terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Cristo é o caminho, o Cristianismo é o desvio. Por Jefferson Ramalho


A passagem do Novo Testamento que me levou a pensar no que escrevi nesta reflexão foi aquela em que o Mestre curou o criado de um centurião romano.

O texto é fantástico como tantos outros apresentados nos evangelhos!

Mas dois versículos que sempre passam despercebidos são centrais em todo o contexto daquele momento vivido pelo Senhor Jesus.


Refiro-me aos versículos 11 e 12, nos quais Ele diz: ...muitos virão do Oriente e do Ocidente e tomarão lugares à mesa com Abraão, Isaque e Jacó no reino dos céus. Ao passo que os filhos do reino serão lançados para fora, nas trevas; ali haverá choro e ranger de dentes.

Um fundamentalista imediatamente diria: claro, muitos virão e se assentarão à mesa com os patriarcas caso convertam-se a Jesus Cristo. Contudo há uma observação simples para ser feita. O Mestre não diz que muitos virão e se converterão; Ele apenas diz que muitos virão e tomarão lugares.

Mais simples ainda fica essa leitura quando se observa com cuidado a importância do centurião nessa história. Ele é a chave de tudo e a sua fé é o ponto de partida.

É importante lembrar que o centurião não era nem judeu nem discípulo de Jesus, logo não era membro do Judaísmo, muito menos do Cristianismo que ainda nem existia. Possivelmente, aquele centurião, como todo bom e autêntico soldado romano, era adorador de vários deuses e provavelmente do imperador romano. Numa linguagem cristã, ele era pagão, numa linguagem mais coerente, ele era um religioso politeísta.

Há ainda a hipótese de que nem religioso politeísta ele era, mas apenas um homem que de judeu e de seguidor de Jesus não tinha nada.

Uma segunda observação: ele não se torna cristão após a cura de seu criado. O texto nem relata isso, pois se ele tivesse se convertido, certamente estaria relatado. Mas não, ele permanece na condição (a) religiosa em que se encontrava quando foi procurar ao Mestre.

Portanto, o que um texto deste, se lido a olho nu, sem as lentes da religião cristã, sem os óculos da teologia sistemática ortodoxa e sem os pré-conceitos do fundamentalismo, poderá significar a não ser que Jesus Cristo é o Caminho, e a religião, e aqui entra o Cristianismo, também o desvio, e a Graça o meio através do qual Deus salva o ser humano, seja ele alguém que se converterá em algum momento ao Evangelho ou não?

Neste sentido, não dá mais para afirmar que um ser humano que passa a sua vida inteira sem freqüentar uma igreja de crentes irá para o inferno só porque não teve tal experiência. Graças a Deus, em muitos casos, pois há pessoas que quando resolvem freqüentar uma denominação evangélica se tornam loucas, manipuladas, bitoladas, cegas espiritualmente, enganadas, alienadas, bestializadas, e tudo o que for possível entrar nesta lista, menos alguém que de fato conheceu e compreendeu o Evangelho da Graça.

Com isso, quando muitos se convertem às igrejas de crentes, acreditam que estão no Caminho, quando na verdade estão no desvio. Têm uma facilidade enorme para apontar quem vai e quem não vai para o Céu, contudo, não se percebem como pessoas que carecem da Graça de Deus ainda mais, pelo simples fato de serem pessoas que não sabem fazer outra coisa, a não ser julgar o próximo.

Nisto creio e afirmo com todas as letras: Cristo é o Caminho, pois é capaz de salvar e ver fé genuína em um centurião romano, adorador de deuses estranhos, pagão e adorador do imperador, mas o Cristianismo é o desvio, pois consegue maquiar-se com as belezas sublimes do Evangelho, mas vive uma religião semelhante à dos fariseus dos tempos de Jesus, que eram zelosos e ortodoxos no que se refere à obediência ao texto, mas cegos na prática, sobretudo, por julgarem com facilidade, seres humanos que eram tão imperfeitos quanto eles.

Cristo é o Caminho, o Cristianismo é o desvio, pois este pratica as maiores e mais terríveis atrocidades em nome de Deus; Cristo é o Caminho, o Cristianismo é o desvio, pois este ensina as pessoas, a ingênua e inocentemente negociarem com Deus a fim de conseguirem prosperidade financeira, como se Ele tivesse interesse em enriquecer materialmente os seus filhos; Cristo é o Caminho, o Cristianismo é o desvio, pois burra e admiravelmente se tornou a religião que menos entendeu os ensinamentos de seu próprio fundador, se é que Jesus foi o fundador desse negócio; Cristo é o Caminho, o Cristianismo é o desvio, pois consegue levar as pessoas a acreditarem que os não-cristãos irão para o inferno só porque não se tornaram cristãos, como se Deus só pudesse salvar pessoas por meio de experiências religiosas dentro das paredes da religião cristã; Cristo é o Caminho, o Cristianismo é o desvio, pois este em vez de tornar a caminhada cristã uma caminhada de liberdade e descanso, torna-a ainda mais penosa, turbulenta, repleta de regras e cargas a serem carregadas; Cristo é o Caminho, o Cristianismo é o desvio, pois em vez de manter as pessoas que acreditam estarem servindo ao Jesus apresentado nos evangelhos, consegue desviá-las a qualquer outro caminho que não é o Caminho da Graça de Deus em Cristo.

Cristo é o Caminho, o Cristianismo é o desvio, por tantos outros e infindáveis motivos! Cabe agora a criatividade de cada um para continuar nesta reflexão, se é que para enxergar as discrepâncias existentes entre Cristo e o Cristianismo, seja uma tarefa que exija muita criatividade. Penso que não.

fonte : http://www.editorareflexao.com.br/MomentoReflexao.aspx/Detalhe/1



Jefferson Ramalho :

Graduado em Teologia pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (2001 - 2005), licenciando em História pelo Centro Universitário Nossa Senhora da Assunção, Pós-graduando em História pela Pontifícia Universidade Católica de Sao Paulo e formado em Filosofia e Religião pela Faculdade do Mosteiro de São Bento, em São Paulo.

