segunda-feira, 16 de agosto de 2010

C.S.Lewis. O Apóstolo dos Céticos


A última aula da série " Grandes Nomes da Espiritualidade Cristã", ministrada no último domingo na sala Timóteo ( Jovens e Novos Membros) da Primeira IPI de São Paulo.



INTRODUÇÃO

Hoje, estaremos finalizando nossa série de estudos “Grandes Nomes da Espiritualidade Cristã”. Obviamente, notáveis mulheres e homens de Deus não foram citados por absoluta falta de tempo.


Escolhemos para tal o escritor irlandês Clive Staples Lewis, popularmente conhecido como C.S.Lewis.


Considerado um verdadeiro “teólogo leigo”, já que não possuía nenhuma formação teológica formal, Lewis fez uso de sua arte, marcantemente secular, como meio de divulgar a mensagem do evangelho de Jesus Cristo.

VIDA E OBRA.

Clive Staples Lewis, nome completo de C.S.Lewis, nasceu em Belfast, Irlanda do Norte, em 29 de Novembro de 1898. Seus pais eram cristãos anglicanos e amantes da cultura. A respeito da elevada cultura de seus pais, Lewis deixou o seguinte depoimento;

Meus pais, pelos parâmetros da época e do local, eram gente letrada, ou inteligente. Minha mãe fora uma promissora matemática em sua juventude, bacharel no Queen´s College, de Belfast, e antes de morrer ainda conseguia me encaminhar tanto no francês quanto no latim. Era leitora voraz de bons romances e acho que os Merediths e Tolstóis que herdei foram comprados para ela. Os gostos de meu pai eram bem diferentes. Adorava a oratória e ele mesmo falara em palanques políticos da Inglaterra, ainda jovem; se tivesse independência financeira, certamente teria tentado uma promissora carreira política “. ( LEWIS,p.12 ).

Comentando sobre o ambiente religioso familiar, esta nota de seu próprio punho é bastante interessante:

“Algumas pessoas que lêem meus livros têm a impressão de que fui criado num puritanismo rígido e vívido, mas isso nada tem de verdade. Ensinaram-me as coisas habituais, a orar inclusive, e na época fui levado à igreja. Eu aceitava naturalmente o que me era ensinado, mas, que eu me lembre, não me interessava por nada disso. Meu pai, longe de ser um puritano arraigado, era, pelos padrões do século XIX e da Igreja da Irlanda, um tanto elevado, e sua concepção de religião, como de literatura era diametralmente oposta àquela que mais tarde veio ser a minha.” ( LEWIS, p.15).


No período da adolescência, junto com seu irmão, Lewis exilava-se dentro de casa, explorando a brilhante biblioteca de seu pai. Dentre vários assuntos, demonstrou um crescente interesse por vários tipos de fábulas e mitos nórdicos. Mesmo tendo um estilo de vida considerado excêntrico se comparado com seus colegas, considerava-se feliz. A principio, sua educação foi construída dentro de sua própria residência, através de um tutor particular. Este clima de felicidade chegou ao fim após a morte de sua mãe, vítima de câncer. Após esta trágica perda familiar, Lewis foi enviado a um colégio interno na Inglaterra, colégio, este, que deixou muitas marcas em sua personalidade. Posteriormente, a fim de aprimorar sua formação, estudou em escolas de renome como Mountbracken, Campbell e Charters. Durante este período, abandonou o cristianismo em que foi criado, tornando-se ateu. Além da morte da mãe e das constantes privações sofridas no período em que estudou no colégio interno, C.S.Lewis narrou outros motivos que o levaram ao ateísmo:

“Por um completo erro, eu havia transformado minha devoção particular num fardo quase que intolerável. O ridículo fardo dos falsos deveres na oração, é claro, motivaram inconscientemente o desejo de me livrar da fé cristã; porém mais ou menos ao mesmo tempo, ou um pouco depois, surgiram causas conscientes de dúvida. Uma delas veio da leitura dos clássicos. Aqui, especialmente em Virgílio, o leitor se via diante de um amontoado de idéias religiosas; e todos os professores e editores assumiam como pressuposto básico o conceito de que estas idéias eram completa ilusão.” (LEWIS, p.69)

Após se dedicar com afinco aos estudos, tornando-se um verdadeiro especialista em literatura medieval, é admitido, em 1916, no Colégio Universitário de Oxford. Convocado pelo exército britânico para servir durante a Primeira Grande Guerra Mundial, Lewis retornou para Oxford apenas em 1918. Após retornar a prestigiosa universidade inglesa, completou sua formação com maestria.


