sábado, 31 de julho de 2010

Presbiterianos dos EUA reprovam presença militar estadunidense na Colômbia


Leitoras e leitores, peço perdão, mas não estou com tempo para escrever novos post´s. Porém, abaixo, publiquei uma notícia bastante interessante. Ainda há vida inteligente no protestantismo estadunidense.


COLÔMBIA


Presbiterianos pedem fim das bases militares americanas no país



Washington, quinta-feira, 29 de julho de 2010 (ALC) - A Assembleia da Igreja Presbiteriana dos Estados Unidos de 2010 pediu ao presidente Barak Obama e ao Congresso que suspendam o uso de bases militares estadunidenses na Colômbia e apoiem o processo de paz.

A 219ª. Assembleia Geral da Igreja Presbiteriana dos Estados Unidos (PCUSA), que se reuniu em Minniapolis de 3 a 10 de julho, incumbiu o secretário-geral da denominação a dirigir carta a Obama e ao Parlamento, pedindo a suspensão das sete bases americanas em território colombiano.

A plenária da Assembléia, que contou com a participação de 1 mil pessoas, entre delegados e conselheiros dos presbitérios e ministérios, entendeu que a presença militar dos Estados Unidos no país latino-americano aumenta o nível de violência, gera desconfiança em países vizinhos, além de muitos colombianos entenderem que a movimentação de tropas estrangeiras viola a soberania da sua nação.

Os presbiterianos pedem a Obama e ao Congresso que contribuam para o processo de negociação visando um acordo de paz na Colômbia, que acabe com o conflito interno, que já dura mais de 50 anos.

Também pediu às igrejas membro e às pessoas de boa vontade que intensifiquem as jornadas de oração em favor da paz. Fiéis das igrejas presbiterianas dos Estados Unidos foram incentivados a visitar a Colômbia para monitorar as bases e o seu impacto no país.

Delegação da Igreja Presbiteriana da Colômbia, liderada pelo moderador do Sínodo, reverendo Javier Rodríguez, participou da Assembléia da PCUSA.




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Agência Latino-Americana e Caribenha de Comunicação (ALC)

domingo, 25 de julho de 2010

Rosa Luxemburgo. O Socialismo e as Igrejas.


Depois de algumas semanas sem sequer abrir meu blog,reinício com um brilhante texto de autoria da grande marxista polonesa Rosa Luxemburgo. Mesmo sendo atéia, Rosa demonstra neste clássico estudo um grande conhecimento histórico a respeito do cristianismo primitivo.

Quem dera os populares escritores do chamado neo-ateísmo ( Dawkins, Harris e Dennet)tivessem o conhecimento imparcial demonstrado pela clássica atéia Rosa Luxemburgo.

Após algumas breves alfinetadas nestes fundamentalistas do outro lado da força, acho que o próprio título do texto é explicativo. Trata-se de uma crítica ao posicionamento conservador do cristianismo de sua época, no caso, em seu segmento católico-romano. Rosa, com maestria, defende a tese da opção socialista existente no cristianismo primevo.

Pois bem, sem mais delongas, deixemos que Rosa Luxemburgo nos fale.


O SOCIALISMO E AS IGREJAS- 1905

Por Rosa Luxemburgo




Desde o momento em que os trabalhadores do nosso país e da Rússia começaram a lutar corajosamente contra o governo czarista e contra os exploradores capitalistas, notamos cada vez com mais freqüência que os padres, nos seus sermões, se lançam contra os trabalhadores que lutam. É com extraordinário vigor que o clero combate os socialistas e tenta, por todos os meios, minimizá-los aos olhos dos trabalhadores. Os crentes que vão à igreja, nos domingos e dias festivos, são compelidos, cada vez com mais freqüência, a ouvirem um violento discurso político, uma verdadeira denúncia do Socialismo, em vez de ouvirem um sermão e nele obterem uma consolação religiosa. em vez de confortarem as pessoas que estão cheios de preocupações, e cansadas pela vida difícil, e que vão à igreja com fé no Cristianismo, os padres fulminam os trabalhadores que estão em greve e os opositores do Governo; e ainda mais, exortam-nos a suportar a pobreza e a opressão com humildade e paciência. Transformaram a igreja e o púlpito num lugar de propaganda política.

Os trabalhadores podem convencer-se facilmente que a luta do clero contra os sociais democratas(*) não é de modo algum provocada por estes. Os sociais democratas propõem-se, como objetivo, unirem-se e organizarem os trabalhadores na luta contra o capital, isto é, contra os exploradores que lhes sugam a última gota de sangue, e na luta contra o governo czarista que impede a libertação do povo. Mas nunca s sociais democratas conduzem os trabalhadores a lutar contra o clero ou tentar interferir com as crenças religiosas; de modo nenhum! Os sociais democratas, de todo o mundo e do nosso próprio país, consideram a consciência e as opiniões pessoais como sendo sagradas.

Todo homem pode ter aquela fé e aquelas opiniões que lhe pareçam capazes de assegurar a felicidade. Ninguém tem o direito de perseguir ou atacar a opinião religiosa particular dos outros. Isto é o que os socialistas pensam. E é por esta razão, entre outras, que os socialistas animam todo o povo a lutar contra o regime czarista, que está continuamente a violentar a consciência das pessoas, perseguindo católicos, católicos russos [1] , judeus, heréticos e livres pensadores. São precisamente os sociais democratas que aparecem mais fortemente em defesa da liberdade de consciência. Portanto, pareceria que o clero tinha obrigação de dar a sua ajuda aos sociais democratas que estão a tentar aliviar o povo oprimido. Se entendermos devidamente os ensinamentos que os socialistas trazem à classe trabalhadora, o ódio do clero contra eles torna-se ainda menos compreensível.

Os sociais democratas propõem-se por fim à exploração do povo pelos ricos. Pensar-se-ia que os servidores da igreja deveriam ter sido os primeiros a desempenhar-se desta tarefa, mais do que os sociais democratas. Não é Jesus Cristo (de quem os padres são servidores) quem ensina que "é mais fácil um camelo passar pelo furo de uma agulha que um rico entrar no Reino dos Céus"? [2] Os sociais democratas tentam trazer a todos os países regimes sociais baseado na igualdade, liberdade e fraternidade de todos os cidadãos. Se o clero realmente deseja que o princípio "Ama o teu próximo como a ti mesmo"seja aplicado na vida real, por que é que não recebe bem e com entusiasmo a propaganda dos sociais democratas? Os sociais democratas tentam, através de uma luta desesperada e da educação e organização do povo, subtraí-lo à opressão em que se encontra e oferecer-lhe um melhor futuro para os filhos. Todos devem admitir que, neste ponto, o clero deveria abençoar os sociais democratas, pois não é ao clero que eles servem, e sim a Jesus Cristo, que diz que "o que fizeres aos pobres é a mim que o fazeis"? [3]

Contudo vemos o clero, por um lado, excomungado e perseguindo os sociais democratas e, por outro, mandando os trabalhadores sofrer com paciência, isto é, deixando-os pacientemente ser explorados pelos capitalistas. O clero atira-se violentamente contra os socialistas democratas, exorta os trabalhadores a não se revoltarem contra os dominadores, mas a submeter-se à opressão deste governo que mata o povo indefeso, que manda para a monstruosa carnificina da guerra milhões de trabalhadores, que persegue católicos. Católicos russos e "velhos crentes" [4] . Assim, o clero, que se torna o porta-voz dos ricos, o defensor da exploração e opressão, põe-se a si próprio em flagrante contradição com a doutrina cristã. Os bispos e os padres não são os propagadores dos ensinamentos cristãos, mas os adoradores do Bezerro de Ouro [5] e do chicote que açoita os pobres e indefesos.

Além disso, todos sabem que os próprios padres tinham proveito do trabalhador,extraem-lhe dinheiro por ocasião do batismo, casamento e funeral. Quantas vezes têm acontecido que o padre, chamado à cabeceira da cama de um doente para administrar os últimos sacramentos, se recusou a ir lá antes de serem pagos os seus "honorários"? O trabalhador vai, desesperado, vender ou hipotecar os seus últimos bens para ser capaz de dar uma consolação ao seu parente.

É verdade que encontramos sacerdotes de outra espécie. Existem alguns que estão cheios de bondade e misericórdia e que não procuram lucros; estes estão sempre prontos a ajudar os pobres. Mas devemos admitir que são, sem dúvida, raros e que podem ser olhados da mesma maneira que graúnas brancas. A maior parte dos padres, de faces rosadas, curvam-se e saúdam cortesmente os ricos e poderosos, perdoando-lhe silenciosamente toda depravação a e toda a iniqüidade. Para com os trabalhadores, o clero comporta-se de maneira bem diferente: pensa apenas em espezinha-los sem piedade; em sermões ríspidos condenam a "cobiça" dos trabalhadores quando estes nada mais fazem do que defender-se contra os erros do capitalismo. A espantosa contradição entre as ações do clero e os ensinamentos do cristianismo deve levar-nos todos a refletir. Os trabalhadores espantam-se de como na luta da sua classe pela emancipação vão encontrar nos servidores as Igreja inimigos e não aliados. Como é que a Igreja desempenha o papel de defesa da opressão rica e sangrenta, em vez de ser o refúgio dos explorados? Para entender esse fenômeno estranho, basta lançar os olhos sobre a história da igreja e examinar a evolução pela qual ela passou ao longo dos séculos.

II


Os sociais democratas desejam pôr em execução o estado de "Comunismo"; é principalmente isso que o clero tem contra eles. Em primeiro lugar, é chocante notar que os padres de hoje, que combatem o comunismo, condenam, na realidade, os primeiros apóstolos cristãos. Estes não passaram, de fato, de ardentes comunistas.

A religião crista desenvolveu-se, como é bem conhecido, na Roma antiga, no período do declínio do império, que fora, antes, rico e poderoso, compreendendo os países que são hoje a Itália e a Espanha, parte da França, parte da Turquia, a Palestina e outros territórios. O estado de Roma, na época do nascimento de Jesus Cristo, parecia-se muito com o da Rússia czarista. Por um lado, ali vivia um punhado de gente rica, gozando da luxúria e todos os prazeres; por outro lado, uma enorme massa de pobres apodrecia na pobreza; sobretudo um governo despótico, assentado na violência e na corrupção, exercia uma vil opressão. Todo o império Romano foi mergulhado em completa desordem e cercado por ameaçadores inimigos externos: a soldadesca desenfreada, no poder, praticava as suas crueldades sobre a população desgraçada; a província estava deserta, a terra jazia abandonada, as cidades, especialmente Roma, a capital, estava cheia de uma pobreza chocante que erguia os olhos carregados de ódio para os palácios dos ricos; o povo estava sem pão, sem abrigo, sem vestuário, sem esperança e sem possibilidades de sair de sua pobreza.

