Fonte : Revista Época.
Numa tarde de primavera de 1961, o jovem irlandês Alister McGrath fazia o dever de casa, deitado sobre o tapete da sala. A mãe estava na cozinha, o pai no trabalho, o irmão no quarto e o melhor amigo de McGrath passava andando na rua. Aí um estrondo sacudiu as janelas. Ajoelhado sobre a cadeira, com as palmas das mãos apoiadas sob a janela de vidro, McGrath assistiu à morte do amigo, vítima da bomba, de um ataque terrorista. “Ele ainda olhou para mim antes de cair”, diz McGrath, hoje professor de Teologia Histórica da Universidade de Oxford, quase meio século depois. “Minha família se reuniu no quarto e rezou em silêncio.”
Nascido em Belfast em plena guerra religiosa entre católicos e protestantes, McGrath viu a maturidade chegar mais cedo, quase à força, e deixar marcas cruéis em sua vida. “Foi um tiro de lucidez”, diz. Desde a tragédia, passou a prestar mais atenção às conversas de adultos sobre religião. Também aos comentários sobre a guerra que ouvia pelo rádio. Aos 12 anos, não se esquivava de debates entre católicos e protestantes. Nos corredores da escola, era tido como o maior especialista em estratégias e ataques terroristas. Mas algo em McGrath incomodava a família. O menino nunca tomava partido.
Agora tomou. McGrath, hoje teólogo na Universidade de Oxford, na Inglaterra, virou um dos mais eminentes defensores da religião, contra os ataques de cientistas ateus. Especialmente do evolucionista queniano Richard Dawkins, seu colega de universidade. Para combatê-lo, McGrath publicou no ano passado o livro O Delírio de Dawkins (Editora Mundo Cristão), escrito em parceria com a mulher. O título é uma referência irônica ao best-seller de Dawkins Deus, um Delírio, que já vendeu mais de 1,5 milhão de exemplares. O livro de McGrath vendeu bem menos – 60 mil exemplares na edição inglesa –, mas foi traduzido para sete idiomas, e o nome de McGrath passou a circular entre os mais influentes da Europa.
O mais irônico é que Dawkins, hoje rival, já foi ídolo de McGrath. Na época em que foi aprovado para cursar Biofísica Molecular em Oxford, em 1975, McGrath estava convencido de que a religião era a causa de conflitos e mortes pelo mundo e abraçou o ateísmo. A Europa vivia então um surto de secularismo, e esperar o fim das religiões não parecia um absurdo desmedido. Seu livro de cabeceira, O Gene Egoísta, publicado em 1976 por Dawkins, era a bíblia de quase todo universitário.
Dawkins é um dos divulgadores da ciência mais bem-sucedidos do mundo. Está sempre no topo da lista dos cientistas mais influentes publicada pela revista britânica Prospect. A popularidade de Dawkins se deve à originalidade de sua tese e à riqueza de sua argumentação. Dawkins é ateu. E chegou ao ateísmo por sua própria teoria evolucionista. Para ele, a herança dos genes é mais importante que o indivíduo que os transmite. Assim, pela lógica, ele questiona tudo, inclusive a existência de Deus e qualquer outro argumento que possa eleger o indivíduo – e não os genes – como personagem principal da evolução (ou da criação, na narrativa religiosa). McGrath tinha Dawkins como ídolo – e sua carreira brilhante como inspiração. A exemplo de Dawkins, McGrath tornou-se doutor em biofísica molecular, apresentou trabalhos relevantes e conquistou uma cadeira em Oxford, a mesma universidade em que Dawkins lecionava. McGrath tornou-se um profissional prestigiado, mas sem a popularidade do ilustre evolucionista.
McGrath e Dawkins se conheciam. Encontravam-se em congressos de biologia e participavam de grupos de discussão sobre ateísmo. Ambos escreviam para a publicação americana Skeptical Magazine. Mas McGrath parecia andar à sombra de Dawkins. Em algum momento, a inquietude filosófica de McGrath os separou definitivamente. Ao submeter suas crenças a um exame crítico, prática que o irlandês diz ter adotado desde a morte do amigo na infância, McGrath passou a duvidar também do ateísmo. “Percebi que havia razões mais robustas para acreditar que Deus existia”, diz.
O retorno à religião começou, provavelmente, no divã de Joanna Collicutt, neuropsicóloga especialista em teologia cristã e futura mulher de McGrath. Joanna o teria levado de volta às suas raízes religiosas. O amor, apostam os amigos, teria transformado o ex-ateu no maior especialista em teologia histórica de Oxford. “Sempre valorizei o livre-pensamento”, diz. “Mas nunca imaginei até onde ele poderia me levar.”
