segunda-feira, 4 de outubro de 2010

A Fé Reformada e o Ecumenismo


Vítima de acusações absolutamente falsas e preconceituosas, o movimento ecumênico tem como finalidade exclusiva obedecer à ordem clara dada por Jesus de que seus discípulos formassem um único corpo. O ecumenismo cristão busca a unidade entre aqueles que professam os principais dogmas do cristianismo. A acusação feita por determinados grupos fundamentalistas, de que o ecumenismo possui como finalidade a união orgânica de todas as igrejas, é absolutamente falsa.

Um aspecto primordial a ser lembrado é que esta unidade não pressupõe, obrigatoriamente, uniformidade, mas deve ser baseada no tradicional lema: unidade na diversidade. Assim, as diversas igrejas reconhecem-se como irmãs, trabalhando conjuntamente em prol da divulgação da mensagem salvadora de Cristo e do bem estar da sociedade, mantendo, entretanto, suas tradições e particularidades.

Calvino e o Ecumenismo

No rico universo ecumênico, a tradição reformada calvinista é pioneira. A intenção dos reformadores não foi organizar uma nova igreja, mas reformar a Igreja Cristã. Por razões históricas, os primeiros protestantes se viram obrigados a abandonar a igreja que tanto amavam. Em uma carta escrita a Guilherme Farel, Calvino expressou o seu grande descontentamento com a recém divisão da cristandade ocidental: “Este é, em poucas palavras, o resumo de nossas discussões: que entre os cristãos, a aversão pelo cisma seja tão grande que, tanto quanto esteja ao seu alcance, eles possam evitá-lo. Ainda que alguns pontos da doutrina não sejam totalmente puros, isso não deve ser considerado um impedimento para a unidade, visto que raramente existe alguma igreja que não tenha resquícios da antiga ignorância”.

Coerente com essa idéia, Calvino, mesmo mantendo uma postura bastante crítica diante da Igreja Católica Romana, considerou-a como igreja cristã. Em uma correspondência a Lélio Sozzini, referiu-se ao catolicismo romano da seguinte maneira: “Quando digo que traços da igreja permaneceram na igreja papal, não estou me referindo apenas aos eleitos espalhados aqui e lá dentro dela, mas quero dizer que as ruínas da igreja estão presentes entre os papistas”. Apesar do teor absolutamente apologético e agressivo, fruto de uma época de confronto e ruptura, o líder protestante considerou que, apesar de todos os seus erros, as principais doutrinas cristãs eram encontradas na Igreja Católica. Como conseqüência básica dessa concepção, considerou o batismo católico como válido, condenando de forma áspera o rebatismo. Ainda no que se refere ao seu relacionamento com o catolicismo romano, participou de vários colóquios e debates com clérigos dessa igreja, visando chegar a um entendimento (Haguenau, em 1540; Worms, em 1541; e Ratisbona). Quando concluiu que não era possível mais nenhum diálogo oficial com Roma, afirmou, com pesar, “estar disposto a se fazer cortar a cabeça a fim de que a paz seja restabelecida no seio da igreja”.

No mundo evangélico dividido em partidos luteranos, zuinglianos, anglicanos e reformados, a atitude de Calvino estava voltada claramente para a unidade. Considerava-se o maior de todos os luteranos, referindo-se a Lutero sempre em tons elogiosos, tratando o antigo monge agostiniano como um verdadeiro pai espiritual.


Daniel-Rops, historiador católico romano francês, atesta o ecumenismo de Calvino: “Interessado, como Bucer, em unir todos os protestantes, já em 1540 havia assinado a Confissão de Augsburgo, na qual Melanchton modificara a definição de ceia. Nas ásperas controvérsias sacramentarias que opunham luteranos e zuinglianos, sempre se pronunciou com cortesia, sem injuriar o adversário, ao contrário do que era moeda corrente. A sua vontade de união não era apenas por motivos tácitos. Para ele, como a igreja era o corpo de Cristo e todas as diferentes igrejas protestantes reivindicavam para si o mesmo senhor, deviam harmonizar-se nas suas diferenças como membros de um organismo vivo”.

Sua negociação com Bullinger, sucessor de Zuínglio em Zurique, foi responsável pela união de todo o protestantismo suíço no tocante à doutrina da santa ceia. Convidado, em 1552, pelo reformador e arcebispo anglicano inglês Thomas Cranmer para participar de entendimentos direcionados a uma união doutrinária entre todos os ramos protestantes, respondeu de forma entusiasta: “Assim é que, estando divididos os membros da igreja, o corpo fica sangrando. Isso me preocupa tanto que, se eu pudesse prestar algum serviço, não hesitaria em atravessar dez mares”.

O movimento ecumênico moderno

Seguindo o ecumenismo pregado e praticado pelos primeiros reformadores, coube ao protestantismo a honra de ser o pai do moderno movimento ecumênico. O século 19 foi marcado pela grande expansão missionária protestante no mundo. Rincões distantes do planeta, como Ásia e África, foram alcançadas pela mensagem evangélica.


Dentro de um universo onde o cristianismo era praticamente desconhecido entre os nativos, a existência das mais variadas denominações e agências missionárias, muitas vezes rivais entre si, tornou-se motivo de escândalo. Como pregar o nome de Cristo no meio de tanta desunião?

Motivados por estas questões, importantes líderes evangélicos ocidentais organizaram, em 1910, uma conferência missionária mundial na cidade de Edimburgo, Escócia. Como fruto deste congresso, foi constituído, em 1921, o Conselho Missionário Mundial, cuja principal finalidade seria coordenar os esforços evangelísticos dos diferentes grupos protestantes. Pode-se afirmar que a ânsia por uma interação missionária originou o moderno movimento ecumênico.