Seu retorno ao cristianismo ocorreu em 1929, graças à influência de intelectuais que faziam parte de seu círculo de amizade. Podemos citar, dentre vários, os escritores católicos J. R. Tolkien, autor da clássica obra Senhor dos Anéis, e G.K.Chesterton.


Após sua real conversão ao cristianismo, Lewis tornou-se um verdadeiro divulgador da fé cristã nos meios intelectuais e agnósticos, sendo denominado “apóstolo dos céticos”. A série de palestras transmitidas pela rádio BBC durante a II Guerra Mundial deu origem ao primeiro grande clássico literário de Lewis de cunho cristão,“Cristianismo Puro e Simples”. Algumas colocações encontradas nesta obra são de uma praticidade enorme para nossos dias:

“Não lhe direi se deve ser anglicano, batista, católico romano, metodista ou presbiteriano. Não estou tentando converter, neste livro, ninguém à minha posição. Na verdade, a igreja existe só para levar os homens a Cristo e fazer deles pequenos Cristos. Se isso não acontece, todos os clérigos, catedrais, missões, sermões e a própria Bíblia são pura perda de tempo. Deus não se fez homem para outro fim”.

Dentre outras obras de suma importância, podemos citar: “ O Problema do Sofrimento”, “ Milagres”, “ Cartas de um diabo ao seu aprendiz”, “ Surpreendido pela Alegria” e a famosa série dividida em sete livros “As Crônicas de Nárnia”.

PENSAMENTO

1- Valorização da matéria

Muitos cristãos consideram qualquer elemento relacionado à vida material como pecaminoso. Esquecem-se que este dualismo, que considera o corpo mau e o espírito bom, não é de origem cristã, mas sim um reflexo da enorme influência da filosofia platônica dentro do cristianismo. Sobre esta questão, em “Cristianismo puro e simples”,Lewis nos adverte: “ Não é bom tentar ser mais espiritual do que Deus. Deus nunca quis que o homem fosse uma criatura puramente espiritual. Por isso é que Ele usa coisas materiais como pão e vinho para colocar vida em nós. Podemos achar isso grosseiro e nada espiritual. Deus não acha : Ele inventou o comer. Ele gosta da matéria. Ele a criou”.

2- O Problema do Sofrimento

Para Lewis, a questão do sofrimento é central na relação do homem com Deus. O escritor irlandês defende a teoria de que, boa parte do sofrimento no mundo é proveniente do próprio ser humano. Em “O problema do Sofrimento”, Lewis aborda esta temática, além de realçar o caráter pedagógico daquele sofrimento gratuito não provocado pelo ser humano. Segundo sua concepção, um determinado tipo de sofrimento pode se revelar, após certo tempo, altamente terapêutico.

3- Diálogo com a cultura

C.S.Lewis, mesmo sendo cristão, não abandonou sua atividade como escritor secular. Obviamente, muitas de suas obras estão carregadas de conceitos cristãos, no entanto, estes conceitos se encontram diluídos dentro fórmulas consideradas até mesmo pagãs. Suas obras estão carregadas de influências mitológicas, principalmente gregas e nórdicas. O que isto pode nos ensinar? Como evangélicos brasileiros, fomos ensinados a considerar a cultura dita secular, não abertamente cristã, como sendo errônea, até mesmo diabólica.


Um estudo apurado nas obras de Lewis mostrará um foco completamente diferenciado. O literato anglicano usava vários elementos pagãos para comunicar, de forma indireta, a mensagem do evangelho, ou, até mesmo, para construir arte por simples prazer e entretenimento, sem nenhuma idéia claramente religiosa.

