quarta-feira, 29 de setembro de 2010

A Autoridade da Bíblia na tradição protestante




A Bíblia é fonte de fé e base para a elaboração doutrinária de todos os ramos do cristianismo. Estudiosos bíblicos de renome são encontrados no catolicismo-romano e na ortodoxia oriental. Porém, é no protestantismo que este livro atingiu seu maior grau de autoridade. O famoso lema “Sola Scriptura” (Somente as Escrituras), denota a supremacia bíblica sobre outros elementos importantes da vivência cristã no mundo evangélico. Assim, para o protestante, a Bíblia é a máxima autoridade religiosa. Todo o resto se encontra subordinado a ela.

Por esta razão, Lutero, Calvino, Bucer, Zuínglio e todos os demais reformadores desenvolveram uma sólida teologia bíblica. Não obstante, uma questão deve ser avaliada: seria a teologia bíblica desenvolvida pelos reformadores do século 16 semelhante ao pensamento predominante no contexto evangélico brasileiro, marcadamente influenciado pelo fundamentalismo teológico?

Segundo a ideia fundamentalista, a Bíblia seria inspirada de forma verbal, isto é, todas suas palavras foram ditadas diretamente pelo Espírito Santo, cabendo ao ser humano desempenhar o mero papel de copista, sem nenhuma participação no processo de criação do texto. Grupos extremistas consideram até mesmo os supostos pontos vocálicos do original em hebraico no Antigo Testamento como divinamente inspirados. De acordo com esta visão, tudo o que se encontra no texto seria literalmente inerrante. Como aplicação prática deste princípio, a Bíblia converteu-se em um manual de ciências naturais ou em um compêndio historiográfico. A já mais que centenária polêmica envolvendo Criação x Evolução demonstra de forma clara esta situação. Para o fundamentalista, o texto do livro de Gênesis, que relata de forma simbólica a criação do universo, deve ser lido de forma literal e histórica. Tudo teria sido criado em 6 dias de 24 horas, sendo que todas as formas de vida surgiram da forma exata como descritas em Gênesis.

Após este pequeno resumo a respeito da forma como a teologia fundamentalista conservadora interpreta os escritos bíblicos, devemos confrontá-la com a maneira como os reformadores lidaram com essa questão.

Martinho Lutero tinha a Bíblia em altíssima conta. Para o reformador, ela era verdadeiramente a palavra de Deus. Contudo, tal designação não foi utilizada como que se referisse a um manual de ditos inerrantes. Para ele, a Bíblia era a palavra de Deus pelo fato de proclamar Jesus Cristo como salvador da humanidade. “A Bíblia é uma manjedoura, na qual está contido Jesus. Se não o encontramos, só temos palha”, afirmou o reformador. Coerente com esta declaração absolutamente cristocêntrica, Lutero chegou ao ponto de julgar o conteúdo bíblico usando como critério a pessoa e a obra de Jesus. Em uma de suas obras, escreveu: “Este é o verdadeiro critério para julgar todos os livros: se a gente vê, se tratam de Cristo ou não, uma vez que toda a Escritura mostra Cristo. O que não ensina Cristo, isto também não é apostólico, ainda que Pedro ou Paulo o ensinassem. Por sua vez, o que prega Cristo, isto seria apostólico, ainda que Judas, Anás, Pilatos ou Herodes o fizessem”. Vemos que Lutero submete a própria Bíblia a Cristo. Essa consciência o levou a ter a liberdade de criticar, abertamente, alguns livros da Bíblia. A Epístola de Tiago, por exemplo, foi chamada de “epístola de palha”. Já o livro de Apocalipse era visto com reservas, sendo considerado bastante obscuro.

João Calvino, reformador francês e pai do presbiterianismo, também possuía uma compreensão a respeito da Bíblia bastante divergente da concepção fundamentalista. Seguindo os passos de Lutero, Calvino afirmava a condição da Bíblia como palavra de Deus escrita. Concordando com o reformador alemão, atribuía este título às Sagradas Escrituras devido à sua capacidade de aproximar o ser humano de Jesus. Gottfried Brakemeier, teólogo e pastor luterano brasileiro, avaliza esta idéia: “A concentração cristológica da Escritura encontra notável paralelo em Calvino. Jesus Cristo é o centro da Escritura. Esta é a palavra de Deus na medida que traz Cristo consigo. Tal concepção afasta a identificação direta da letra com o evangelho e impele a busca do evangelho por trás das palavras, bem como reconhece a contextualidade do texto bíblico. Para Calvino, o sentido de muitas passagens depende de seu contexto histórico. É Cristo que valida a Bíblia, não vice-versa, sendo o Espírito Santo o autêntico intérprete. O biblicismo que atribui à Bíblia inerrância verbal é posterior tanto a Lutero como a Calvino”.

