Continuando o debate sobre um tema tão importante, o pleito eleitoral, reproduzo, na integra, duas notas pastorais de autoria do Rev. Sandro Amadeu Cerveira, pastor da Segunda Igreja Presbiteriana de Belo Horizonte ( IPU ). O primeiro, inclusive, foi dilvugado pelo jornalista Luis Nassif.
ELEIÇÕES 2010 E OS APROVEITADORES DA BOA FÉ E DA CREDULIDADE EVANGÉLICA.
Rev.Sandro Amadeu Cerveira
Talvez eu tenha falhado como pastor nestas eleições. Digo isso porque estou com a impressão de ter feito pouco para desconstruir ou pelo menos problematizar a onda de boataria e os posicionamentos “ungidos” de alguns caciques evangélicos. [1]
Talvez o mais grotesco tenha sido a chuva de emails e “vídeos” afirmando que votar em Dilma e no PT seria o mesmo que apoiar uma conspiração que mataria Dilma (por meios sobrenaturais) assim que fosse eleita e logo a seguir implantaria no Brasil uma ditadura comunista-luciferiana pelas mãos do filho de Michel Temer. Em outras o próprio Temer seria o satanista mor. Confesso que não respondi publicamente esse tipo de mensagem por acreditar que tamanho absurdo seria rejeitado pelo bom senso de meus irmãos evangélicos. Para além da “viagem” do conteúdo a absoluta falta de fontes e provas para estas “notícias”, deveria ter levado (acreditei) as pessoas de boa fé a pelo menos desconfiar destas graves acusações infundadas. [2]
A candidata Marina Silva, uma evangélica da Assembléia de Deus, até onde se sabe sem qualquer mancha em sua biografia, também não saiu ilesa. Várias denominações evangélicas, antes fervorosas defensoras de um “candidato evangélico” a presidência da república, simplesmente ignoraram esta assembleiana de longa data.
Como se não bastasse, Marina foi também acusada pelo pastor Silas Malafaia de ser “dissimulada”, “pior do que o ímpio” e defender, (segundo ele), um plebiscito sobre o aborto. Surpreende como um líder da inteligência de Malafaia declare seu apoio a Marina em um dia, mude de voto três dias depois e à apenas 6 dias das eleições desconheça as proposições de sua irmã na fé.
De fato Marina Silva afirmou (desde cedo na campanha, diga-se de passagem) que “casos de alta complexidade cultural, moral, social e espiritual como esses, (aborto e maconha) deveriam ser debatidos pela sociedade na forma de plebiscito” [3], mas de fato não disse que uma vez eleita ela convocaria esse plebiscito.
O mais surpreendentemente, porém, foi o absoluto silêncio quanto ao candidato José Serra. O candidato tucano foi curiosamente poupado. Somente a campanha adversária lembrou que foi ele, Serra, o responsável por trazer o aborto para dentro do Sistema Único de Saúde (SUS) [4]. Enquanto ministro da saúde o candidato do PSDB assinou em 1998 a norma técnica do SUS ordenando regras para fazer abortos previstos em lei, até o 5º mês de gravidez [5]. Fiquei intrigado que nenhum colega pastor absolutamente contra o aborto tenha se dignado a me avisar desta “barbaridade”.
Também foi de estranhar que nenhum pastor preocupado com a legalização das drogas tenha disparado uma enxurrada de-mails alertando os evangélicos de que o presidente de honra do PSDB, e ex-presidente da República Fernando Henrique Cardoso, defenda a descriminalização da posse de maconha para o consumo pessoal [6].
Por fim, nem Malafaia, nem os boateiros de plantão tiveram interesse em dar visibilidade a noticia veiculada pelo jornal a Folha de São Paulo (Edição eletrônica de 21/06/10) nos alertando para o fato de que “O candidato do PSDB à Presidência, José Serra, afirmou nesta segunda-feira ser a favor da união civil e da adoção de crianças por casais homossexuais.” [7]
Depois de tudo isso é razoável desconfiar que o problema não esteja realmente na posição que os candidatos tenham sobre o aborto, união civil e adoção de crianças por homossexuais ou ainda a descriminalização da maconha. Se o problema fosse realmente o comprometimento dos candidatos e seus partidos com as questões acima, os líderes evangélicos que abominam estas propostas não teriam alternativa.
