ditador. Quando o atentado de 20 de julho[1] se aproximava, ele, da prisão, aconselhou sua noiva a não permanecer em Berlim naqueles dias. Bonhoeffer, um pacifista confesso, de repente se vê diante do desafio de matar um ditador! A circunstância determinava a ação embasada em sua teologia.

IHU On-Line - O que as cartas de Bonhoeffer escritas na prisão, oferecem para os debates da teologia cristã do século XXI?


Harald Malschitzky – Na prisão, Bonhoeffer escreveu não apenas cartas, mas também reflexões e textos maiores, bem como alguns poemas. Todo este rico material é a descrição de um ser humano profundamente cristão, que sofria, tinha esperanças, sentia saudades, teve momentos de desespero a ponto de pensar em suicídio. Este era o homem que vivia do perdão diário de Deus, pois, segundo ele mesmo, Deus somente não perdoa o erro de não fazer nada. Há um poema seu que é impressionante na busca de uma resposta sobre si mesmo. Cito somente algumas linhas do seu final:

“Quem sou eu? Este ou aquele?
Sou hoje este e amanhã um outro?
Sou ambos ao mesmo tempo? Diante das pessoas um hipócrita?
E diante de mim mesmo um covarde queixoso e desprezível?
Ou aquilo que há em mim será como um exército derrotado,
Que foge desordenado à vista da vitória já obtida?
Quem sou eu? O solitário perguntar zomba de mim.
Quem quer que eu seja, ó Deus, tu me conheces, sou teu”.

O que ele nos lega? Cristãos são gente, nada mais; gente que busca pautar a sua vida e conduta pelo Evangelho; gente que se abandona totalmente nos braços de Deus e que atua como se Deus não existisse.

IHU On-Line - O seu livro Dietrich Bonhoeffer: Discípulo, Testemunha, Mártir, Meditações traz uma seleção de textos de Bonhoeffer, que refletem sobre temas centrais da fé cristã. Que temas são esses?


Harald Malschitzky – O livro é um projeto da Editora Sinodal[2]. A tentativa foi escolher textos de Bonhoeffer para que o livro apresentasse a variedade e desse uma idéia abrangente do pensamento daquele teólogo. São sete blocos que, por sua vez, se subdividem. Os títulos dos blocos são: Cristo, Discipulado, Amor, Igreja, Mundo, Política e Futuro. Eu não participei da seleção dos textos de Bonhoeffer. O desafio consistiu em compreender o autor em seu momento e contexto e traçar linhas até a atualidade. Em outras palavras, perguntar pela atualidade de sua teologia.

IHU On-Line - O que dizer sobre a célebre e paradoxal proposta de Bonhoeffer: “viver e agir segundo o exemplo de Cristo, como se Deus não existisse (etsi Deus non daretur)”?


Harald Malschitzky – Não é novidade que cristãos e igrejas inteiras, no decorrer da história, esperaram e esperam milagres que façam acontecer aquilo que eles mesmos deixaram de fazer. A igreja no tempo de Bonhoeffer vivia para si mesma, cuidava muito de seus temas domésticos, e Deus que desse um jeito no mundo. A teologia, muitas vezes, constitui um enorme arcabouço teórico. Para Bonhoeffer, Igreja só serve se está com os dois pés no mundo e a serviço deste mundo de Deus. E é neste mundo que cristãos e suas igrejas precisam arregaçar as mangas etsi Deus non daretur, sabendo-se guardados e amparados pelo próprio Deus. Em outras palavras, o cristão não deixa que Deus faça o que ele poderia ter feito. Seu agir somente termina quando todos os caminhos chegarem ao fim e todas as suas forças estiverem esgotadas. Não antes! Bonhoeffer era um “ateu cristão” como se chegou a dizer.

IHU On-Line - Para Dietrich Bonhoeffer, o que significa ser cristão?


Harald Malschitzky – Deixemos que ele mesmo responda a esta pergunta. “Ser cristão não significa ser religioso em uma determinada direção, sob a pressão de qualquer metódica tornar-se algo (pecador, penitente ou santo), mas, ao contrário ser cristão é ser homem. Não apenas um certo tipo de homem, mas o homem que Cristo cria em nós. Não é que o ato religioso produz o homem, mas sim a participação no padecimento de Deus na vida do mundo



[1] No dia 20 de julho de 1944, Adolf Hitler foi alvo de um atentado. O coronel Conde Von Stauffenberg, um oficial do estado-maior de 37 anos, conseguira colocar uma bomba-relógio no abrigo onde Hitler estava, a Wolfsschanze, a Toca do Lobo, perto de Rastenburg, na Prússia Oriental. Tentativa que fracassou, apesar da destruição que a explosão causou no interior do bunker. Bonhoeffer foi acusado de estar envolvido nesta iniciativa. (Nota da IHU On-Line)

2] Editora Sinodal: situada na Rua Amadeo Rossi, nº 467, CP 11, CEP 93001-970, São Leopoldo, RS. (Nota da IHU On-Line)

Ateísmo do Homem



Se existe mesmo um ateísmo do homem, um homem sem Deus, já não existe Deus sem o homem.