Há apenas uma diferença entre Roma na sua decadência e o império dos czares; Roma nada sabia de capitalismo; não existia ali a indústria pesada. Naquele tempo, a escravatura era a ordem de coisas estabelecidas em Roma. As famílias nobres, os ricos, os financeiros satisfaziam todas as suas necessidades pondo a trabalhar os escravos aprisionados nas guerras. Com o andar dos tempos, estas pessoas ricas tinham deitado a mão a quase todas as províncias da Itália, espoliando da terra os camponeses. Como se apropriavam de cereais em todas as províncias conquistadas, como tributo sem custo, davam-se ao luxo de abandonar, nos seus próprios estados, plantações magníficas, vinhas, pastagens, pomares e ricos jardins, cultivados por exércitos de escravos a trabalhar debaixo de chicote do capataz. Assim se havia formado em Roma um exército numerosos dos que nada possuíam – o proletariado [6] -, não tendo mesmo a possibilidade de vender a força do seu trabalho. Este proletariado, vindo do campo, não podia, ser absorvido pelas empresas industriais como acontece hoje; tornaram-se vítimas da pobreza desesperada e foram reduzidos à mendicidade. Esta numerosa massa popular, morrendo de fome, sem trabalho, enchendo os subúrbios e os espaços livres e as ruas de Roma, constituía um perigo permanente para o governo e para as classes possuidoras. Portanto, o governo sentiu-se compelido, no seu próprio interesse, a aliviar a pobreza. De tempos em tempo, distribuía ao proletariado o cereal e outros gêneros alimentícios armazenados nos celeiros do Estado. Mais, para fazer o povo esquecer as suas amarguras, oferecia-lhe espetáculos gratuitos de circo. Ao contrário do proletariado do nosso tempo, que mantém toda a sociedade pelos seus trabalhos, o enorme proletariado de Roma existia pela caridade.

Eram os escravos miseráveis, tratados como bestas, quem trabalhava para a sociedade romana. Neste caos de pobreza e degradação, um punhado de magnatas romanos passava seu tempo em orgias e devassidão. Não havia possibilidade de sair destas monstruosas condições sociais. O proletariado queixava-se e ameaçava, de vez em quando revoltou-se, mas uma classe de mendigos, vivendo das migalhas caídas da mesa dos senhores, não podia estabelecer uma nova ordem social. Além disso, os escravos que mantinham com o seu trabalho toda a sociedade, estavam muito espezinhados, bastante dispersos, demasiado esmagados pelo jugos, tratados como bestas e viviam bastante isolados das outras classes para serem capazes de transformar a sociedade. Revoltaram-se muitas vezes contra os seus patrões, tentaram libertar-se em batalhas sangrentas, mas o exercito romano esmagou sempre estas revoltas, esmagando os escravos aos milhares e condenando-os à morte na cruz.

Nesta sociedade a desmoronar-se, onde não existe saída desta trágica situaçao para o povo, nem esperança alguma de uma vida melhor, os desgraçados voltam-se para o Céu procurando nele a salvação.a religião crista aparecia a estes infelizes seres como um cintode salvação, uma consolação e um encorajamento e tornou-se, logo desde o princípio, a religião dos proletários romanos. Em conformidade com a posição material dos homens pertencentes a esta classe, os primeiro cristãos fizeram a proposta da propriedade em comum – o comunismo. O que é que poderia ser mais natural? As pessoas careciam dos meios de subsistência e estavam a morrer de pobreza. Uma religião que defendia o povo pedia que os ricos partilhassem com os pobres as riquezas que devem pertencer a todos e não a um punhado de pessoas privilegiadas; uma religião que pregava a igualdade de todos os homens teria grande sucesso. Contudo, isto nada tem em comum com as propostas atuais dos sociais democratas, com vista a transformação em propriedade comum dos instrumentos de trabalho, dos meios de produção, para que toda a humanidade possa trabalhar e viver em unidade harmoniosa.

Vimos que os proletários romanos não vivam do trabalho, mas das esmolas que o governo distribuía. Assim, a exigência, pelos cristãos, da coletivização da propriedade, não diz respeito aos meios de produção, mas aos bens de consumo. Eles não pediam que a terra, as oficinas e os instrumentos de trabalho se tornassem propriedade coletiva, mas apenas que tudo deveria ser repartido entre eles, casas, roupas, alimentos e os produtos acabados mais necessários à vida. Os comunistas cristãos não se preocuparam nada em inquirir acerca da origem destas riquezas. O trabalho de produção recaiu sempre sobre os escravos. O povo cristão desejava apenas que os que possuíam a riqueza abraçassem a religião crista e fizessem das suas riquezas propriedade comum, para que todos pudessem gozar destas coisas boas em igualdade e fraternidade.

Foi, na verdade, deste modo que as primeiras comunidades cristas se organizaram. Um contemporâneo escreveu: "Estas pessoas não acreditam em fortunas, mas pregam a propriedade coletiva e nenhuma de entre elas possui mais do que as outras. Quem desejar entrar na sua ordem é obrigado a pôr a sua fortuna como propriedade comum a essas mesmas pessoas. E pro isso que não há entre eles nem pobreza nem luxo – todos possuindo tudo em comum, como irmãos. Não vivem numa cidade à parte, mas em cada uma têm casas para eles próprios. Se quaisquer estrangeiros pertencentes à sua religião aparecem, repartem a propriedade com eles e podem beneficiar dela como se fosse propriamente sua. Essas pessoas, mesmo que desconhecidas anteriormente uma das outras, dão as boas vindas uns aos outros e as suas relações as muito amigáveis".

Quando viajam não levam nada senão uma arma para se defender dos ladrões. Em cada cidade têm o seu próprio administrador, que distribui roupa e alimento aos viajantes. Negócio não existe entre eles. Contudo, se um dos membros oferece algum objeto de que ele precisa, recebe outros objetos em troca. Mas também cada um pode pedir o que precisa mesmo que não possa dar em troca".

Lemos nos "Atos dos Apóstolos" (IV 34, 35) a seguinte descrição da primeira comunidade de Jerusalém:

"Entre eles não havia ninguém necessitado, pois todos os que possuíam terras ou casas vendiam-nas, traziam o produto da venda e depositavam-no aos pés dos Apóstolos. E a cada um era distribuído de acordo com a sua necessidade".

Em 1780, o historiador alemão Vogel escreveu quase a mesma coisa a cerca dos primeiros cristãos: "De acordo com a regra, todo cristão tinha direito à propriedade de todos os membros da comunidade, caso quisesse, podia pedir que os membros mais ricos dividissem a sua fortuna com ele, de acordo com as suas necessidades. Todo o cristão podia fazer uso da propriedade dos seus irmãos. Assim, os cristãos que não tinham casa podiam exigir do que tinha duas ou três que os recebesse; o proprietário conservava para si próprio apenas a sua própria casa. Mas por causa da comunidade de gozo dos bens, tinha de dar-se habitação àquele que a não tinha".

O dinheiro era colocado em caixa comum e um membro da sociedade. Especialmente escolhido para esse fim, dividia a fortuna coletiva entre todos. Mas sto não era tudo. Entre os primeiros cristãos o comunismo foi levado tão longe que eles tomavam as suas refeições em comum. A sua vida familiar era portanto abolida; todas as famílias cristas, numa sociedade, viviam juntas, como uma única grande família.

Para terminar acrescentamos que certos padres atacam os sociais democratas alegando que somos a favor da comunidade de mulheres. Obviamente que isto é uma grande mentira,proveniente da ignorância ou da irado clero. Os sociais democratas consideram isso como uma distorção vergonhosa e bestial do casamento. E contudo esta prática foi usual entre os primeiros cristãos [7] .

Deste modo, os cristãos do I e II século foram fervorosos adeptos do comunismo. Mas este comunismo era baseado no consumo de produtos acabados e não no trabalho, e mostrou-se incapaz de reformar a sociedade e de pôr fim à desigualdade entre os homens e de derrubar a barreira que separa ricos e pobres. Por isso, exatamente como antes, as riquezas criadas pelo trabalho – para toda a sociedade – era fornecido pelos escravos. O povo, desprovido de méis de subsistência, recebia apenas esmolas.

Enquanto uns poucos (em proporção com a massa do povo) possuírem exclusivamente para seu próprio uso todas as terras cultiváveis, florestas e pastagens, os animais do campo e as casa de lavoura, todas as oficinas, ferramentas e matérias de produção, não pode haver qualquer espécie de igualdade entre os homens. Em tais condições, a sociedade, evidentemente, encontra-se dividida em duas classes, os ricos e os pobres, os do luxo e os da pobreza. Suponhamos, por exemplo, que os ricos proprietários, influenciados pela doutrina crista, oferecessem para distribuir para o povo todas as riquezas que possuíam em forma de dinheiro, cereais, frutas, vestuário e animais. Qual seria o resultado? A pobreza desapareceria por algumas semanas e , durante este tempo, a população poderia alimentar-se e vestir-se. Mas os produtos acabados são rapidamente consumidos. Após um pequeno lapso de tempo, as pessoas, tendo consumido as riquezas distribuídas, teriam uma vez mais as mãos vazias. Os proprietários da terra e dos instrumentos de produção podiam produzir mais, graças ao poder laboral dos escravos, e assim nada se mudaria. Bem. Aqui está porque os sociais democratas consideram estas coisas de um modo diferente dos comunistas cristãos. Eles dizem: "Não queremos que os ricos repartam com os pobres: não queremos nem caridade nem esmolas; ambas as coisas são incapazes de impedir o retorno da desigualdade entre os homens. Não é de modo algum uma partilha entre ricos e pobres que nós desejamos, mas a completa supressão de ricos e pobres". Isto é possível desde que as fontes de toda a riqueza, a terra, em comum com todos os outros meios de produção e instrumentos de trabalho, se tornem propriedade coletiva do povo trabalhador que irá produzir para si próprio, de acordo com as necessidades de cada um. Os primeiros cristãos acreditaram que podiam remediar a pobreza do proletariado por meio das riquezas oferecidas pelos possuidores. Isso seria deitar água numa peneira! O comunismo cristão foi não só incapaz de mudar ou melhorar a situação econômica, como não substituiu.