A única postura coerente seria então pregar o voto nulo, branco ou ainda a ausência justificada. Se tivessem realmente a coragem que aparentam em suas bravatas televisivas deveriam convocar um boicote às eleições. Um gigantesco protesto a-partidário denunciando o fato de que nenhum dos candidatos com chances de ser eleitos tenha realmente se comprometido de forma clara e inequívoca com os valores evangélicos. Fazer uma denuncia seletiva de quem esta comprometido com a “iniqüidade” é, no mínimo, desonesto.
Falar mal de candidato A e beneficiar B por tabela (sendo que B está igualmente comprometido com os mesmo “problemas”) é muito fácil. Difícil é se arriscar num ato conseqüente de desobediência civil como fez Luther King quando entendeu que as leis de seu país eram iníquas.
Termino dizendo que não deixarei de votar nestas eleições.
Não o farei por ter alguma esperança de que o Estado brasileiro transforme nossos costumes e percepções morais em lei criminalizando o que consideramos pecado. Aliás tenho verdadeiro pavor de abrir esse precedente.
Não o farei porque acredite que a pessoa em quem votarei seja católica, cristã ou evangélica e isso vá “abençoar” o Brasil. Sei, como lembrou o apóstolo Paulo, que se agisse assim teria de sair do mundo.
Votarei consciente de que os temas aqui mencionados (união civil de pessoas do mesmo sexo, descriminalização do aborto, descriminalização de algumas drogas entre outras polêmicas) não serão resolvidos pelo presidente ou presidenta da república. Como qualquer pessoa informada sobre o tema, sei que assuntos assim devem ser discutidos pela sociedade civil, pelo legislativo e eventualmente pelo judiciário (como foi o caso da lei de biossegurança) [8] com serenidade e racionalidade.
Votarei na pessoa que acredito representa o melhor projeto político para o Brasil levando em conta outras questões (aparentemente esquecidas pelos lideres evangélicos presentes na mídia) tais como distribuição de renda, justiça social, direitos humanos, tratamento digno para os profissionais da educação, entre outros temas. (Ver Mateus 25: 31-46) Estas questões até podem não interessar aos líderes evangélicos e cristãos em geral que já ascenderam à classe média alta, mas certamente tem toda a relevância para nossos irmãos mais pobres.
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NOTAS
[1] As afirmações que faço ao longo deste texto estão baseadas em informações públicas e amplamente divulgadas pelos meios de comunicação. Apresento os links dos jornais e documentos utilizados para verificação.
[2] http://www.hospitaldalma.com/2010/07/o-cristao-verdadeiro-nao-deve-votar-na.html
[3]http://ultimosegundo.ig.com.br/eleicoes/marina+rebate+declaracoes+de+pastor+evangelico+silas+malafaia/n1237789584105.html
Ver também http://www1.folha.uol.com.br/poder/805644-lider-evangelico-ataca-marina-e-anuncia-apoio-a-serra.shtml
[4]http://blogdadilma.blog.br/2010/09/serra-e-o-unico-candidato-que-ja-assinou-ordens-para-fazer-abortos-quando-ministro-da-saude-2.html
[5] http://www.cfemea.org.br/pdf/normatecnicams.pdf
[6]http://www.gazetadopovo.com.br/vidaecidadania/conteudo.phtml?tl=1&id=856843&tit=FHC-e-intelectuais-pedem-legalizacao-da-maconha
[7]http://www1.folha.uol.com.br/poder/754484-serra-se-diz-a-favor-da-uniao-civil-e-da-adocao-de-criancas-por-gays.shtml
[8] http://www.eclesia.com.br/revistadet1.asp?cod_artigos=206
Como nossa página não oferece o recurso de postar comentário diretamente nesta parte convido aos que desejarem faze-lo a enviar um email para segundaigreja@segundaigreja.org.br em nome do Rev. Sandro que publicaremos com prazer.
Fonte: Segunda Igreja Presbiteriana de Belo Horizonte
ELEIÇÕES 2010 - UMA PALAVRA PASTORAL
Rev. Sandro Amadeu Cerveira
Chegou o dia das eleições. Depois de muita cobertura pela imprensa, horário eleitoral, conversas ao pé do ouvido além de debates mais ou menos interessantes vamos finalmente votar.
O dever de trazer uma palavra pastoral neste dia tem me preocupado a semana toda. Não queria fazer uma pastoral “espiritualizada” chamando a oração pelos candidatos e eventuais eleitos. Isso é obrigação mais do que conhecida de todo cristão. Dizer o óbvio sobre um tema polêmico parece-me uma forma (algo sonsa) de fugir do assunto. Então se você ainda não orou pelas eleições ou pelos magistrados eleitos faça-o e prossiga a leitura.