Dawkins e McGrath passaram a seguir trajetórias opostas. Cristão resgatado, McGrath não abandona seus estudos científicos. Para ele, a ciência é capaz de explicar o mundo natural, mas não de entender valores e o significado da vida. Dawkins acredita que a ciência leva ao ateísmo. McGrath segue respeitando o colega. Mas o lançamento de um livro reaproximou destinos que pareciam seguir direções antagônicas. A publicação de Deus, um Delírio, de Dawkins, gerou indignação na academia, em especial em McGrath, especialista nas publicações de Dawkins. A obra rompeu com a rica argumentação que o consagrou como cientista. Considerado pela crítica um manifesto ateu fundamentalista, o livro traz citações de internet, opiniões, hipóteses e frases de pessoas ilustres. “Ele faz isso para conseguir tecer suas idéias, já que falha na abordagem científica”, diz McGrath. “A agressividade dele é um reflexo de sua frustração como ateu.”
Ídolo em outros tempos, Dawkins se transformou em inimigo. O bombardeio retórico do colega merecia uma resposta à altura, segundo McGrath. Em seu livro, McGrath afirma que Dawkins confunde crença e prática religiosa. “Pode-se crer em algo sobrenatural sem que seja preciso haver prática religiosa”, diz McGrath. “Dawkins confunde tudo e ataca as duas coisas ao mesmo tempo.” Oportunismo editorial de McGrath? Talvez. Ele nunca teve a visibilidade de Dawkins. Para cada leitor de McGrath há outros 42 de Dawkins. Mas o número de fãs de McGrath cresce a cada dia. O deslize de Dawkins pode ser a chance que McGrath e os cristãos esperavam
Numa tarde de primavera de 1961, o jovem irlandês Alister McGrath fazia o dever de casa, deitado sobre o tapete da sala. A mãe estava na cozinha, o pai no trabalho, o irmão no quarto e o melhor amigo de McGrath passava andando na rua. Aí um estrondo sacudiu as janelas. Ajoelhado sobre a cadeira, com as palmas das mãos apoiadas sob a janela de vidro, McGrath assistiu à morte do amigo, vítima da bomba, de um ataque terrorista. “Ele ainda olhou para mim antes de cair”, diz McGrath, hoje professor de Teologia Histórica da Universidade de Oxford, quase meio século depois. “Minha família se reuniu no quarto e rezou em silêncio.”
Nascido em Belfast em plena guerra religiosa entre católicos e protestantes, McGrath viu a maturidade chegar mais cedo, quase à força, e deixar marcas cruéis em sua vida. “Foi um tiro de lucidez”, diz. Desde a tragédia, passou a prestar mais atenção às conversas de adultos sobre religião. Também aos comentários sobre a guerra que ouvia pelo rádio. Aos 12 anos, não se esquivava de debates entre católicos e protestantes. Nos corredores da escola, era tido como o maior especialista em estratégias e ataques terroristas. Mas algo em McGrath incomodava a família. O menino nunca tomava partido.
Agora tomou. McGrath, hoje teólogo na Universidade de Oxford, na Inglaterra, virou um dos mais eminentes defensores da religião, contra os ataques de cientistas ateus. Especialmente do evolucionista queniano Richard Dawkins, seu colega de universidade. Para combatê-lo, McGrath publicou no ano passado o livro O Delírio de Dawkins (Editora Mundo Cristão), escrito em parceria com a mulher. O título é uma referência irônica ao best-seller de Dawkins Deus, um Delírio, que já vendeu mais de 1,5 milhão de exemplares. O livro de McGrath vendeu bem menos – 60 mil exemplares na edição inglesa –, mas foi traduzido para sete idiomas, e o nome de McGrath passou a circular entre os mais influentes da Europa.
O mais irônico é que Dawkins, hoje rival, já foi ídolo de McGrath. Na época em que foi aprovado para cursar Biofísica Molecular em Oxford, em 1975, McGrath estava convencido de que a religião era a causa de conflitos e mortes pelo mundo e abraçou o ateísmo. A Europa vivia então um surto de secularismo, e esperar o fim das religiões não parecia um absurdo desmedido. Seu livro de cabeceira, O Gene Egoísta, publicado em 1976 por Dawkins, era a bíblia de quase todo universitário.