Ao principio, quando os seguidores do novo Salvador constituíam um pequeno grupo na sociedade romana, a divisão do pecúlio comum, as refeições em comum e o viver debaixo do mesmo teto, eram praticáveis. Mas quando o numero de cristãos se espalhou pelo território do Império, esta vida comunitária dos seus partidários tornou-se mais difícil. Em breve desapareceu o costume das refeições comuns e a divisão dos bens tomou um novo aspecto. Os cristãos não mais viveram como uma família; cada um tomou cuidado da sua própria propriedade e já não ofereciam o total dos seus bens à comunidade, mas apenas o supérfluo. As ofertas dos mais ricos de entre eles ao organismo geral, perdendo o seu caráter de participação numa vida comum, em breve se transformaram em simples "esmolas", desde que os cristãos ricos deixaram de fazer caso da propriedade comum e passaram pôr ao serviço dos outros apenas uma parte do que tinham, parte que podia ser maior ou menor, condoante a boa vontade do doador. Assim, no coração do comunismo cristão, apareceu a diferença análoga à que reinava no Império Romano e contra a qual os primeiros cristãos tinham combatido. Em breve foram apenas os cristãos pobres – os proletários – que tomaram parte em refeições comuns; os ricos, tendo oferecido uma parte da sua abundancia, conservavam-se à parte. Os pobres viviam das esmolas atiradas pelos ricos e a sociedade tornou-se outra vez naquilo que tinha sido. Os cristãos não tinham mudado a vontade dos ricos.

Os padres da Igreja lutaram muito ainda, com palavras escaldantes, contra esta penetração da desigualdade social na comunidade crista, flagelando os ricos e exortando-os a voltarem ao comunismo dos primeiros Apóstolos.

S. Basílio, no Século IV depois de Cristo, pregou assim contra os ricos:

"Miseráveis, como vos ireis justificar diante do Juiz do Céu? Vós dizeis-me: "Qual é a nossa falta, quando guardamos o que nos pertence"? eu pergunto-vos: "Como é que arranjastes isso a que chamais de vossa propriedade? Como é que os possuidores se tornam ricos, senão tomando posse das coisas que pertence a todos? Se todos tomassem apenas o que estritamente necessitam, deixando o resto aos outros, não haveria nem ricos nem pobres".

Foi S. João Crisóstomo, patriarca de Constantinopla, (nascido em Antioquia em 347, falecido, no exílio, na Armênia, em 407) quem pregou mais ardentemente aos cristãos para regressarem ao primeiro comunismo dos Apóstolos. Este célebre pregador, na sua 11ª homilia sobre o Atos dos Apóstolos, disse:

"E havia uma grande caridade entre eles ( os Apóstolos); ninguém era pobre entre eles. Ninguém considerava como seu o que lhe pertencia, todas as suas riquezas estavam em comum... uma caridade existia em todos eles. Esta caridade, consistia em que não havia pobre entre eles, de tal modo que os tinham bens apressavam-se a desprender-se deles. Não dividiam as suas fortunas em duas partes, dando uma e guardando a outra; davam o que tinham. Assim não havia desigualdade entre eles. Todos viviam em grande abundancia. Tudo se fazia com o maior respeito. O que davam não passava da mão do doador para a mão do que recebia; as suas dádivas eram sem ostentação; traziam os bens aos pés dos apóstolos que se tornavam os controladores e donos deles e que os usavam, daí para o futuro, como bens da comunidade e já não como propriedade de indivíduos. Por este meio cortaram a possibilidade de vã glória. Ah! Por que é que se terão perdido estas tradições? Ricos e pobres poderiam todos tirar proveito destes costumes piedosos e uns aos outros sentiríamos o mesmo prazer em nos conformarmos com eles. Os ricos não empobreceriam ao desprenderem-se das suas posses, e os pobres seriam esquecidos... Mas tentemos dar uma idéia exata do que se deveria fazer... Ora, suponhamos – e nem pobres nem ricos precisam se alarmar, pois eu estou apenas a supor – suponhamos que vendemos tudo o que nos pertence para pormos o produto da venda numa conta comum. Que somas de ouro se amontoariam! Não sei dizer com exatidão quanto isso iria dar; mas se todos entre nós, sem distinção de sexo, trouxéssemos os nossos tesouros, se vendêssemos os campos, as propriedades, as casas – não falo de escravos, pois não havia nenhum na comunidade cristã e os que houvesse tornavam-se livres – talvez, se todos fizessem o mesmo, creio que conseguiríamos centenas de milhar de libras de ouro, milhões, enormes valores.

"Bem. Quantas pessoas pensam que vivem nesta cidade? Quantos cristãos? Concordam em que haja uns cem mil? O resto será constituído por judeus e gentios. Quantos não conseguiríamos unir? Ora, se contássemos os pobres, quantos seriam? Cinqüenta mil necessitados, no máximo. O que seria necessário para os alimentar em cada dia? Julgo que a despesa não seria excessiva, se o fornecimento e o consumo da alimentação fossem organizados em comum. Dir-se-á ta;vez: "mas o que será de nós quando estes gêneros estiverem consumidos?" Mas o quê? Isso poderia acontecer? A graça de deus não seria mil vezes mais abundante? Não estaríamos nós a fazer um céu na terra? Se anteriormente esta comunidade de bens existiu entre três a cinco mil fiéis e teve tão bons resultados e baniu a pobreza entre eles por que não resultaria numa grande multidão como esta? E entre os próprios pagãos, quem não se apressaria a aumentar o tesouro em comum? E entre o tesouro comum? A riqueza que é possuída por várias pessoas é muito mais fácil e rapidamente gasta: a difusão da propriedade é a causa da pobreza. Tomemos como exemplo uma família composta de marido, esposa e dez filhos, a esposa ocupando-se em fiar a lã, o marido trazendo do seu trabalho fora de casa; digam-me em que gastaria mais esta família, se vivendo em comum ou vivendo separadamente. Obviamente, se estivessem separados. Dez casas, dez mesas, dez criados e dez subsídios especiais seriam necessários para crianças se vivessem separados. O que é que se faria se possuíssem muitos escravos? Não é verdade que para reduzir as despesas se iria aumentá-los numa mesa comum? A divisão é uma causa de empobrecimento; a concórdia e a unidade de vontades é uma causa de riquezas.

"Nos mosteiros, ainda se vive como na primitiva Igreja. E quem morre de fome ali? Quem é que ali não encontra o bastante para comer? Contudo os homens do nosso tempo temem viver dessa maneira mais do que temem cair no mar! Por que é que não tentamos? Temê-lo-íamos. Que grande ato seria esse! Se alguns fiéis, uns escassos oito mil, gostaram, na presença de todo o mundo, onde não tinham senão inimigos, de fazer uma corajosa tentativa de viver em comum, sem qualquer auxílio externo, quanto o melhor o podíamos os fazer hoje, agora que já cristãos em todo o mundo? Permaneceria um único gentio? Nenhum, creio eu. Nós atrai-los-íamos todos e ganhá-lo-íamos para nós" [8] .

Estes ardentes sermões de S. João Crisóstomo foram em vão. Os homens na não mais tentaram estabelecer o Comunismo nem em Constantinopla, nem em parte nenhuma. Ao mesmo tempo que o cristianismo se expandia e se tornava, em Roma, depois do século IV, a religião dominante, os fiéis distanciavam-se cada vez mais do exemplo dos primeiros Apóstolos. Mesmo dentro da própria comunidade cristã, a desigualdade de bens entre os fiéis cresceu.

De novo, no século VI, Gregório, O grande, disse:

"Não é, de modo algum, bastante não roubar a propriedade dos outros; é errado conservar para si próprio a riqueza que Deus criou para todos. Aquele que não dá aos outros o que possui é um assassino; quando guarda para seu próprio uso o que proveria os pobres, pode dizer-se que está a matar os que podiam ter vivido da sua abundância; quando repartimos com os que estão sofrendo, nós não damos o que nos pertence, mas o que lhes pertence. Isto não é um ato de misericórdia, mas o pagamento de uma dívida".

Estes apelos foram infrutíferos. Mas a culpa não foi, de modo algum, dos cristãos desses dias, que na verdade correspondiam mais às palavras dos Padres da Igreja do que os cristãos de hoje. Não foi a primeira vez na história da humanidade que as condições econômicas se mostraram elas próprias mais fortes que belos discursos.

O Comunismo, esta comunidade de consumo de bens, que os primitivos cristãos proclamaram, não podia ser posta em prática sem o trabalho comum de toda a população, na terra, como propriedade comum, e também em oficinas comunais. No período dos primeiros cristãos, era impossível iniciar o trabalho comunal (com meios comunais de produção) porque, como nós já afirmamos., o trabalho baseava-se, não em homens livres, mas em escravos que viviam à margem da sociedade.

A Cristandade não tentou abolir a desigualdade entre o trabalho de diferentes homens nem entre a sua propriedade. Razão pela qual, o seu esforço para suprimir a distribuição desigual dos bens de consumo não vingou. As vozes dos Padres da igreja proclamando o Comunismo não encontraram eco. Além disso, estas vozes, em breve, tornaram-se cada vez menos freqüentes e, finalmente, caíram no silêncio completo. Os Padres da Igreja cessaram de pregar a comunidade e a distribuição dos bens, porque o crescimento da comunidade cristã produziu mudanças fundamentais dentro da própria Igreja.

III


No princípio, quando o número de cristão era pequeno, não existia clero no sentido próprio da palavra. Os fiéis, que formavam uma comunidade religiosa independente, uniam-se em comum, em cada cidade. Elegiam um membro responsável para dirigir o serviço de Deus e realizar as cerimônias religiosas. Todo cristão podia tornar-se bispo ou prelado estas funções eram coletivas, sujeitas a revogação, honorárias, e não comunicavam poder além do que a comunidade lhes conferia de livre vontade. [9] À medida que o número de fiéis crescia e as comunidades se tornavam mais numerosas e mais ricas, a gerência dos negócios da comunidade e o desempenho das tarefas tornou-se uma ocupação que exigia muito tempo e uma aplicação total. Como os que exerciam este ofício não podiam executar as suas tarefas e simultaneamente os seus empregos privados, surgiu o costume de eleger entre os membros da comunidade um eclesiástico a quem eram exclusivamente confiadas estas funções. Portanto estes funcionários da comunidade tinham de ser pagos pela sua devoção exclusiva às funções dela. Assim se formou dentro da Igreja uma nova ordem de funcionários da Igreja, que se separou do corpo principal dos fiéis, o clero. Paralelamente à desigualdade entre ricos e pobres, aí apareceu uma outra desigualdade, entre o clero e o povo. Os eclesiásticos, no princípio eleitos entre iguais com vistas a exercerem uma função temporal, em breve se guindaram a uma espécie de casta que governava o povo.

Quanto mais as comunidades cristãs se tornavam numerosas nas cidades do grande Império Romano, tanto mais os cristãos, perseguidos pelo Governo, sentiam a necessidade de se unirem para ganhar força. As comunidades, espalhadas por todo o território do Império, organizaram-se portanto numa única Igreja. Esta unificação foi já uma unificação do clero e não do povo. Desde o séc. IV, os eclesiásticos das comunidades encontravam-se nos concílios. O primeiro concílio realizou-se me Nicéia, em 325. desta forma se formou o clero, numa ordem separada do povo. Os bispos das comunidades mais ricas e poderosas tomavam a presidência dos concílios. É por isso que o bispo de Roma em breve se colocou a si próprio à cabeça de toda a Cristandade e se tornou o Papa. Assim um abismo separava o clero, organizado em hierarquia, do povo.