Karl Barth, teólogo reformado suiço .

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

C.S.Lewis. O Apóstolo dos Céticos


A última aula da série " Grandes Nomes da Espiritualidade Cristã", ministrada no último domingo na sala Timóteo ( Jovens e Novos Membros) da Primeira IPI de São Paulo.



INTRODUÇÃO

Hoje, estaremos finalizando nossa série de estudos “Grandes Nomes da Espiritualidade Cristã”. Obviamente, notáveis mulheres e homens de Deus não foram citados por absoluta falta de tempo.


Escolhemos para tal o escritor irlandês Clive Staples Lewis, popularmente conhecido como C.S.Lewis.


Considerado um verdadeiro “teólogo leigo”, já que não possuía nenhuma formação teológica formal, Lewis fez uso de sua arte, marcantemente secular, como meio de divulgar a mensagem do evangelho de Jesus Cristo.

VIDA E OBRA.

Clive Staples Lewis, nome completo de C.S.Lewis, nasceu em Belfast, Irlanda do Norte, em 29 de Novembro de 1898. Seus pais eram cristãos anglicanos e amantes da cultura. A respeito da elevada cultura de seus pais, Lewis deixou o seguinte depoimento;

Meus pais, pelos parâmetros da época e do local, eram gente letrada, ou inteligente. Minha mãe fora uma promissora matemática em sua juventude, bacharel no Queen´s College, de Belfast, e antes de morrer ainda conseguia me encaminhar tanto no francês quanto no latim. Era leitora voraz de bons romances e acho que os Merediths e Tolstóis que herdei foram comprados para ela. Os gostos de meu pai eram bem diferentes. Adorava a oratória e ele mesmo falara em palanques políticos da Inglaterra, ainda jovem; se tivesse independência financeira, certamente teria tentado uma promissora carreira política “. ( LEWIS,p.12 ).

Comentando sobre o ambiente religioso familiar, esta nota de seu próprio punho é bastante interessante:

“Algumas pessoas que lêem meus livros têm a impressão de que fui criado num puritanismo rígido e vívido, mas isso nada tem de verdade. Ensinaram-me as coisas habituais, a orar inclusive, e na época fui levado à igreja. Eu aceitava naturalmente o que me era ensinado, mas, que eu me lembre, não me interessava por nada disso. Meu pai, longe de ser um puritano arraigado, era, pelos padrões do século XIX e da Igreja da Irlanda, um tanto elevado, e sua concepção de religião, como de literatura era diametralmente oposta àquela que mais tarde veio ser a minha.” ( LEWIS, p.15).


No período da adolescência, junto com seu irmão, Lewis exilava-se dentro de casa, explorando a brilhante biblioteca de seu pai. Dentre vários assuntos, demonstrou um crescente interesse por vários tipos de fábulas e mitos nórdicos. Mesmo tendo um estilo de vida considerado excêntrico se comparado com seus colegas, considerava-se feliz. A principio, sua educação foi construída dentro de sua própria residência, através de um tutor particular. Este clima de felicidade chegou ao fim após a morte de sua mãe, vítima de câncer. Após esta trágica perda familiar, Lewis foi enviado a um colégio interno na Inglaterra, colégio, este, que deixou muitas marcas em sua personalidade. Posteriormente, a fim de aprimorar sua formação, estudou em escolas de renome como Mountbracken, Campbell e Charters. Durante este período, abandonou o cristianismo em que foi criado, tornando-se ateu. Além da morte da mãe e das constantes privações sofridas no período em que estudou no colégio interno, C.S.Lewis narrou outros motivos que o levaram ao ateísmo:

“Por um completo erro, eu havia transformado minha devoção particular num fardo quase que intolerável. O ridículo fardo dos falsos deveres na oração, é claro, motivaram inconscientemente o desejo de me livrar da fé cristã; porém mais ou menos ao mesmo tempo, ou um pouco depois, surgiram causas conscientes de dúvida. Uma delas veio da leitura dos clássicos. Aqui, especialmente em Virgílio, o leitor se via diante de um amontoado de idéias religiosas; e todos os professores e editores assumiam como pressuposto básico o conceito de que estas idéias eram completa ilusão.” (LEWIS, p.69)

Após se dedicar com afinco aos estudos, tornando-se um verdadeiro especialista em literatura medieval, é admitido, em 1916, no Colégio Universitário de Oxford. Convocado pelo exército britânico para servir durante a Primeira Grande Guerra Mundial, Lewis retornou para Oxford apenas em 1918. Após retornar a prestigiosa universidade inglesa, completou sua formação com maestria.


Seu retorno ao cristianismo ocorreu em 1929, graças à influência de intelectuais que faziam parte de seu círculo de amizade. Podemos citar, dentre vários, os escritores católicos J. R. Tolkien, autor da clássica obra Senhor dos Anéis, e G.K.Chesterton.