Completamente contrário ao método literalista de leitura bíblica apregoado pela escola fundamentalista-conservadora, Calvino fazia uso da chamada acomodação. De acordo com este método, Deus acomodaria sua mensagem de uma forma compreensível para o ser humano incapaz de entender suas verdades de maneira completa: “Assim, tais formas de falar não expressam com muita clareza o que Deus é, visto que acomodam o conhecimento dele à nossa frágil capacidade”. Foi isso que Calvino escreveu nas Institutas . A respeito do método hermenêutico da acomodação usado pelo reformador de Genebra, e especificamente no tocante a sua relação com as ciências naturais, Karen Armstrong declarou: “ Calvino não via contradição entre a ciência e as Escrituras. Em sua opinião a Bíblia não fornece informações literais sobre geografia ou cosmologia, mas tenta exprimir uma verdade inefável em termos que os limitados seres humanos possam entender. A linguagem bíblica é infantil – uma simplificação deliberada de uma verdade complexa demais para ser articulada de outro modo”. Portanto, fica clara a enorme distância existente entre a forma como Calvino enxergava o texto bíblico e o literalismo que defende a tese de que todas as palavras são absolutamente inerrantes e divinas, devendo ser interpretadas literalmente. Uma leitura verdadeiramente calvinista das Escrituras não combina com fundamentalismo.

Outras significativas distâncias separam Calvino dos modernos fundamentalistas, muitos dos quais se consideram, de forma absolutamente equivocada, fiéis intérpretes do reformador. Para estes grupos conservadores, a veracidade da Bíblia como palavra de Deus deve ser provada de todas as formas possíveis. Comprovações supostamente científicas de fatos narrados na Bíblia são fundamentais. Para Calvino, este método é completamente ineficaz: “Devemos tentar conseguir nossa convicção em um lugar mais elevado do que as razões, avaliações e conjecturas humanas, isto é, no testemunho secreto do Espírito” (Institutas 1.7.4). Ou ainda: “Aqueles que desejam provar aos incrédulos que a Escritura é a palavra de Deus estão agindo tolamente, pois isto somente pode ser sabido mediante a fé” (Institutas 1.8.13).

Após claros apontamentos, fica claro o distanciamento de Calvino de uma interpretação legalista e literalista da Bíblia. Todavia, este afastamento chega a ser tão marcante a ponto de o autor das Institutas admitir erros e falhas no próprio texto. Comentando uma falha cometida pelo apóstolo Paulo em Romanos 3.4, citando de forma equivocada o texto do Salmo 51.4, afirmou: “Ao citar as Escrituras, os apóstolos frequentemente usavam uma linguagem mais livre do que o original, visto que eles se contentavam em aplicar a citação ao seu assunto e, portanto, eles não eram exageradamente cuidadosos no uso das palavras”.

Nessa breve exposição, duas coisas ficam claras: a participação ativa dos apóstolos na criação do texto, não como simples copistas guiados pelo Espírito; e a possibilidade de pequenas imprecisões no momento da redação textual. Esta percepção de Calvino é afirmada de forma mais direta em um trecho de seu comentário enfocando Hebreus 10.6: “Os apóstolos não eram escrupulosos demais na citação das palavras, ressalvando que não faziam mau uso das Escrituras, segundo suas conveniências. Nós devemos sempre olhar para o propósito com que as citações eram feitas… mas, no que diz respeito às palavras, como em outras coisas que não são relevantes ao propósito estabelecido, eles se permitiam alguma indulgência”.