Ao mesmo tempo, as relações econômicas entre o povo e o clero sofreram uma gande mudança. Antes da formação desta ordem, tudo que os membros ricos da Igreja ofereciam para propriedade comum pertencia aos pobres. Depois, uma grande parte dos fundos era gasta em pagar ao clero e em administrar a Igreja.

Quando, no séc. IV, o Cristianismo foi protegido pelo governo, e foi reconhecido em Roma como sendo a religião dominante, as perseguições dos cristãos terminaram e o culto deixou de ser exercido nas catacumbas ou em modestos compartimentos e passou para igrejas que começaram a ser construídas duma forma cada vez mais magnificente. Estas despesas reduziram assim os fundos destinados aos pobres. Já no século V, os rendimentos da Igreja eram divididos em quatro partes: a primeira para o bispo, a segunda para o clero menor, a terceira para manutenção da Igreja e era apenas a quarta parte que era distribuída para os necessitados. A população cristã pobre recebia portanto uma soma igual à que o Bispo recebia só para si próprio. Com o andar dos tempos foi-se perdendo o hábito de dar aos pobres a importância a eles destinada previamente. Sobretudo, quando o alto clero ganhou importância, os fiéis deixaram de ter o domínio sobre a propriedade da Igreja. Os bispos davam aos pobres a seu bel-prazer. O povo recebia esmolas do seu próprio clero. E não só. No princípio da cristandade, os fiéis faziam ofertas voluntárias para o tesouro comum. Logo que a religião cristã se tornou uma religião de Estado, o clero exigia que as ofertas fossem trazidas tanto pelos pobres como pelos ricos. Desde o século VI o clero impôs uma taxa especial, o dízimo (a décima parte das colheitas), que tinha de ser paga à Igreja. Esta taxa esmagava o povo como um pesado fardo; durante a Idade Média, tornou-se um verdadeiro flagelo para os camponeses oprimidos pela servidão. O dízimo era imposto sobre qualquer porção de terra, sobre qualquer propriedade. Mas foi sempre o servo quem pagou com seu trabalho. Assim os pobres não só perderam o apoio e ajuda da Igreja, mas viram os padres aliarem-se com os seus outros exploradores: príncipes, nobres, agiotas. Na Idade Média, enquanto a população trabalhadora se afundava em pobreza através da escravidão, a Igreja tornava-se cada vez mais rica. Além dos dízimos e de outras taxas, a Igreja beneficiava-se, neste período , de grandes doações, legados feitos por ricos libertinos de ambos os sexos que desejavam compensar, no último momento, a sua vida de pecado. Deram e voltaram a dar à Igreja dinheiro, casas, aldeias inteiras com os seus servos e algumas vezes rendas de terra ou direitos consuetudinários de trabalho.

Deste modo a Igreja adquiriu uma enorme riqueza. Ao mesmo tempo o clero deixou de o ser, para passar a ser o "administrador" da riqueza que a Igreja tinha recebido. Foi abertamente declarado, no século XII, ao formular-se uma lei que se diz vir da Sagrada Escritura, que a riqueza da Igreja pertence não aos fiéis, mas é propriedade individual do clero e do seu chefe, para o Papa, sobretudo. As posições eclesiásticas, portanto, ofereciam as melhores oportunidades para obter grandes rendimentos. Cada eclesiástico dispunha da propriedade da Igreja como se fosse sua e largamente a doava aos seus parentes, filhos e netos. Por este meio os bens da Igreja foram pilhados e desapareceram nas mãos dos familiares do clero. Por esta razão, os Papas declararam-se como proprietários soberanos das fortunas da Igreja e ordenaram o celibato do clero para o manterem intacto e impedir que seu patrimônio fosse disperso. O celibato foi decretado no século XIII, devido à posição do clero. Ainda para impedir a dispersão da riqueza da Igreja, em 1927 o papa Bonifácio VIII proibiu aos eclesiásticos de fazer oferta dos seus rendimentos aos leigos, sem permissão do Papa. Assim a Igreja acumulou enorme riqueza especialmente em terras lavradias e o clero de todos os países cristãos tornou-se o mais importante proprietário de terras. Possuía algumas vezes um terço ou mais do que um terço de todas as terras do país!

Os camponeses pagavam não só os impostos de trabalho mais o dízimo igualmente, e não só nas terras dos príncipes e dos nobres mas também em enormes áreas onde trabalhavam diretamente para bispos, párocos e conventos. Entre todos os poderosos senhores dos tempos feudais, a Igreja aparecia como maior de todos os exploradores. Na França, por exemplo, no fim do século XVIII, antes da Grande Revolução, o clero possuía a 5ª parte de todo o território do país com um rendimento anual de cerca de 100 milhões de francos. Os dízimos pagos pelos proprietários subiam a 23 milhões. Esta soma ia engordar 2.800 prelados e bispos, 5.600 superiores e priores, 60.000 párocos e curas e 24.000 monges e 36.000 freiras que enchiam os conventos. Este exército de padres estava livre de impostos e de obrigações de serviço militar. Nos tempos de calamidade – guerra, más colheitas, epidemias – a Igreja pagava ao tesouro de Estado uma taxa "voluntária" que nunca exercida 16 milhões de francos.

O clero, assim privilegiado, constituía, com a nobreza, uma classe dominante vivendo à custa de sangue e do suor dos servos. Os altos postos na Igreja e os que pagavam melhor eram distribuídos somente aos nobres e permaneciam nas mãos da nobreza. Conseqüentemente no período de escravidão, o clero foi aliado da nobreza dando-lhe apoio e ajuda para oprimir o povo a quem nada oferecia senão sermões, de acordo com os quais o povo devia permanecer humilde e resignar-se com a sua sorte. Quando o proletariado do campo e da cidade se levantava contra a opressão e escravatura, encontrava no clero um opositor feroz. É também verdade que mesmo dentro da Igreja havia duas cl;asses: o alto clero que absorvia toda a riqueza, e a grande massa dos curas rurais cujos modestos recursos não iam além de 500 a 2.000 francos anuais. Portanto esta classe revoltava-se contra o clero superior e, em 1789, durante a Grande Revolução, juntou-se ao povo para combater contra o poder da nobreza eclesiástica e laica. Assim foram as relações entre a Igreja e o povo modificadas com o andar dos tempos. A Cristandade começou como uma mensagem de consolação aos deserdados e pobres. Trazia uma doutrina que combatia a desigualdade social e o antagonismo entre ricos e pobres; ensinou a comunidade de riquezas. Em breve este templo de igualdade e fraternidade tornou-se uma nova fonte de antagonismos sociais. Tendo abandonado a luta contra a propriedade individual que tinha sido feita pelos primeiros apóstolos, o clero juntou ele próprio riquezas, aliou-se coma classe dominante que vivia a explorara o trabalho da classe trabalhadora. Nos tempos feudais a Igreja pertencia à nobreza, à classe dominante, e defendia ferozmente o poder desta contra a revolução. No fim do século XVIII e princípios do século XIX, o povo da Europa Central varreu a escravatura e os privilégios da nobreza. Nesta altura, a Igreja aliou-se outra vez às classes dominantes – à burguesia industrial e comercial. Hoje, a situação mudou e o clero já não possui grandes estados, mas possui capital que tenta tornar produtivo pela exploração do povo através do comércio e indústria, como fazem os capitalistas.

A Igreja Católica na Áustria possuía, de acordo com as suas próprias estatísticas, um capital de mais de 813 milhões de coroas (10), das quais 300 milhões eram em terras lavradias e em propriedades, 387 milhões em obrigações e além disso emprestou a juros total de 70 milhões aos donos de fábricas e aos homens de negócios. Eis como a Igreja, adaptando-se aos tempos modernos, se mudou para uma forma capitalista industrial e comercial a partir de um domínio feudal. Como outrora, ela continua a colaborar com a classe que se enriquece à custa do proletariado rural.

Esta mudança é ainda mais espantosa na organização dos conventos. Em certos países, tais como a Alemanha e a Rússia, os mosteiros foram suprimidos há muito tempo. Mas onde ainda existem, na França, Itália e Espanha, tudo evidencia o papel enorme desempenhado pela Igreja no regime capitalista.

Na Idade Média, os conventos eram o refúgio do povo. Era aí que procuravam refugiar-se para se livrar da severidade dos senhores e príncipes. Era aí que encontravam alimento e proteção em caso de pobreza extrema. Os conventos não recusavam pão e sustento aos esfomeados. Não esqueçamos, especialmente, que a Idade Média nada sabia de comércio como é normal nos nossos dias. Toda propriedade, todo o convento produzia em abundância para si próprio, graças ao trabalho dos servos e dos artífices. Muitas vezes as provisões em reserva não tinha saída. Quando produziam mais cereal, mais legumes, mais madeira do que era necessário para o consumo dos monges, o excedente não tinha valor. Não havia comprador para ele e nem todos os produtores se podiam preservar. Nestas condições, os conventos cuidavam gratuitamente dos seus pobres, em todo o caso oferecendo-lhe apenas uma pequena parte do que tinha sido extraído aos seus servos. (Este era o costume normal neste período e quase todas as propriedades pertencente à nobreza procediam do mesmo modo). De fato, os conventos beneficiavam consideravelmente desta benevolência; tendo fama de abrir as suas portas aos pobres, recebiam grandes dádivas e legados dos ricos e poderosos. Com o aparecimento do capitalismo e da produção para troca, todos os objetos adquiriram um preço e tornaram-se negociáveis. Nesta altura, os conventos, as casas dos senhores e dos eclesiásticos cessaram os seus benefícios. O povo não encontrou aí mais refúgio. Eis uma razão, entre outras, porque no princípio do capitalismo, no século XVIII, quando os trabalhadores não estavam ainda organizados para defender os seus interesses, apareceu uma pobreza não aterrorizadora que parecia que a humanidade tinha regressado aos dias da decadência do Império Romano. Mas enquanto a Igreja Católica, nos primeiros tempos, se esforçou por auxiliar o proletariado romano pregando o comunismo, a igualdade e a fraternidade, no período capitalista agiu de um modo completamente diferente. Procurou sobretudo beneficiar com a pobreza do povo: pôs a mão-de-obra barata a trabalhar. Os conventos tornaram-se literalmente infernos de exploração capitalista, tanto piores quanto tinham ao seu serviço mulheres e crianças. A causa judicial contra o convento Bom Pastora, em França, em 1903, foi um exemplo retumbante destes abusos. Rapariguinhas de 12, 10 e 9 anos eram compelidas a trabalhar em condições abomináveis, sem descanso, arruinando os olhos e a saúde e eram mal alimentadas e sujeitas à disciplina de prisão.