É professor de História da Igreja e História das Religiões na Faculdade de Cultura e Ensino Teológico de Osasco, no Seminário Teológico do Betel Brasileiro e no Instituto Bíblico O Brasil para Cristo. Foi o Relações Públicas da Área Acadêmica da Editora Vida de 2005 a 2008.

6 comentários:

  1. excelente texto. o cristianismo (que é o desvio)precisa urgentemente de novas cabeças que não tenham medo de derrubar dogmas que ficaram caducos e que não trazem mais a vida da qual jesus tanto falava.

    da minha parte, acredito que toda tradição espiritual livre, que não sirva de dominação a poderes eclesiásticos, é um bom caminho para a jornada espiritual humana.

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  2. Eduardo, prazer em revê-lo. Senti sua falta. Sim, considero o texto do Jefferson fantástico.

    É bom para se pensar se Jesus reconheceria o cristianismo como seu movimento. Sinceramente, tenho muitas dúvidas...

    Abração.

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  3. Não tenho tanta graduação qt os que aqui escrevem, mas tenho duvidas e as colocarei.
    O cristianismo se desviou, concordo. O que temos hj talvez não seja reconhecido por Cristo, concordo? A duvida: Qual nosso papel e como seremos julgados? Nos que não somos estudiosos do hebraico e grego, que conhecemos cristo a partir da compilação canonica apresentada.. que desconhecemos fontes primarias da historia cristã. Será o Deus biblico exigente quanto ao conhecimento, ou julgará Ele a partir do que nos foi apresentado e da sinceridade do "coração" de cada cristão espalhado Brasil a fora?

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  4. Completando.. Entendo ser o Cristianismo atual algo distante do Amor a Deus e ao proximo proposto, porém me pergunto sobre o caminho de volta a essencia, ao cristianismo puro. Qual será? Onde inicia-se? com quem?
    Creio depender de mim.. começar em mim, e me pergunto se com as informaçoes que tenho não será facil se desviar novamente.

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  5. Humberto, paz e bem ! Obrigado por sua participação. Concordo contigo, o mero conhecimento teórico a respeito de Jesus Cristo não é responsável pela transformação da vida de ninguém. É necessário viver Jesus ! Seguir seus passos !

    No entanto, uma fé pautada apenas no sentimento, torna-se uma experiência meramente subjetiva, sem um potencial realmente tranformador. E não é necessário ter um conhecimento profundo a respeito das línguas bíblicas ou da técnica exegética. Basta apenas uma simples leitura das palavras evangélicas, do querigma proclamado pela igreja nascente. Porém, nem estes elementos básicos são conhecidos por parcela substancial do cristianismo. Assim, o movimento cristão torna-se um fracasso prático

    Abraços em Cristo

    André

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  6. É, interessante o comentário, e concordo em parte com ele, porém, destituído das devidas asseverações que devem ser feitas. Pegar versículos e retirá-los do seu contexto para dar embasamento às nossas insatisfações quanto ao estado em que se encontram as "igrejas institucionalizadas" é ingenuidade. Além disso, precisamos asseverar que quanto aos que virão do oriente e do ocidente para tomar lugares à mesa com os patriarcas da fé, inicialmente está relacionado aos judeus que criaram uma expectativa com um sentimento nacionalista a respeito do Messias. Jesus critíca-lhes a postura de fé presunçosa de se acharem os únicos filhos de Abraão. Também podemos observar no contexto imediato a cura de um leproso (8.1-4).
    Ao lermos no texto "e tomarão lugares", Jesus está se referindo que o acesso ao reino não tem distinção de povo, tribo, língua e nação (Ap 5.9-10)ou status social. Tem muita coisa a ser vista num texto como este que tomaria muitas linhas para se explicar. Porém, creio que nunca deveríamos tirar um texto de seu contexto para tentar explicar temas como este. Se pessoas estão sendo como diz o autor do artigo, tornadas em loucas, abitoladas, aliendas etc nas diversas igrejas evangélicas,este não é o texto certo para aplicarmos a realidade atual em busca de respostas significativas. Não seria o caso de o autor do artigo ao tentar esclarecer a mente dos leitores, estar imergindo-os ainda mais nas profundezas da abitolação e alienação acerca da verdade?
    Estamos vivendo dias difíceis quanto a reiligiosidade e espiritualidade, uma grande "Babel". Há em muitos uma incenssante sede e busca de espiritualidade, porém, sem o comprometimento com a igreja institucionalizada e é aqui que eu concordo com o autor do artigo. Há uma grande necessidade de repensarmos a nossa postura e abordagem como igreja hoje para com a mentalidade pós-moderna. Como mudarmos a metodologia de alcançar os não-alcançados dos nossos dias sem macular a essência do evangelho de Cristo Jesus que é não só "o caminho", mas também a verdade e a vida que nos conduz ao Pai, ao reino?
    Este é o grande desafio que a igreja tem pela frente de não se tornar apenas um museu de história importante, mas ser também relevante para os seus dias sem deturpar a mensagem do Evangelho de Cristo. É isso, o presente momento está diante de nós como um enorme cenário que há muito foi instalado, mas que dentro em breve se fechará, cumpre-nos enquanto é tempo viver em nossos dias o que Cristo ensinou a respeito de ser a sua igreja.
    Valeu pelo tema levantado, pois, ele é relevante e necessário em nossos dias.
    Marcos

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