Após argumentos tão contundentes, torna-se clara a enorme diferença existente entre a idéia de autoridade e inspiração bíblica cultivada pela tradição protestante original e a posterior teoria da inspiração verbal, fruto da ortodoxia do século XVII, defendida por teólogos fundamentalistas e até mesmo conservadores. Para os reformadores, a Bíblia era uma interminável fonte de paz e liberdade, levando a pessoa ao pleno conhecimento de Deus e de sua vontade para a vida cotidiana. Para a teologia fundamentalista, a Bíblia se converteu em um livro árido, repleto de regras moralistas e castradoras, sendo utilizada até mesmo como manual de ciências naturais, extrapolando e adulterando a função primordial do livro sagrado. Tornou-se, como bem afirmou o teólogo reformado suíço Emil Bunner uma espécie de “papa de papel”.

Para que a Bíblia seja compreendida e utilizada de forma correta, cabe uma breve reflexão sobre o que escreveu um importante pastor e teólogo presbiteriano independente, o Rev. Epaminondas Melo do Amaral: “A fim de colocar em posição legitima seu princípio, terá o protestantismo de rejeitar todo o literalismo que ele tenha impregnado. Valerá para nós a Escritura, sem imposições da inspiração literal, sem o peso indiscriminado da aceitação em bloco, porém com as insuperáveis virtudes de sua mensagem espiritual”.

JORGE BERTOLASO STELLA E SUA CONCEPÇÃO DA FORMAÇÃO DA BÍBLIA .





Stella é uma daquelas personalidades cujo brilhantismo foi relegado ao esquecimento. Italiano de Abadia, província de Parma, chegou ao Brasil com três anos de idade. Estabeleceu-se, junto com seus familiares, no interior de São Paulo. Convertido ao protestantismo, tornou-se ministro evangélico em 1919. Destacou-se como pastor por quase trinta anos na Primeira Igreja Presbiteriana Independente de São Paulo.

Interessante é sua sólida formação intelectual. Teólogo formado, adquiriu um real interesse pela filologia, sendo fluente no grego e hebraico. Não obstante a importância destas duas línguas, sua grande contribuição à cultura brasileira reside no fato de ser o primeiro intelectual nacional a dominar o sânscrito, língua indiana milenar. Apaixonado pela cultura hindu, escreveu um dos melhores comentários existentes em português sobre o Bhagavad Gita, livro sagrado do hinduísmo, além de vários estudos a respeito da cultura e religião do povo indiano. Ao contrário da maioria dos evangélicos, não possuía uma relação apologética com crenças não cristãs , mas as considerava como expressões relevantes da religiosidade humana. Completamente favorável ao diálogo inter-religioso, deixou o seguinte pensamento: “ Não há, em determinado sentido, duas religiões no mundo. Há uma só religião. O que há é desenvolvimento da religião, evolução, transformação do sentimento religioso. A água é uma só… A luz é uma só… conforme o instrumento que ela atravessa, se decompõe em cores diferentes como no caso do arco-íris”.
Foi professor emérito da cadeira de história das religiões na Faculdade de Teologia da Igreja Presbiteriana Independente na capital paulista e membro de destaque do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo.

Feito este pequeno e indispensável resumo histórico, vamos nos ater em um breve texto de sua autoria a respeito do processo de formação da Bíblia. Para Stella, a Bíblia, mesmo sendo Palavra de Deus, foi composta através de um longo processo cuja influência de textos de outras culturas e religiões foi determinante. Desta forma, leis contidas no Pentateuco, por exemplo, foram claramente inspiradas no babilônico Código de Hammurabi. Isto é, houve um intercâmbio entre a antiga cultura hebréia e a de seus vizinhos orientais. Esta constatação é inaceitável para grupos fundamentalistas, pois destrói a ideia de uma revelação pura e restrita ao antigo povo de Israel.

Assim, vamos ao texto, ele fala por si:

AS RAÍZES DA BÍBLIA

A Bíblia, livro humano, tem sido comparada com muitas coisas para mostrar sua utilidade. Eu assemelho-a uma árvore frondosa, cujas folhas são medicinais, cujas flores embelezam e cujos frutos nutrem e dão vida.

Nem sempre, ao observarmos uma árvore, pensamos na importância de suas raízes, que são como veias do corpo humano. É interessante observar, de passagem, que na língua basca, a mais antiga da humanidade ( 25.000 anos ), a palavra raiz significa veia. Raízes cortadas, árvores mortas.

A Bíblia tem suas raízes na Suméria, Caldéia,de onde recebeu idéias da criação, de Adão e da árvore da vida. Da Babilônia tiram-se, do Código de Hammurabi, 2.500 A.C, as leis abundantes que figuram nos livros de Gênesis, Êxodo e Levítico.