Nesta altura, os conventos estão quase abolidos na França e a Igreja perde a oportunidade de exploração capitalista direta. O dízimo, o açoite dos servos, tinha sido igualmente abolidos há muito tempo. Isto não impede o clero de extorquir dinheiro à classe trabalhadora por outros métodos, e especialmente através de missas, casamentos, funerais e batismos. E os governos que sustentam o clero obrigam o povo a pagar o seu tributo. Mais, em todos os países exceto nos USA e na Suíça, onde a religião é um assunto pessoal, a Igreja recebe do Estado enormes somas que obviamente provêm do duro trabalho do povo. Por exemplo. Na França os gastos com o clero sobem 40 milhões de francos por ano.

Para resumir, é o trabalho de milhões de explorados que assegura a existência da Igreja, do governo e da classe capitalista. As estatísticas relativas ao rendimento da Igreja na Áustria dão a idéia da considerável riqueza da Igreja, que foi outrora refúgio dos pobres. Há cinco anos (isto é, 19000) as suas receitas anuais ascendiam 35 milhões. Assim, no decurso de um só ano, "punha de lado" 25 milhões à custa do suor e sangue derramados pelos trabalhadores. Aqui estão alguns detalhes desse orçamento:

O Arcebispo de Viena, com rendimento anual de 300.000 coroas, e com despesas não superiores a metade dessa quantia, fazia 150.000 coroas de "economias" por ano; o capital fixo do Arcebispado era de cerca de 7 milhões de coroas. O Arcebispo de Praga goza de um rendimento superior a meio milhão e tem cerca de 300.000 de despesas; o seu capital atinge quase 11 milhões de coroas. O Arcebispado do Olomouce (Olmutz) tem mais meio milhão de rendimentos e cerca de 400.000 de despesa; a sua fortuna excede 14 milhões. O clero subordinado, que muitas vezes alega pobreza, não explora menos a população. Os rendimentos anuais dos párocos da Áustria atingem 35 milhões de coroas, as despesas apenas 21 milhões, com o que as "economias" dos párocos atingem anualmente 14 milhões. Finalmente, os conventos de há cinco anos possuíam, deduzidas todas as despesas, uma receita líquida de 5 milhões por ano. Estas riquezas cresciam todos os anos, enquanto a pobreza dos trabalhadores explorados pelo capitalismo e pelo estado crescia de ano para ano.

No nosso país, e em toda a parte, o estado de coisas, é exatamente como na Áustria.

IV


Depois de termos revistos resumidamente a história da Igreja não podemos surpreender-nos que o clero apóie o governo czarista e os capitalistas contra os trabalhadores revolucionários que lutam por um futuro melhor. Os trabalhadores com consciência de classe, organizados no Partido Social Democrata, lutam por dar realidade à idéia da igualdade social e da fraternidade entre homens, objetivo que fora anteriormente o da Igreja Cristã.

Não é possível empreender a igualdade quer numa sociedade baseada na escravatura quer numa sociedade baseada na servidão: torna-se possível entende-la no nosso tempo, isto é, no regime do capitalismo industrial. O que os apóstolos cristãos não puderam conseguir com os seus ardentes discursos contra o egoísmo dos ricos, os proletários modernos, trabalhadores conscientes da sua posição de classe, podem principiar a realizar no futuro próximo, pela conquista do poder político em todos os países, apoderando-se das fábricas, da terra e de todos os meios de produção dos capitalistas para os tornar propriedade comum dos trabalhadores. O comunismo que os sociais democratas têm em vista não consiste na distribuição entre pobres, ricos e preguiçosos da riqueza produzida por escravos e servos, mas no trabalho comum honesto e unido e no gozo honesto dos frutos comuns desse trabalho. O socialismo não consiste em dádivas generosas feitas pelos ricos aos pobres, mas na abolição total de toda a diferença entre ricos e pobres, obrigando todos igualmente a trabalhar de acordo com a sua capacidade para se suprimir a exploração do homem pelo homem.

Com o propósito de estabelecer a ordem socialista, os trabalhadores organizaram-se no Partido Social Democrata dos Trabalhadores que se propõe a este fim. Eis porque a Social Democracia e o movimento dos trabalhadores enfrentam o ódio feroz das classes proprietárias que vivem à custa dos trabalhadores.

As enormes riquezas acumuladas pela Igreja, sem qualquer esforço da sua parte, vêm da exploração e da pobreza do povo trabalhador. A riqueza dos arcebispos e bispos, dos conventos e paróquias, a riqueza dos donos das fábricas, e dos comerciantes e dos proprietários de terras, é comprada ao preço de esforços desumanos dos trabalhadores da cidade e do campo. Qual é a única origem das dádivas e dos legados que os ricos senhores fazem à Igreja? Obviamente que não é o trabalho das suas mãos e o suor dos seus rostos, mas a exploração dos trabalhadores que trabalham sem descanso para eles; servos ontem, assalariados hoje. Além disso, os subsídios que os governos hoje dão ao clero vêm do Tesouro Público, constituído na maior parte por impostos tirados às massas populares. o clero, não menos do que a classe capitalista, vive do povo, beneficia da degradação, da ignorância e da opressão das pessoas. O clero e os capitalistas parasitas odeiam a classe trabalhadora organizada, consciente dos seus direitos, que luta pela conquista das suas liberdades. Pois a abolição da desordem capitalista e o estabelecimento da igualdade entre os homens desferiram um golpe mortal, especialmente no clero que existe só graças à exploração e à pobreza. Mas sobretudo, o socialismo ajuda a assegurar à humanidade uma felicidade honesta e sólida cá em baixo, a dar ao povo a maior educação possível e o primeiro lugar na sociedade. É precisamente esta felicidade aqui na terra que os servidores da Igreja temem como uma praga.

Os capitalistas moldaram a golpes de martelo os corpos do povo, em cadeias de pobreza e escravatura. Paralelamente a isto, o clero, ajudando os capitalistas e servindo os seus próprios interesses, aprisiona o espírito do povo, mantém-o em ignorância crassa, pois compreende bem que essa educação poria fim ao seu poder. O clero, falsificando o primitivo ensinamento do Cristianismo que tinha por objetivo a felicidade terrena dos humildes, tenta hoje persuadir trabalhadores de que o sofrimento e a degradação que suportam não provêm duma estrutura social defeituosa, mas sim do céu, da vontade da "Providência". Assim a Igreja mata nos trabalhadores a força, a esperança e o desejo dum futuro melhor, mata a fé em si próprios e o respeito por si mesmos. Os padres de hoje, com seus ensinamentos falsos e venenosos, mantêm continuamente a ignorância e a degradação do povo. Eis algumas provas irrefutáveis.

Nos países onde o clero católico goza de grande poder sobre a mentalidade do povo, na Espanha e na Itália por exemplo, as pessoas são mantidas em completa ignorância. A embriaguez e o crime florescem aí. Por exemplo, comparemos as duas províncias da Alemanha, Baviera e Saxônia. A Baviera é um estado agrícola onde a população vive predominantemente sob influência do clero católico. A Saxônia é um estado industrializado onde os sociais democratas exercem um grande papel na vida dos trabalhadores. Vencem as eleições parlamentares em quase todas as circunscrições, razão pela qual a burguesia mostra o seu ódio contra esta Província social democrata "vermelha". E o que é que se vê? As estatísticas oficiais mostram que o número de crimes econômicos cometidos na ultracatólica Baviera é relativamente muito mais elevado do que na "Vermelha Saxônia". Vemos que em 1898, em cada 100.000 habitantes havia:

Na Baviera Na Saxônia
Roubo com violência 204 185
Assaltos e ataques 296 72
Perjúrio 4 1

Encontramos uma situação completamente similar ao comparar o recorde de crimes em Possen dominada pelos padres como o de Berlim onde a influência da Social Democrata é maior. no curso do ano vemos 100.000 habitantes em Possen, 232 casos de ataques e ferimentos e em Berlim 172 apenas.

Na cidade papal, Roma, durante um único mês do ano de 1869 (o penúltimo ano do poder temporal dos papas), foram condenadas: 279 pessoas por assassínio, 728 por assaltos, 297 por roubo e 21 por fogo posto. Estes são os resultados do domínio clerial sobre o povo assoberbado pela pobreza .

Isto não quer dizer que o clero incite diretamente o povo ao crime. Bem ao contrário, nos seus sermões os padres condenam com freqüência o roubo, os assaltos e a embriagues mas os homens não roubam, não assaltam nem se embebedam porque gostem de o fazer ou de perseverar nesses hábitos. É a pobreza e a ignorância que são causas disso. Portanto aquele que mantém viva a ignorância e a pobreza do povo, aquele que mata sua energia e a sua vontade de sair desta situação, aquele que põe toda a espécie de obstáculos no caminho dos que tentam educar o proletariado, esse é responsável por estes crimes exatamente como se fosse um cúmplice.

A situação nas áreas mineiras da católica Bélgica era semelhante até há pouco tempo. Os sociais democratas foram lá. O seu apelo vigoroso aos infelizes e degradados trabalhadores ecoou através do país: "Trabalhador levanta-te a ti mesmo! Não roubes, não te embebedes, não baixes a cabeça em desespero! Lê, ensina-te a ti mesmo! Junta-te aos teus irmãos de classe na organização, luta contra os exploradores que te maltratam! Emergirás da pobreza, tornar-te-ás um homem!"

Assim, os Sociais Democratas elevam o povo e fortalecem os que perdem a esperança, reúne os fracos numa poderosa organização. Abrem os olhos dos ignorantes e mostram o caminho da igualdade, da liberdade, e do amor aos nossos vizinhos.

Por outro, os servos da Igreja trazem ao povo apenas palavras de humilhação e desencorajamento. E, se Cristo aparecesse hoje na terra, atacaria com certeza os padres, os bispos e arcebispos que defendem os ricos e vivem explorando os desafortunados, como outrora atacou os comerciantes que expulsou do templo para que a presença ignóbil deles não maculasse a Casa de Deus.

Eis porque rebentou uma luta desesperada entre o clero, suporte da opressão, e os sociais democratas anunciadores da libertação. Nesta luta não há comparação com a da noite escura e a do sol nascente? Porque os padres não são capazes de combater o socialismo com a inteligência e a verdade, têm de recorrer à violência e à maldade. As suas falas de Judas caluniam os que levantam a consciência de classe. Por meio de mentiras e calúnias tentam manchar todos os que oferecem as suas vidas pela causa dos trabalhadores. Estes servidores e adoradores do Bezerro de Ouro suportam a aplaudem os crimes do governo czarista e defendem o trono do último déspota que oprime o povo como o Nero.