Posteriormente, buscando unificar a atuação social das igrejas, assim como iniciar um diálogo doutrinário entre as mais diversas tradições cristãs, foram organizados os movimentos “Vida e Obra” e “Fé e Ordem”. Ambos os movimentos se uniram, formando, em 1948, o Conselho Mundial de Igrejas (CMI). Em 1961, o Conselho Missionário Mundial filiou-se ao CMI. Hoje, o Conselho Mundial de Igrejas é o maior órgão ecumênico do mundo, reunindo 349 igrejas protestantes e ortodoxas em 110 paises, contando com mais de 560 milhões de cristãos . A Igreja Católica Romana não integra o rol de membros do CMI, dialogando, entretanto, com o órgão ecumênico.

A Igreja Presbiteriana Independente do Brasil e o ecumenismo

Mesmo sendo motivo de polêmica no meio presbiteriano independente, o ecumenismo se fez presente nessa denominação antes mesmo de sua organização eclesiástica. No final do século 19, Eduardo Carlos Pereira, ainda ministro da Igreja Presbiteriana do Brasil (IPB), organizou a Sociedade Brasileira de Tratados Evangélicos, cuja finalidade consistia em produzir literatura evangélica unificada. Para este empreendimento, convocou luteranos, congregacionais, episcopais, metodistas e batistas.

Após o doloroso cisma de 1903, cujo resultado foi à organização da Igreja Presbiteriana Independente, Eduardo Carlos Pereira continuou sustentando posturas relativamente ecumênicas. Por ocasião do Congresso do Panamá, evento realizado em 1916 e que reuniu boa parte do protestantismo latino-americano assim como várias agências missionárias, criticou de forma clara a divisão existente entre os protestantes: “Um protestantismo dividido, intolerante, fraco e desgarrado por causa de um espírito sectário é de pouca ajuda para o progresso da América Latina”, afirmou o patriarca do presbiterianismo independente.

Mesmo sendo um crítico contumaz da Igreja Católica Romana, era capaz de considerar aquela igreja do início do século 20, impregnada pelos ideais conservadores do Concilio de Trento, como um ramo do cristianismo. Segundo Antonio Gouvêa Mendonça, a opinião central de Eduardo Carlos Pereira a respeito da Igreja Católica, a par de suas fortes críticas, era a seguinte: “A Igreja Católica merece ser reconhecida como um dos grandes ramos do cristianismo por conservar os credos, os grandes dogmas da cristandade e por seu valor de guardiã da idéia cristã e que ela, por suas crenças, tem produzido no seu seio numerosos caracteres nobres”.

Após o chamado período “eduardista”, a participação de presbiterianos independentes em movimentos em prol da unidade da igreja se acentuou. A IPI do Brasil foi uma das fundadoras da Confederação Evangélica do Brasil, entidade responsável por congregar boa parte do protestantismo histórico brasileiro. Junto com Erasmo Braga, ilustre pastor da IPB, o nome do presbiteriano independente Epaminondas Melo do Amaral foi fundamental para a posterior criação nesta importante organização.

Para o historiador francês Émile G. Léonard, a Igreja Presbiteriana Independente estava impregnada, entre os anos 30 e 40, pelo espírito ecumênico: “O Sínodo Presbiteriano Independente foi levado, por seu entusiasmo, bem além dos limites do Brasil e do protestantismo: declara - afirmava o Sínodo - que vê com simpatia o movimento de aproximação e unificação do protestantismo em todo o mundo, esperando que todas as almas e corações crentes em Jesus se unam em uma só alma e num só coração.”

Devido ao golpe militar de 1964, a IPI do Brasil, da mesma forma que outras denominações evangélicas, experimentou um período de fechamento, sendo o ecumenismo associado a movimentos “subversivos”.

No início da década de 80, refletindo a situação da sociedade brasileira que experimentava certa abertura, a IPI do Brasil retomou sua participação ecumênica. Foi uma das fundadoras do Conselho Latino Americano de Igrejas (CLAI) e do Instituto Ecumênico de Pós-Graduação, vinculado à Igreja Metodista. Na década de 90, filiou-se à Coordenadoria Ecumênica de Serviço (CESE).

Na Assembléia Geral realizada em 2005 na cidade paulista de Santo André, após anos de acalorados debates, foi aprovada a filiação da IPI do Brasil ao Conselho Mundial de Igrejas. Em fevereiro de 2008, a denominação foi aceita de forma definitiva pelo órgão ecumênico.

Desta forma, ao participar ativamente do movimento ecumênico, a família independente não segue apenas o exemplo dado por João Calvino, mas vai muito além, obedecendo a uma ordem estipulada pelo próprio Cristo, para que sejamos um para que o mundo creia.

POR : ANDRÉ TADEU DE OLIVEIRA

Fontes

Caderno de O Estandarte: Santa Conspiração - Calvino e a Unidade da Igreja de Cristo - Lukas Vischer - Pendão Real

Caderno de O Estandarte: O Humanismo Social de Calvino - André Biéler - Pendão Real

Uma História Ilustrada do Cristianismo - A Era Inconclusa. Justo L Gonzalez - Vida Nova

A Igreja da Renascença e Reforma- Volume I - Daniel-Rops - Editora Quadrante.

O Celeste Porvir - Antonio Gouvêa Mendonça - Paulinas

O Protestantismo Brasileiro - Émile G. Léonard - ASTE

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