Dawkins é um dos divulgadores da ciência mais bem-sucedidos do mundo. Está sempre no topo da lista dos cientistas mais influentes publicada pela revista britânica Prospect. A popularidade de Dawkins se deve à originalidade de sua tese e à riqueza de sua argumentação. Dawkins é ateu. E chegou ao ateísmo por sua própria teoria evolucionista. Para ele, a herança dos genes é mais importante que o indivíduo que os transmite. Assim, pela lógica, ele questiona tudo, inclusive a existência de Deus e qualquer outro argumento que possa eleger o indivíduo – e não os genes – como personagem principal da evolução (ou da criação, na narrativa religiosa). McGrath tinha Dawkins como ídolo – e sua carreira brilhante como inspiração. A exemplo de Dawkins, McGrath tornou-se doutor em biofísica molecular, apresentou trabalhos relevantes e conquistou uma cadeira em Oxford, a mesma universidade em que Dawkins lecionava. McGrath tornou-se um profissional prestigiado, mas sem a popularidade do ilustre evolucionista.
McGrath e Dawkins se conheciam. Encontravam-se em congressos de biologia e participavam de grupos de discussão sobre ateísmo. Ambos escreviam para a publicação americana Skeptical Magazine. Mas McGrath parecia andar à sombra de Dawkins. Em algum momento, a inquietude filosófica de McGrath os separou definitivamente. Ao submeter suas crenças a um exame crítico, prática que o irlandês diz ter adotado desde a morte do amigo na infância, McGrath passou a duvidar também do ateísmo. “Percebi que havia razões mais robustas para acreditar que Deus existia”, diz.
O retorno à religião começou, provavelmente, no divã de Joanna Collicutt, neuropsicóloga especialista em teologia cristã e futura mulher de McGrath. Joanna o teria levado de volta às suas raízes religiosas. O amor, apostam os amigos, teria transformado o ex-ateu no maior especialista em teologia histórica de Oxford. “Sempre valorizei o livre-pensamento”, diz. “Mas nunca imaginei até onde ele poderia me levar.”
Dawkins e McGrath passaram a seguir trajetórias opostas. Cristão resgatado, McGrath não abandona seus estudos científicos. Para ele, a ciência é capaz de explicar o mundo natural, mas não de entender valores e o significado da vida. Dawkins acredita que a ciência leva ao ateísmo. McGrath segue respeitando o colega. Mas o lançamento de um livro reaproximou destinos que pareciam seguir direções antagônicas. A publicação de Deus, um Delírio, de Dawkins, gerou indignação na academia, em especial em McGrath, especialista nas publicações de Dawkins. A obra rompeu com a rica argumentação que o consagrou como cientista. Considerado pela crítica um manifesto ateu fundamentalista, o livro traz citações de internet, opiniões, hipóteses e frases de pessoas ilustres. “Ele faz isso para conseguir tecer suas idéias, já que falha na abordagem científica”, diz McGrath. “A agressividade dele é um reflexo de sua frustração como ateu.”
Ídolo em outros tempos, Dawkins se transformou em inimigo. O bombardeio retórico do colega merecia uma resposta à altura, segundo McGrath. Em seu livro, McGrath afirma que Dawkins confunde crença e prática religiosa. “Pode-se crer em algo sobrenatural sem que seja preciso haver prática religiosa”, diz McGrath. “Dawkins confunde tudo e ataca as duas coisas ao mesmo tempo.” Oportunismo editorial de McGrath? Talvez. Ele nunca teve a visibilidade de Dawkins. Para cada leitor de McGrath há outros 42 de Dawkins. Mas o número de fãs de McGrath cresce a cada dia. O deslize de Dawkins pode ser a chance que McGrath e os cristãos esperavam
Mcgrath supostamente acha Dawkins agressivo? pq ele acha isso? eu acho ele incisivo. agressivo foi o ataque que matou o amigo de infancia de Alister...
ResponderExcluirCara Rayssa, primeiramente,obrigado por visitar este blog.
ResponderExcluirO ataque responsável pela morte do amigo de MacGrath não foi agressivo, mas sim criminoso,fruto da mente de pessoas insanas.
Agora, vejo agressividade nas colocações de Dawkins. São várias afirmações existentes em " Deus, um delírio", generalizando todos religiosos como doentes, ignorantes e afins..
Vendo pelo seu lado, que é cético,seria a mesma coisa que aguentar o furado argumento religioso de que todo o ateu é desprovido de ética, moral e etc ( se Deus não existe, tudo é permitido-Dostoiévski).
Acredito que um comportamento agressivo se manifesta não apenas de forma violenta.Uma pessoa pode ser agredida com palavras. Penso que Dawkins falha por isso, além de generalizar falhas cometidas historicamente pelas mais variadas crenças.
Forte Abraço
André
ERRATA : Obviamente errei ao escrever MacGrath na resposta
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