Mas é em vão que os indignais, que desesperais que degenerais de servidores da Cristandade e vos tornais servidores de Nero. É em vão que ajudais os nossos assassinos, em vão protegeis os exploradores do proletariado sob o sinal da cruz. As vossas crueldades e calúnias nos tempos antigos não puderam impedir a vitória da idéia cristã, a idéia que sacrificaste ao Bezerro de Ouro; hoje os vossos esforços não levantarão nenhum obstáculo à vinda do Socialismo. Hoje sois vós, com as vossas mentiras e ensinamentos, que sois pagãos, e somos nós quem traz aos pobres, aos explorados, as novas da fraternidade e da igualdade. somos nós quem está a marchar para a conquista do mundo como fez aquele que outrora proclamou que é mais fácil a um camelo passar pelo fundo de uma agulha do que a um rico entrar no reino do céu.

V


Algumas palavras finais

O clero tem ao seu dispor dois meios para combater a Social Democracia. Onde o movimento da classe trabalhadora começa a ser reconhecido, como é o caso do nosso país (Polônia), onde as classes dominantes ainda têm esperança de a esmagar, o clero combate os socialistas com sermões ameaçadores, caluniando-os e condenando a "cobiça" dos trabalhadores. Mas nos países onde as liberdades políticas estão estabelecidas e onde o partido dos trabalhadores é poderoso, como por exemplo na Alemanha, França e Holanda, aí o clero procura outros meios. Esconde o seu fim real e já não encara os trabalhadores como um inimigo declarado, mas como um falso amigo. Deste modo vereis os padres a organizar os trabalhadores e a fundar Federações Industriais Cristãs. Desta maneira tentam apanhar peixe na sua rede, atrair os trabalhadores a esta ratoeira de falsas federações onde ensinam a humildade, ao contrário das organizações da Social Democracia que têm em vista lutar e defender-se contra a opressão.

Quando o governo czarista finalmente cair sob os golpes do proletariado revolucionário na Polônia e da Rússia, e quando a liberdade política existir no nosso país então veremos o mesmo Arcebispo Popiel e os mesmos eclesiásticos que hoje trovejam contra os militantes, começarem repentinamente a organizar os trabalhadores em associações "Cristãs" e "Nacionais" para conduzi-los. Já estamos no princípio desta atividade subterrânea da "Democracia Nacional" que assegura a colaboração futura com os padres e hoje os ajuda a difamar os sociais democratas. Os trabalhadores devem, portanto, ser avisados do perigo para que não se deixe apanhar na vitória próxima da revolução, pelas palavras doces dos que hoje, do alto dos seus púlpitos, ousam defender o governo czarista, que mata os trabalhadores, e o aparelho repressivo do capital, que é a causa principal da pobreza do proletariado. Para os defender contra o antagonismo do clero no tempo presente, durante a revolução e contra a sua falsa amizade de amanhã, depois da revolução, é necessário aos trabalhadores organizarem-se no Partido Social Democrata.

E aqui está a resposta a todos os ataques do clero: A Social Democracia de modo algum combate os sentimentos religiosos. Ao contrário, procura completa liberdade de consciência para todo o indivíduo e a mais ampla tolerância possível para qualquer fé e qualquer opinião. Mas desde o momento que os padres usam púlpito como um meio de luta contra as classes trabalhadoras, os trabalhadores devem lutar contra os inimigos dos seus direitos e da sua libertação. Porque o que defende os exploradores e o que ajuda a prolongar este regime presente de miséria, esse é que é o inimigo mortal do proletariado, quer esteja de batina ou de uniforme de polícia.

Notas:

(*) Sociais democratas do início do século. (retornar ao texto)

[1] Cristãos ortodoxos que conheciam a supremacia do Papa. (retornar ao texto)

[2] S. Marcos, X, 25; S. Lucas, XVIII, 25; S. Mateus, XIX, 24. (retornar ao texto)

[3] S. Mateus XXV, 40. (retornar ao texto)

[4] Também conhecidos por "Roskilniki", uma seita religiosa russa que tinha como contrário à verdadeira fé a revisão dos textos da Bíblia e a reforma litúrgica pelo Patriarca Nikon, em 1654. (retornar ao texto)

[5] Ver Êxodo XXXII, 1-8. (retornar ao texto)

[6] "Proles é o termo latino que significa filhos. Os proletários, portanto, constituíam a classe de cidadãos que nada tinham a não ser os braços de seu corpo e os filhos dos seus ombros". Communist Journarl, nº 1, Setembro de 1847 (Londres).
"O proletariado romano viveu à custa da sociedade, enquanto que a sociade moderna vive à custa do proletariado". Sismondi citado por Karl Marx in The Eighteemth Brumaire. Ver também: Engels, Principles of Communism (questão 2). (retornar ao texto)

[7] Mas ver Tertuliano (c. 160-230): "somos irmãos na nossa propriedade familiar com a qual a maior parte das vezes se dissolve a irmandade. Nós, portanto, que estamos unidos de alma e espírito, não temos dúvidas em ter bens em comum. Entre nós todas as coisas são distribuídas promiscuamente, exceto as esposas. Somente nisto nós dividimos a amizade, aí onde outros (pagãos gregos e romanos) somente a exercem". (retornar ao texto)

[8] Abbé Bareille, Jean Chrysostome, Paris, 1869, vol. VII, pp. 599-603. (retornar ao texto)

[9] Certamente, contudo, os ministros locais, tal como aparecem nas epístolas de S. Paulo e nos Atos, parecem estar sob autoridade. No entanto eram eleitos, e muitas vezes provavelmente pela nomeação dos profetas locais; Apóstolos foram nomeados por Paulo e Barnabé. Perante a evidência de Atos 6 e das epístolas pastorais penso, com Harnock, que não podemos duvidar razoavelmente de que a nomeação era feita pela oração com imposição de mãos, e "sacramental". E quando eram durante a vida de S. Paulo eram certamente controlados de cima". Gore, Dr. Streeter and the Primitive Church, pp 12 e 13.

segunda-feira, 5 de julho de 2010

Aula : João Calvino


Aula ministrada ontem, 04 de Julho de 2010, na sala Timóteo, departamento de Jovens da Primeira Igreja Presbiteriana Independente de São Paulo.



Primeira Igreja Presbiteriana Independente de São Paulo
Escola Dominical- 04/07/2010
Professores: Emílio Zambon de Mendonça, Marcelo Custódio de Andrade, André Tadeu de Oliveira


Tema: Grandes nomes da Espiritualidade Cristã – JOÃO CALVINO

Introdução

Na aula passada estudamos a vida e obra de Martinho Lutero, o grande vulto da Reforma Protestante do Século XVI. Hoje, iremos focar nossa atenção em João Calvino, reformador francês considerado o grande nome da chamada tradição reformada. Como presbiterianos independentes, devemos ter o mínimo de intimidade para com a vida e teologia de Calvino, já que o mesmo é considerado o pai do presbiterianismo.


Desta forma, cabe lembrar que somos calvinistas. No entanto, ser calvinista não significa seguir de forma cega, acrítica, tudo que Calvino ensinou. Calvino foi um grande homem de Deus. Porém, como qualquer ser humano, cometeu atos falhos e defendeu determinadas doutrinas e atitudes que não cabem mais em nossos dias. A despeito destas considerações, o reformador francês é o ponto teológico inicial para todo o cristão reformado.

Vida

João Calvino nasceu na cidade francesa de Noyon em 10 de Julho de 1509. Ao contrário de Lutero, sua família pertencia a uma classe social mais abastada, sendo o pai um burguês que exercia o oficio de secretário do bispo local e a mãe descendente da nobreza francesa.

Seguindo a vontade paterna, Calvino iniciou seus estudos visando à ordenação ao sacerdócio católico-romano. É enviado em 1522 ao Colégio de La Marche, em Paris, onde aprendeu latim, filosofia e artes. Em 1524, a fim de completar sua formação, seguiu para o Colégio de Montaigu, dedicando-se ao aprendizado da gramática, filosofia e teologia. Por esta escola passaram pensadores de renome, como Erasmo de Roterdã e Inácio de Loyola. Ao mesmo tempo em que se dedicava com afinco aos estudos, teve contato com alguns escritos de Lutero e com as idéias do padre humanista francês Jacques Lefévre, que defendia a tese de uma reforma dentro do seio da Igreja.
Eduardo Galasso Faria nos transmite alguns detalhes a respeito da vida estudantil do jovem Calvino;

Nos anos em que estudou em Paris, Calvino se revelou um estudante inteligente, perspicaz, dedicado e obsessivo, lendo até altas horas da noite e levantando de madrugada, apesar de suas freqüentes dores de cabeça e do estômago ( Galasso,p.14 ).

Após anos de dedicados estudos, Calvino obtêm o título de mestre em Artes em 1528. Neste mesmo ano, seu pai rompe com o bispo de Noyon, sendo que Calvino é persuadido pelo pai a abandonar a vocação eclesiástica por uma sólida carreira jurídica. Para tal, matriculou-se no curso de Direito na cidade de Orléans. Durante este período, dedicou-se, também, ao estudo do grego por intermédio do professor luterano Melchior Wolmar.

Com a morte do pai em 1531, sente-se livre da obrigação do estudo do direito, decidindo dedicar sua vida aos estudos e demais assuntos acadêmicos. Para tal, dirigiu-se para Paris, capital e pólo cultural francês. Como conseqüência deste período de crescimento intelectual, publicou seu importante comentário “Sobre a Clemência”, analisando a obra do filósofo romano Sêneca.

Em 1533, um fato seria determinante na vida de Calvino. Neste ano, o reitor da Universidade de Paris, Nicolas Cop, redige um discurso inaugural com claras idéias reformistas. Calvino, já conhecido na cidade como adepto das novas idéias, é considerado o autor do discurso. Buscando poupar sua vida, foge da cidade.

Considerado um herege foragido no território francês, estabelece-se em 1535 em Basiléia, na Suíça. Nesta cidade, em 1536, publicaria a primeira edição em latim daquela que seria sua obra magna, a Instituição da Religião Cristã, também conhecida como Institutas. Sobre esta primeira edição, o historiador metodista cubano Justo L Gonzalez faz os seguintes comentários;

Era um livro de 516 páginas, porém de formato pequeno, de modo que cabia facilmente nos amplos bolsos que se usavam antigamente, e podia circular dissimuladamente pela França. Constava de apenas seis capítulos.( Gonzalez,p.110). Portanto, seu principal projeto era um breve resumo da fé cristã do ponto de vista protestante.( Gonzalez, idem )

Após esta edição, várias outras foram lançadas, sempre alternando entre o latim e o francês, sendo a edição definitiva publicada em 1559, sob o formato de quatro livros.