Do Egito,de onde, como se crê, origina-se Moisés, que não sendo autor do Pentateuco como muita gente pensa, é, no entanto, um vulto notável da humanidade, de lá vem, ao que parece, a idéia de Deus.

Da Pérsia passam para o Velho Testamento os seres celestes: anjos e arcanjos.
Dos Cananeus, outras abundantes idéias são transplantadas para a Bíblia. Demais idéias que constituem seiva preciosa, vêm de outros solos.

Como folhas são medicinais, as flores formosas e os frutos dão vida, a Bíblia é sombra de refrigério na aflição , embeleza a vida moral, o caráter, e nutre as almas nas suas aspirações.

À sombra dessa árvore tenho vivido a minha vida e na experiência de seus autores, colho o necessário para minha existência.

A Bíblia é a árvore da vida.

Conceitos religiosos – Jorge Bertolaso Stella, São Paulo, 1976


POR : ANDRÉ TADEU DE OLIVEIRA

Fontes :

Grandes Temas da Tradição Reformada - Donald K. McKim ( editor ) Pendão Real

A autoridade da Bíblia - Controvérsias- Significado- Fundamento- Gottfried Brakemeier- Sinodal

Bíblia- Suas Leituras e Interpretações na História do Cristianismo- Martin N Dreher

Conceitos Religiosos - Jorge Bertolaso Stella- São Paulo

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Lady Gaga. Arte Massificada e militância parcial






Creio que todo mundo ficou chocado com o modelo de péssimo gosto trajado pela cantora norte-americana Lady Gaga por ocasião da última premiação do VMA. Visando causar polêmica ou levantar a bandeira de uma causa nobre que comentarei no transcorrer do texto, Gaga apareceu inteiramente vestida de carne. Organizações que militam em prol dos direitos dos animais criticaram de forma veemente a suposta nova diva da música pop mundial.


Acho que já deu para sentir que não sou nem um pouco fã da senhorita Lady Gaga. Sei que gosto não se discute, muitas vezes apenas se lamenta, mas gostaria de fazer duas críticas sobre a moçoila. De antemão, peço desculpas ao pessoal que lê ou segue este blog e aprecia a cantora. Rogo que não me abandonem.


Musicalmente, Lady Gaga não apresenta absolutamente nada de novo. Na minha modesta opinião, é uma mistura de Madonna com Britney Spears com algumas pitadas de dance, pop e outros gêneros altamente comerciais. Como o pessoal hoje em dia consome qualquer tipo de melodia que grude facilmente na memória, a mulher tornou-se um verdadeiro estouro na parada. Eu mesmo já me deparei, involuntariamente, cantando a tal Bad Romance. Até a patroa em casa estranhou! Não bastando à melodia bem pastelão, o marketing em cima de Lady Gaga é absolutamente monstruoso! Se você ligar seu aparelho de TV na MTV, lá estará Gaga. Se você sintonizar seu rádio em uma emissora insuportável como uma Jovem Pan de São Paulo, vai escutar, no mínimo, umas três canções da loira em menos de duas horas!


Fora o apadrinhamento absurdo por parte da mídia, o visual, supostamente rebelde, garante uma postura pseudo-punk, quase anárquica, dando ares de grande contestadora para a nova explosão pop mundial. Assim, o circo está inteiramente montado! Temos mais um novo exemplo do que a famosa indústria cultural, tão sabiamente analisada pelo filósofo alemão Theodor Adorno, um dos grandes figurões da fantástica Escola de Frankfurt, é capaz de construir. Enquadro o “estilo Lady Gaga” de se fazer arte como a confirmação do que Adorno escreveu tempos atrás, afirmando que " a apoteose do tipo médio pertence ao culto daquilo que é barato”.


Não me interpretem mal. Não quero passar uma postura elitista a respeito das artes. Uma expressão artística para ser boa não precisa ser trabalhada, complexa, mas deve ser feita, primeiramente, com coração, vontade, não visando exclusivamente o lucro. Eu, por exemplo, gosto de Ramones, um grupo que nunca primou por uma técnica musical apurada, mas sua música tinha realmente postura, não tendo como finalidade primordial a fama e a grana. Não vejo tais ingredientes em Lady Gaga.
Após comentar sobre o lado artístico da nova queridinha do pop, tentarei abordar um pouco sua postura altamente incoerente como militante social.