Por outro lado não me parece apropriado usar este espaço para fazer a defesa dos candidatos(as) de minha preferência. Embora eu acredite que não seja possível não misturar religião e política (afinal somos seres atravessados por ambas as dimensões o tempo todo) isso não significa que essa “mistura” possa ser feita de qualquer jeito. Usar o púlpito como palanque ou fazer de conta que sou apolítico estão fora de cogitação para mim. A título de exemplo cito um certo vídeo que circulou pela internet no qual um pastor diz que não vai dizer em quem os irmãos deveriam votar mas utiliza toda sua retórica (inclusive com dados e associações equivocadas) para ensinar sua congregação em quem não votar. Os que se interessarem em ler mais sobre esse episódio sugiro o editorial de Marcos Bomtempo (Revista Ultimato) que pode ser acessado em nossa página eletrônica.
Que dizer então?
Talvez a melhor coisa que tenho a fazer a partir de minha formação e do lugar que ocupo é dizer que devemos evitar tanto sacralização da política como a instrumentalização política da religião.
Acredito que seja consensual que não se deve permitir a instrumentalização da igreja, da fé, dos símbolos e espaços sagrados pelo mundo da política. A espiritualidade pertence ao mundo da transcendência e seu uso com outros fins transforma o que deveria ser santo num arremedo sacrílego e nauseante. Jesus demonstrou isso quando expulsou os comerciantes do templo e pagou com sua vida por denunciar o aparelhamento político do judaísmo promovido pelos partidos religiosos de sua época.
Para que possa cumprir seu papel profético e ser espaço genuíno de salvação a igreja não pode vender sua independência por um prato de lentilhas mesmo que elas venham misturadas com estações de TV, bancos para a igreja, telhados, cargos e entre tantas outras benesses que tanto agradam alguns líderes religiosos.
Por outro lado, os efeitos de sacralizar a política, isto é querer e agir para que a política se transforme numa extensão da igreja, também pode ter efeitos perversos. O Estado tem como missão organizar o mundo dos homens garantindo a todos seus direitos fundamentais. Querer que o Estado faça o papel de igreja é atribuir uma função perigosa ao poder político.
Não aprendemos nada com a história de Constantino? Não nos assustam os estados teocráticos contemporâneos que apedrejam mulheres apanhadas em adultério e punem severamente aqueles que se convertem a outra religião? Queremos mesmo incentivar essa lógica em nosso país? Atribuir ao Estado o papel de evangelizar, construir igrejas, ensinar religião, transformar em crime o que consideramos pecado é uma sacralização da instituição que detêm o monopólio do uso da violência legitimada que pode ter efeitos danosos de grandes proporções.
Parafraseando o apóstolo Paulo, o político cuida das coisas desse mundo e não tem como não fazê-lo. Aliás, é disso mesmo que se trata. Votar, um ato político em si mesmo, precisa ser pensado nessa perspectiva. Não estamos elegendo nosso pastor, nem um diácono nem presbíteros. Estamos elegendo homens e mulheres para que cuidem bem de uma parte da criação de Deus.
Rev. Sandro Amadeu Cerveira
Formado pelo Instituto Bíblico Maranata e ordenado pastor em 1990, Sandro Amadeu Cerveira, 41 anos, nasceu na cidade de São Sebastião do Caí, no Rio Grande do Sul. Ele é casado com Rosimeire Bragança Cerveira e é pai do Samuel, da Jéssica e do João Luis. Professor universitário, com formação em Teologia pastoral, graduação em História, mestrado em Ciência Política (UFMG), no momento encontra-se na fase final do seu doutorado em Ciência Política também pela UFMG. Reverendo Sandro Cerveira veio para a IPU após longo tempo de reflexão e oração e acredita que o projeto de ser igreja defendido pela Segunda Igreja Presbiteriana é uma alternativa consistente para todos aqueles que estão cansados e sobrecarregados dos abusos e absurdos hoje tão comuns no mundo religioso.
VERGONHOSO!
ResponderExcluirÉ de se espantar que o reverendo tenha feito a opção de ir para Segunda Igreja Presbiteriana por estar consado dos abusos e absurdos no mundo evangêlico e não esta cansado e sobrecarregados dos absurdos do PT (partido dos trapaceiros), que benefício será que ele esta ganhando em defende-los, com isso ele só perde a credibilidade. Logo se vê que vai surgir um novo doutor para ajudar os petistas a enganar e subestimar a inteligência das pessoas.
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