Neste mesmo ano, impedido de retornar a França por causa de uma obstrução na estrada, Calvino passou rapidamente por Genebra. Persuadido por Guilherme Farel, pregador francês que tinha implantado a reforma neste cantão suíço, decide permanecer em Genebra, onde assume a função de organizar a igreja evangélica recém organizada. Após entrar em atrito com as autoridades locais, Calvino, junto com Farel, é expulso de Genebra em 1538, exilando-se em Estrasburgo. Nesta cidade, além de conhecer a mulher de sua vida, Idallete de Bure, amadurece suas idéias litúrgicas e eclesiásticas.

É convidado, em 1541, a retornar a Genebra, estabelecendo, em definitivo, a Igreja Reformada naquela região.


Teologia

Agora, vamos nos ater em algumas das principais idéias teológicas de Calvino.

1-Soberania ou majestade de Deus


Ao contrário do que é usualmente ensinado, o ponto principal da teologia de Calvino não era a doutrina da eleição, ou predestinação, mas sim a questão da soberania de Deus. Sobre esta questão, Paul Tillich, importante teólogo luterano, afirma;


O centro de onde emanam todas as demais doutrinas de Calvino é a doutrina de Deus. Alguns acham que sua doutrina fundamental é a da predestinação. Essa opinião é facilmente refutável uma vez que na primeira edição das Institutas, a doutrina da predestinação não havia nem mesmo sido desenvolvida. Foi só nas edições posteriores que passou a ocupar espaço proeminente. Para Calvino, a doutrina central do cristianismo é a majestade de Deus. Ele ensinou mais claramente do que qualquer outro reformador que Deus é conhecido numa atitude existencial. Ensinou a correlação entre miséria humana e majestade divina. ( Tillich, p.259 ).

Desta forma, o cerne do pensamento de Calvino pode ser encontrado na idéia de um Deus que exerce sua soberania sobre todo o universo, sendo que o ser humano jamais poderia ofuscar esta soberania chegando a Ele por seus próprios esforços, mas apenas pela graça do Deus soberano. Assim, não há nada que ocorra na história que não esteja ligado a vontade soberana de Deus.

2-Eleição ou Predestinação.

Como decorrência da doutrina da soberania ou majestade de Deus, Calvino ensinou que, a salvação, obtida por fé é reservada para algumas pessoas eleitas, isto é, predestinadas por Deus.


Obviamente, a partir do momento em que há um grupo de pessoas eleitas para a salvação, subtende-se que há outro grupo predestinado a danação.

Esta doutrina defendida por Calvino tem sua base melhor formulada em Agostinho. Convém ressaltar um aspecto; mesmo tendo sido defendida por Calvino, a doutrina da eleição não teve, como vimos acima, o peso atribuído por gerações posteriores de teólogos calvinistas. Em um passado recente, teólogos reformados, como Karl Barth, realizaram uma interessante revisão desta doutrina.

3-Autoridade da Bíblia.

Assim como Lutero, Calvino considerava a Bíblia como Palavra de Deus e regra máxima de fé prática. Porém, da mesma forma que Lutero, não defendia a idéia tão popular em grupos fundamentalistas, de que o texto bíblico seja inspirado verbalmente ou isento de qualquer erro.
Seu método de interpretação bíblica era chamado de “ acomodação”, isto é, Deus, usando uma linguagem rude e, até mesmo, falha, acomodou sua revelação de forma que fosse compreensível para o ser humano que viveu na época em que o texto foi formulado.

4-Santificação

Para Calvino, após a experiência de justificação pela fé, o crente deve experimentar um período de santificação, isto é, de busca pelo padrão moral e ético mais elevado. Afinal, o cristão é testemunha de Jesus Cristo. Contudo, este processo de santificação não é completo, podendo variar de acordo com cada pessoa. O Catecismo Maior de Westminster, padrão doutrinário da IPI do Brasil, se manifesta a respeito desta questão da seguinte forma;

Embora a santificação esteja inseparavelmente ligada à justificação, elas são diferentes. Na justificação, Deus imputa a justiça de Cristo; na santificação, seu Espírito infunde graça e capacita a exercitá-la. Na justificação, o pecado é perdoado. Na santificação, ele é subjugado. A justificação liberta igualmente todos os crentes do castigo divino de uma forma tão perfeita que eles nunca são condenados nesta vida. A santificação não é igual em todos, nem é alcançada de forma perfeita por ninguém. Sempre pode haver crescimento no rumo da perfeição.

Portanto, fica claro o papel ético, prático e pessoal deste processo de santificação. Para concluirmos, citaremos o que o pastor e teólogo presbiteriano norte-americano John H.Leith escreveu a respeito deste processo de santificação, alertando-nos a respeito do perigo do moralismo existente neste conceito;

Calvino e a tradição reformada fracassaram na manutenção da tensão, e enfatizaram demais a santificação. Um resultado disso tem sido o legalismo, no qual sempre acaba faltando graça. Outro resultado tem sido a auto justificação, especialmente quando o pecado é reduzido à sensualidade, que é mais controlável do que o orgulho ou a apatia, especialmente na velhice. Uma terceira conseqüência tem sido o obscurantismo, quando a vontade de Deus é identificada prematuramente com algum padrão humano de conduta. O equilíbrio adequado entre perdão e santidade não é algo simples na vida cristã ( Leith, p.122)

ANDRÉ TADEU DE OLIVEIRA


Aula. Martinho Lutero


Conteúdo da aula ministrada por mim, dia 27 de Junho de 2010, na classe Timóteo, ligada ao Departamento de Jovens da Primeira Igreja Presbiteriana Independente de São Paulo.
Para os interessados, nos reunimos todos os domingos às 9.30, na sala 45 do Edifício Eduardo Carlos Pereira, rua Nestor Pestana 136/152, Consolação, São Paulo-SP.
Sejam Bem-Vindos !

Primeira Igreja Presbiteriana Independente de São Paulo
Escola Dominical – 27/06/2010
Classe Timóteo
Professores: Emílio Zambon de Mendonça
Marcelo Custódio de Andrade e André Tadeu de Oliveira .


Tema: Grandes nomes da Espiritualidade Cristã

MARTINHO LUTERO

Introdução


Como protestantes, é fundamental que compreendamos um pouco da vida e obra de Martinho Lutero, principal expoente do movimento de reforma ocorrido na igreja ocidental no século XVI. Obviamente, a reforma não nasceu exclusivamente por obra e vontade do próprio Lutero. Além de ter sido precedido por vários pré-reformadores, como João Huss e João Wycliff, o movimento desencadeado por Lutero contou com uma conjuntura econômica, social e política bastante favorável. Convém lembrar que Lutero não desejava a criação de uma nova igreja, mas sim uma ampla reforma no seio da Igreja Cristã Ocidental, conhecida, após o Concílio de Trento, como Igreja Católica Apostólica Romana.

Antes de estudarmos com um pouco mais de profundidade o pensamento teológico de Lutero e tentarmos aplicá-lo em nossa vida cotidiana, devemos conhecer um pouco de sua trajetória histórica.

Vida

Martinho Lutero nasceu em 10 de Novembro de 1483 na pequena cidade de Eisleben, Alemanha. Seu pai era um trabalhador de minas de origem camponesa que tinha conseguido obter uma situação financeira relativamente estável. Bastante rígido, desejava que seu filho seguisse a carreira de advogado, preparando-o para tal nas melhores escolas da região.

No entanto, um acontecimento mudaria de forma drástica a vida do jovem Lutero. Em meio a uma forte tempestade e cercado por raios, o futuro reformador, temendo por sua vida, prometeu a Santa Ana que, caso fosse poupado da morte eminente, dedicaria sua vida ao serviço cristão como monge. Nada ocorreu com Lutero, sendo que manteve firme sua promessa, ingressando, em 17 de Julho de 1505, no Mosteiro dos Agostinianos de Erfurt. Tal decisão provocaria uma ruptura com seu pai.

Já como monge agostiniano, Lutero se esmerou em suas funções como religioso. Participava com devoção de todos os momentos de oração realizados no convento, estudava com afinco a Bíblia Sagrada e confessava seus pecados com certa freqüência. Corroborando as práticas citadas acima , é bastante interessante a informação transmitida por Martin N. Dreher, pastor e historiador luterano brasileiro (Dreher, p.25)


As regras monásticas foram rigorosamente observadas por Martin, que nisso não se distinguia dos demais integrantes da comunidade monástica. As histórias bíblicas e a oração das horas familiarizaram-no com a Bíblia. Em dois de maio de 1507celebrou sua primeira missa, oportunidade em que quase fugiu do altar por julgar-se indigno de realizar o sacrifício da missa diante da majestade divina.

A despeito de toda sua dedicação, não conseguia encontrar paz interior. Considerava-se um grande pecador, procurando a justificação por suas falhas em sua própria vida religiosa. A este respeito, o próprio Lutero deixou registrado o seguinte depoimento;

Eu me martirizava com a oração, o jejum, as vigílias, o frio. Que procurava com isso senão a Deus? Ele sabe com quanto zelo observei minha regra monástica e que vida severa eu levava. Pois eu não confiava em Cristo, assim tomava-o por nada além de um juiz severo e terrível, tal como se costuma pintá-lo sobre o arco-íris (WA 45, 482, 10-17- citado por Marc Lienhard, p.38).

No meio de tamanha crise espiritual, Lutero foi escolhido por seu superior eclesiástico para dirigir cursos de filosofia e de interpretação bíblica na recém organizada Universidade de Wittenberg. Tal responsabilidade foi concedida em 1508. Em 1510 passou brevemente por Roma. Em 1512, novamente em Wittenberg, obtêm o doutorado em teologia.

Tal envolvimento com a Bíblia foi fundamental para que o jovem monge descobrisse a resposta para todas suas indagações espirituais. Provavelmente em 1515, quando aplicava um curso sobre a Epístola de Paulo aos Romanos, o estudo apurado do capítulo 1, versículo 17, levou à conclusão de que a paz que tanto ansiava seria obtida apenas pela fé em Jesus Cristo. Esta convicção mudou completamente a vida de Lutero, sentindo, finalmente, o real sentido da justiça de Deus.


Após esta forte experiência, Martinho Lutero continuou exercendo com brilhantismo sua carreira como professor, assim como sua vocação monástica. No entanto, um episódio, o das indlugências, seria o estopim de todo um movimento não planejado por Lutero; uma reforma que resultaria em uma ruptura com a igreja instituída.