Lady Gaga assume-se como defensora intransigente da causa gay. Legal. Eu mesmo, heterossexual ortodoxo, cristão protestante, estudante de teologia e mackenzista defendo os direitos da comunidade GLBTT. Até mesmo já escrevi sobre esse assunto no blog.
Todo cidadão, independentemente de sua orientação sexual, deve ter seus direitos resguardos pelo estado. Portanto, a união civil entre casais homoafetivos, fator básico para que tais direitos sejam realmente exercidos, é fundamental em um estado verdadeiramente justo.
No entanto, caso minha militância ficasse restrita apenas a tal ponto, acredito que seria incompleta. Portanto, além da causa GLBTT, a situação do negro, do mestiço, do indígena, da mulher, do pobre, do sem-teto, do sem-terra, dos animais e da natureza deve fazer parte de minha agenda como cidadão socialmente responsável.


Não acredito em militância em uma causa exclusiva. Martin Luther King, pastor batista estadunidense e líder da comunidade negra de seu país, forneceu um exemplo histórico de uma militância social realmente plural sem deixar de lado seu foco inicial. Iniciando sua vida como militante em prol da causa negra, Luther King conscientizou-se de que a opressão vivida pelo negro estadunidense era fruto de um contexto social muito mais abrangente. Ciente de tal realidade alargou sua atuação como contestador social. Começou a defender o direito dos operários brancos oprimidos por seus patrões e, radicalizando ainda mais seu discurso, passou a condenar o próprio sistema capitalista vigente nos EUA e a participação de seu país na nefasta Guerra do Vietnã.
Em cima das ponderações feitas acima, pergunto; qual a opinião de Lady Gaga a respeito de temas como: aquecimento global, ecologia, defesa dos animais, fome no mundo, pobreza, imperialismo norte-americano, consumismo, guerras e etc? Posso estar pecando pela ignorância, mas nunca tomei ciência de qualquer pronunciamento da cantora sobre essas questões tão importantes.


A defesa dos direitos dos homossexuais por parte de Lady Gaga é louvável. A cantora apenas peca pelo fato de limitar sua exposição na grande mídia defendendo um tipo de causa. Parece que todos os outros graves problemas mundiais simplesmente não existem.


Em nossos dias, a atuação de Angelina Jolie deveria servir de exemplo para Lady Gaga. Bissexual assumida, Jolie nunca ficou restrita a defesa de seu próprio grupo, mas alargou sua forma de atuação chegando a ser nomeada Embaixadora da Boa Vontade do Alto Comissionado das Nações Unidas (ONU). Vemos na agenda social de Jolie um verdadeiro amálgama de frentes sociais: defesa do direito dos homossexuais nos EUA, engajamento contra a fome no mundo, luta em prol dos refugiados de guerra e etc.


Angelina Jolie, está aí um bom exemplo a ser seguido por Lady Gaga. Será que ela consegue?



































POR : ANDRÉ TADEU DE OLIVEIRA

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

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quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Em defesa do Pentecostalismo


Já li várias matérias a respeito do pentecostalismo. De artigos acadêmicos a textos publicados no mundo virtual, a oferta sobre o tema é vastíssima.
Porém, uma coisa me incomoda profundamente; o julgamento prévio, na maioria das vezes preconceituoso e irônico, a qual o importante fenômeno pentecostal é submetido.

É necessário dizer que não sou carismático, nunca tive uma experiência avivalista em minha vida religiosa. Sou membro de uma denominação reformada tradicional, porém não cessacionista, e pauto minha identidade teológica naquilo que posso denominar como “ reformada progressista”, fazendo uma leitura contextualizada da teologia dos reformadores. Não suportanto rótulos, creio que me enquadro entre a neo-ortodoxia barthiana e um liberalismo moderado evangélico.

Liturgicamente, mesmo defendendo um culto brasileiro e contextualizado de acordo com nosso povo e tempo, sou afeito a uma liturgia trabalhada, solene, portanto bastante diferente da típica liturgia pentecostal.