4- Autoridade da Bíblia não Literal

Lewis é considerado, teologicamente, um conservador. A Bíblia, para ele, era a Palavra de Deus. Porém, como especialista literário, sabia distinguir os vários gêneros existentes no livro sagrado.
Podemos notar tal premissa na forma como comenta o relato da criação contido no livro de Gênesis:

Durante longos séculos, Deus aperfeiçoou a forma animal que estava para se tornar o veículo da humanidade e a imagem dele. Deu ao ser mãos cujos polegares poderiam se opor a todos os dedos, maxilares, dentes e gargantas capazes de articular, e um cérebro complexo o suficiente para efetuar todos os movimentos materiais pelos quais o pensamento racional é personificado. A criatura pode ter existido nesse estado durante eras, antes de se tornar homem: pode até ter tido inteligência suficiente para fazer coisas que um arqueólogo moderno aceitaria como prova da sua humanidade. No entanto, era apenas um animal, porque todos esses processos físicos e psicológicos foram direcionados com finalidades puramente naturais e materiais. Então, na plenitude do tempo, Deus transmitiu a esse organismo, tanto na parte psicológica quanto na fisiológica, um novo tipo de consciência”.

Encontramos neste texto de Lewis uma perspectiva evolucionista sobre o surgimento do homem. Não obstante, em nenhum momento a autoridade da Bíblia é colocada à prova, pois Lewis, como crítico literário, reconhece o relato da criação em Gênesis não como uma peça científica, mas como um relato religioso que visa exaltar a Deus.


POR : ANDRÉ TADEU DE OLIVEIRA

Referências Bibliográficas

Surpreendido pela Alegria- C.S.Lewis- Mundo Cristão
História do Cristianismo Ao Alcance de Todos- Bruce L . Shelley- Shedd Publicações
A linguagem de Deus- Francis Collins. Editora Gente

3 comentários:

  1. Valeu André! Fantástico! Li Lewis pela primeira vez no distante ano de 1982, quando era calouro de graduação de Teologia, no Seminário Presbiteriano do Sul em Campinas. Tinha 18 anos à época. Desde então Lewis tem sido uma das principais influências em minha trajetória espiritual e intelectual. Tive o privilégio de prefaciar algumas das edições em português de alguns dos livros de Lewis, lançados pela Editora Vida. Tive a alegria também de ter um aluno, um orientando meu que defendeu uma dissertação de mestrado sobre Lewis (especificamente, sobre as temáticas da natureza e da graça em "O Grande Abismo") no Programa de Pós-Graduação em Ciências da Relgião do Mackenzie. Você fez uma introdução muito boa a Lewis, e eu o parabenizo por isso! Lewis precisa ser (re)descoberto pela comunidade evangélica brasileira. Ele é paradigma de um cristianismo conservador mas inteligente e não moralista. Acho melhor parar por aqui. Caso contrário, me empolgo e falo demais, porque o tema é para mim apaixonante e fascinante!
    Paz e bem,
    Carlos Caldas

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  2. de toda essa serie, andre, esse foi o que mais gostei. acho que por motivos bem claro, né?? rs rs

    só deixa eu te perguntar: como seus alunos viram esse senhor lewis? ele foi "bem aceito"? quais foram as principais opiniões que surgiram sobre ele? se é q eu posso perguntar. :D

    beijão.

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  3. Rayssa, sinta-se livre para formular suas perguntas. Vc não conhecia C.S.Lewis ? Nem foi ao cinema assistir a versão cinematográfica do primeiro livro da série " Crônicas de Nárnia, " O Leão, a Feiticeira e o Guarda-Roupa" ?

    Então, esta sala, mesmo sendo de jovens, reflete um pouco o perfil da igreja, que é RELATIVAMENTE aberta. Sem contar que uma parte da galera conhecia a obra de Lewis. Inclusive, uma garota, namorada do seminarista que é titular da sala, já tinha lido os sete livros da série " Nárnia" e me ajudou bastante. Ah, de todos os que eu falei, Lewis é o que eu conheço menos, inclusive,
    relutei em falar sobre ele. Fico feliz em saber que deu para compreender algo.

    A respeito dos tópicos que escolhi, foram bem debatidos em sala de aula, inclusive o último, que mostra a posição evolucionista do Lewis. Sei que há pelo menos um criacionista assumido na sala, mas ele não se ofendeu com nada.

    Forte Abraço

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