A fim de angariar fundos para a reconstrução da Basílica de São Pedro, em Roma, o papa Leão X autorizou a cobrança de indulgências por toda Europa. Alister McGrath, teólogo irlandês nos explica de forma bastante didática a questão das indulgências;

A teoria que dava embasamento à venda de indulgências era confusa, mas parece apoiar-se na idéia da gratidão do pecador pelo perdão de seus pecados. Uma vez que os pecadores tinham certeza de haver sido perdoados pela igreja, que atuava em nome de Cristo, eles naturalmente desejariam expressar sua gratidão de alguma forma positiva. Gradualmente, a doação de dinheiro para caridade, inclusive diretamente para os fundos eclesiais, passou a ser encarada como uma maneira comum de se expressar gratidão pelo perdão merecido. Deve-se destacar que, de acordo com a mentalidade da época, isso não significava que um pecador comprasse o perdão. A doação em dinheiro era uma conseqüência do perdão, não uma condição para isso. Contudo, até a época de Martinho Lutero, esse conceito fora distorcido e interpretado de maneira equivocada. As pessoas pareciam acreditar que as indulgências eram um modo rápido e conveniente de comprar o perdão dos pecados. ( McGrath,p.97-98 ) .

O responsável pela venda de indulgências no território alemão foi o monge dominicano Tetzel. Esta verdadeira comercialização da fé chocou Lutero, levando-o a divulgar em 31 de outubro de 1517 suas famosas 95 teses contra a cobrança de indulgências. Mesmo esta data sendo considerada como marco da reforma, convém lembrar que nestas teses Lutero não propunha nenhuma mudança dogmática radical, contestando, apenas, alguns pontos doutrinários e práticos relativos a esta questão.

Não obstante, a discussão levantada por Lutero mexeu nos cofres da igreja, fazendo com que o mesmo fosse considerado, contra sua vontade, inimigo da Igreja.

Perderíamos muito tempo nos alongando sobre os acontecimentos posteriores que desencadearam em uma profunda reforma na igreja. Ao mesmo tempo, estes fatos são fundamentais para uma real compreensão da mesma. Por isso, usando a cronologia proposta pelo professor Marc Lienhard, em seu livro “Martim Lutero, Tempo, Vida e Mensagem”, destacaremos os principais momentos da vida de Lutero após 1517.

•7 de Agosto de 1518: Lutero é convocado para Roma.

•4-14 de Julho de 1519: Debate entre Lutero e o teólogo João Eck .

1520: Publicação dos grandes escritos reformadores; Das Boas Obras, Tratado acerca da Liberdade Cristã, Do Cativeiro Babilônico da Igreja, Á nobreza cristã da nação alemã, acerca da melhoria do estamento cristão. Convém lembrar que são nestas obras que encontramos o pensamento de Lutero já completamente tomado de idéias reformistas.

•Janeiro de 1521: Lutero é excomungado.


•16-18 de Abri de 1521 : Apresenta-se diante do imperador na chamada Dieta de Worms, onde reafirma suas idéias reformatórias.

•13 de Junho de 1525: Casamento com Catarina de Bora.

*18 de Fevereiro de 1546 : Falecimento .

Teologia

O pensamento teológico de Lutero é bastante rico. Assim, iremos estudar, de forma breve, algumas idéias básicas e bastante interessantes do reformador alemão.

1 – Justificação pela fé.

Através da descoberta ocorrida após o estudo realizado sobre Romanos 1.17, o ser humano não é justificado, isto é, salvo, por seus próprios méritos, mas sim por sua fé em Cristo Jesus. Assim, Lutero afirma que boas obras não são responsáveis pela salvação. Obviamente, a prática de boas obras tem uma importância fundamental na vida do cristão. Porém, as mesmas devem ser vistas como fruto de nossa justificação, e não como causa.

2- Autoridade da Bíblia.

Para Lutero, a Bíblia Sagrada é autoridade suprema em matéria de fé. Não há concílio eclesiástico, tradição ou qualquer outro ponto que possa rivalizar com o livro sagrado. Para o reformador, a Bíblia era Palavra de Deus. No entanto, esta idéia de palavra de Deus não pode ser vista de acordo com o pressuposto fundamentalista, que considera todas as palavras do texto bíblico isentas de qualquer erro. Segundo Lutero, a Bíblia é a palavra de Deus pelo fato de proclamar Jesus Cristo como único caminho ao pai.

3- Conhecimento de Deus / Teologia da Cruz.

Concordando com toda a tradição cristã clássica, Lutero afirma que podemos ter indícios sobre Deus por meio da razão ou através do conhecimento da própria natureza. Porém, este conhecimento não é total, não podendo nos dar uma certeza plena a respeito da divindade, assim como não produz efeito sobre nossas vidas.

Desta forma, o teólogo alemão defende a idéia de que Deus se revelou não através de sua glória criadora, mas sim através de Jesus Cristo, e este crucificado. É no sofrimento, na humilhação, que Deus se revelou ao homem. Este pensamento teológico é bastante útil em um mundo como o nosso marcado pela dor e sofrimento, pois podemos ter a consciência que Deus se encontra a nosso lado mesmo nos momentos mais desesperadores.

4- Igreja e Sacramentos.

A respeito do conceito sobre a Igreja, Lutero defende que a mesma não pode ser reduzida a uma mera instituição. Obviamente, tinha a organização eclesiástica em alta conta, defendendo a permanência na instituição por parte dos crentes. No entanto, ensinava que a verdadeira igreja de Cristo é composta por todos os crentes, tanto os vivos quanto os falecidos. Mesmo reconhecendo a diferenciação ministerial, isto é, a autoridade de ministros e pastores, apregoava o sacerdócio universal dos crentes, a igualdade de todos os cristãos diante de Deus, sendo que qualquer pessoa poderia se dirigir a Deus sem a intermediação de sacerdotes e afins. Além do mais, o trabalho cristão passa a ser uma prerrogativa de todo fiel, não apenas do ministro.

Sobre os sacramentos, Lutero abandonou a doutrina católico-romana dos sete sacramentos, ensinando que só possuem valor sacramental os dois ritos narrados nos evangelhos, a saber: Batismo e Santa Ceia.

Conclusão.

Infelizmente, o tempo de nosso curso não permite um estudo mais profundo na vida e obra de Lutero. Martinho Lutero foi um grande homem de Deus, porém, como todo ser humano, cometeu falhas, tanto em ensinamentos como em atitudes. A despeito destas falhas, sua teologia é de fundamental importância não apenas para compreendermos nossas origens como cristãos reformados, mas para aplicarmos em nossa vida cotidiana. Assim, estudemos Lutero.

ANDRÉ TADEU DE OLIVEIRA

sexta-feira, 2 de julho de 2010

No Brasil, futebol é religião. Ed René Kivitz


Estou postando um brilhante texto de autoria do pastor Ed René Kivitz, teólogo e pastor da Igreja Batista da Água Branca, bairro de São Paulo. Para quem não sabe, o referido pastor faz uma crítica velada ao comportamento preconceituoso dos jogadores evangélicos do Santos Futebol Clube, que por ocasião da Páscoa, sequer entraram em uma instituição assistencial espírita responsável pelo amparo de crianças portadoras de paralisia cerebral.

Sinceramente, também não me surpreendo com o comportamento de parte do plantel do time da baixada. Para quem praticamente nasceu em berço evangélico, como é meu caso, este tipo de intolerância não é novidade ! Mas, confesso, ainda me dá nojo ! Navegando pela rede, deparei-me com vários artigos de " defensores da reta doutrina", supostos grandes teólogos, amantes da ortodoxia da igreja brasileira, criticando, até mesmo de forma áspera, o texto abaixo. Um certo blog, conhecido por sua " fidelidade " a um tipo de cristianismo que, a meu ver, nada se aproxima de Jesus Cristo, publicou um post de autoria de um pastor da mesma denominação de Kivitz repleto de acusações ao ninistro da Água Branca. Não vou divulgar o endereço correto, afinal, não quero fazer propaganda de fundamentalistas hipócritas. Mas, se alguém conseguir encontrar este blog, verá, até mesmo, a aplicação de textos claramente fora do contexto a fim de sustentar um exclusivismo jamais praticado por Jesus Cristo. Afinal, não foi o nazareno que, para escândalo dos religiosos da época, sentou-se com publicanos e pecadores ?

NO BRASIL, FUTEBOL É RELIGIÃO - Por Ed René Kivitz


Os meninos da Vila pisaram na bola. Mas prefiro sair em sua defesa. Eles não erraram sozinhos. Fizeram a cabeça deles. O mundo religioso é mestre em fazer a cabeça dos outros. Por isso cada vez mais me convenço que o Cristianismo implica a superação da religião, e cada vez mais me dedico a pensar nas categorias da espiritualidade, em detrimento das categorias da religião.

A religião está baseada nos ritos, dogmas e credos, tabus e códigos morais de cada tradição de fé. A espiritualidade está fundamentada nos conteúdos universais de todas e cada uma das tradições de fé.

Quando você começa a discutir quem vai para céu e quem vai para o inferno, ou se Deus é a favor ou contra à prática do homossexualismo, ou mesmo se você tem que subir uma escada de joelhos ou dar o dízimo na igreja para alcançar o favor de Deus, você está discutindo religião. Quando você começa a discutir se o correto é a reencarnação ou a ressurreição, a teoria de Darwin ou a narrativa do Gênesis, e se o livro certo é a Bíblia ou o Corão, você está discutindo religião. Quando você fica perguntando se a instituição social é espírita kardecista, evangélica, ou católica, você está discutindo religião.

O problema é que toda vez que você discute religião você afasta as pessoas umas das outras, promove o sectarismo e a intolerância. A religião coloca de um lado os adoradores de Allá, de outro os adoradores de Yahweh, e de outro os adoradores de Jesus. Isso sem falar nos adoradores de Shiva, de Krishna e devotos do Buda, e por aí vai. E cada grupo de adoradores deseja a extinção dos outros, ou pela conversão à sua religião, o que faz com que os outros deixem de existir enquanto outros e se tornem iguais a nós, ou pelo extermínio através do assassinato em nome de Deus, ou melhor, em nome de um deus, com d minúsculo, isto é, um ídolo que pretende se passar por Deus.

Mas quando você concentra sua atenção e ação, sua práxis, em valores como reconciliação, perdão, misericórdia, compaixão, solidariedade, amor e caridade, você está no horizonte da espiritualidade, comum a todas as tradições religiosas. E quando você está com o coração cheio de espiritualidade, e não de religião, você promove a justiça e a paz. Os valores espirituais agregam pessoas, aproximam os diferentes, faz com que os discordantes no mundo das crenças se deem as mãos no mundo da busca de superação do sofrimento humano, que a todos nós humilha e iguala, independentemente de raça, gênero, e inclusive religião.

Em síntese, quando você vive no mundo da religião, você fica no ônibus. Quando você vive no mundo da espiritualidade que a sua religião ensina – ou pelo menos deveria ensinar, você desce do ônibus e dá um ovo de páscoa para uma criança que sofre a tragédia e miséria de uma paralisia mental.

Ed René Kivitz, cristão, pastor evangélico, e santista desde criança