Após sua real conversão ao cristianismo, Lewis tornou-se um verdadeiro divulgador da fé cristã nos meios intelectuais e agnósticos, sendo denominado “apóstolo dos céticos”. A série de palestras transmitidas pela rádio BBC durante a II Guerra Mundial deu origem ao primeiro grande clássico literário de Lewis de cunho cristão,“Cristianismo Puro e Simples”. Algumas colocações encontradas nesta obra são de uma praticidade enorme para nossos dias:

“Não lhe direi se deve ser anglicano, batista, católico romano, metodista ou presbiteriano. Não estou tentando converter, neste livro, ninguém à minha posição. Na verdade, a igreja existe só para levar os homens a Cristo e fazer deles pequenos Cristos. Se isso não acontece, todos os clérigos, catedrais, missões, sermões e a própria Bíblia são pura perda de tempo. Deus não se fez homem para outro fim”.

Dentre outras obras de suma importância, podemos citar: “ O Problema do Sofrimento”, “ Milagres”, “ Cartas de um diabo ao seu aprendiz”, “ Surpreendido pela Alegria” e a famosa série dividida em sete livros “As Crônicas de Nárnia”.

PENSAMENTO

1- Valorização da matéria

Muitos cristãos consideram qualquer elemento relacionado à vida material como pecaminoso. Esquecem-se que este dualismo, que considera o corpo mau e o espírito bom, não é de origem cristã, mas sim um reflexo da enorme influência da filosofia platônica dentro do cristianismo. Sobre esta questão, em “Cristianismo puro e simples”,Lewis nos adverte: “ Não é bom tentar ser mais espiritual do que Deus. Deus nunca quis que o homem fosse uma criatura puramente espiritual. Por isso é que Ele usa coisas materiais como pão e vinho para colocar vida em nós. Podemos achar isso grosseiro e nada espiritual. Deus não acha : Ele inventou o comer. Ele gosta da matéria. Ele a criou”.

2- O Problema do Sofrimento

Para Lewis, a questão do sofrimento é central na relação do homem com Deus. O escritor irlandês defende a teoria de que, boa parte do sofrimento no mundo é proveniente do próprio ser humano. Em “O problema do Sofrimento”, Lewis aborda esta temática, além de realçar o caráter pedagógico daquele sofrimento gratuito não provocado pelo ser humano. Segundo sua concepção, um determinado tipo de sofrimento pode se revelar, após certo tempo, altamente terapêutico.

3- Diálogo com a cultura

C.S.Lewis, mesmo sendo cristão, não abandonou sua atividade como escritor secular. Obviamente, muitas de suas obras estão carregadas de conceitos cristãos, no entanto, estes conceitos se encontram diluídos dentro fórmulas consideradas até mesmo pagãs. Suas obras estão carregadas de influências mitológicas, principalmente gregas e nórdicas. O que isto pode nos ensinar? Como evangélicos brasileiros, fomos ensinados a considerar a cultura dita secular, não abertamente cristã, como sendo errônea, até mesmo diabólica.


Um estudo apurado nas obras de Lewis mostrará um foco completamente diferenciado. O literato anglicano usava vários elementos pagãos para comunicar, de forma indireta, a mensagem do evangelho, ou, até mesmo, para construir arte por simples prazer e entretenimento, sem nenhuma idéia claramente religiosa.

4- Autoridade da Bíblia não Literal

Lewis é considerado, teologicamente, um conservador. A Bíblia, para ele, era a Palavra de Deus. Porém, como especialista literário, sabia distinguir os vários gêneros existentes no livro sagrado.
Podemos notar tal premissa na forma como comenta o relato da criação contido no livro de Gênesis:

Durante longos séculos, Deus aperfeiçoou a forma animal que estava para se tornar o veículo da humanidade e a imagem dele. Deu ao ser mãos cujos polegares poderiam se opor a todos os dedos, maxilares, dentes e gargantas capazes de articular, e um cérebro complexo o suficiente para efetuar todos os movimentos materiais pelos quais o pensamento racional é personificado. A criatura pode ter existido nesse estado durante eras, antes de se tornar homem: pode até ter tido inteligência suficiente para fazer coisas que um arqueólogo moderno aceitaria como prova da sua humanidade. No entanto, era apenas um animal, porque todos esses processos físicos e psicológicos foram direcionados com finalidades puramente naturais e materiais. Então, na plenitude do tempo, Deus transmitiu a esse organismo, tanto na parte psicológica quanto na fisiológica, um novo tipo de consciência”.

Encontramos neste texto de Lewis uma perspectiva evolucionista sobre o surgimento do homem. Não obstante, em nenhum momento a autoridade da Bíblia é colocada à prova, pois Lewis, como crítico literário, reconhece o relato da criação em Gênesis não como uma peça científica, mas como um relato religioso que visa exaltar a Deus.


POR : ANDRÉ TADEU DE OLIVEIRA

Referências Bibliográficas

Surpreendido pela Alegria- C.S.Lewis- Mundo Cristão
História do Cristianismo Ao Alcance de Todos- Bruce L . Shelley- Shedd Publicações
A linguagem de Deus- Francis Collins. Editora Gente