Feitas as devidas ressalvas, vou esclarecer o motivo de minha tristeza quando leio determinadas notas a respeito do pentecostalismo. A mídia secular quase sempre aborda o movimento pentecostal apenas em seu aspecto pejorativo e não tão nobre, afinal, está em busca daquilo que pode proporcionar polêmica e, no caso, retorno financeiro. Acho que nunca li uma leitura teológica e sociológica séria na grande mídia sobre o tema. Por outro lado, setores da mídia evangélica, influenciados por uma mania neurótica de perseguição, nunca estão dispostos a realizar um debate relevante e imparcial sobre assuntos polêmicos relacionados ao pentecostalismo.
O que resta são alguns poucos bons livros acadêmicos, porém de dificil acesso e compreensão para o grande público. Assim, gostaria de escrever algumas impressões particulares a respeito do pentecostalismo, avaliando sua força e fraqueza. Quando digo pentecostalismo, me refiro ao movimento clássico, não considerando o chamado neopentecostalismo.

O lado Libertário do Pentecostalismo

Surgido no início do século XX nos Estados Unidos, o movimento pentecostal sempre foi visto com maus olhos pelos protestantes fundamentalistas. Suas ênfases doutrinárias e litúrgicas foram rebatidas com argumentos diversificados, desde ricos comentários teológicos até chavões toscos e preconceituosos.

Dentro do universo reformado estadunidense, teólogos presbiterianos de renome como B.B.Warfield e Charles Hodge argumentavam que os dons espirituais narrados nas páginas do Novo Testamento tiveram seu fim logo após a era apostólica. Dessa forma, qualquer ato sobrenatural ocorrido após esse período seria basicamente fraudulento. A obra de Warfield denominada “Milagres Falsificados”, publicada em 1918, negava, por exemplo, a existência de atos miraculosos na era contemporânea. Portanto, um dos pilares básicos do pentecostalismo era contestado. Outro presbiteriano, Ronald A.Knox, fomentou um ataque mais virulento ao pentecostalismo por meio de seu livro “Entusiasmo”, onde as manifestações emocionais ocorridas em cultos pentecostais foram veementemente condenadas.Com a consolidação do movimento fundamentalista o nascente pentecostalismo tornou-se alvo de uma campanha agressiva e difamatória. Batistas e presbiterianos conservadores lideraram esse período inquisitorial. A anteriormente elaborada contestação teológica feita por teólogos conservadores como Warfield cedeu lugar a agressões verbais completamente destemperadas, como acusações de que o pentecostalismo seria o último “vômito de Satã” na terra.

A despeito das críticas doutrinárias, será que o ataque ao pentecostalismo foi motivado apenas por questões dogmáticas e litúrgicas? Uma analise fria da história nos mostra que não. Surgido oficialmente em abril de 1906, o pentecostalismo teve como principal líder a figura do negro Wiliam Joseph Seymour. Aluno do metodista racista Charles Fox Parham, Seymour sentiu na própria pele a crueldade do racismo estadunidense. Assíduo freqüentador das aulas bíblicas ministradas por Parham, Seymour tinha sua presença em sala de aula proibida pelo fato de ser negro. Posteriormente, como líder do novo movimento religioso que seria conhecido como pentecostalismo, foi responsável por uma integração racial jamais vista nos EUA do início do século XX. Assim, essa verdadeira democracia racial incomodou a elite branca estadunidense majoritariamente vinculada ao fundamentalismo protestante.

Karen Armstrong em seu ótimo livro “Em nome de Deus- o fundamentalismo no judaísmo, no cristianismo e no islamismo ", confirma tal tese. Vejamos:

“Nesses primeiros anos parecia que uma nova ordem mundial estava surgindo em seus cultos. Numa época de insegurança econômica e crescente xenofobia, negros e brancos rezavam juntos e se abraçavam. Seymour se convenceu de que era essa integração racial, e não o dom de línguas, que constituía o sinal decisivo do fim dos tempos”.

O historiador David Daniel III confirma os dados transmitidos por Karen:

“A Missão da Fé Apostólica de Seymour serviu de modelo para as relações raciais. De 1906 a 1908, negros, brancos, latinos e asiáticos adoravam juntos na missão. Líderes pentecostais brancos, como Florence Crawford, Glenn Cook, R.J.Scott e Clara Lum, trabalhavam com o pastor Seymour, e com algumas lideres negras como Jennie Evans Moore, Lucy Farrow e Ophelia Wiley. O pentecostalismo nascente teve de encarar sua identidade racial numa época em que a maioria das instituições e movimentos cristãos e sociais dos Estados Unidos esposava a segregação racial. Frank Bartlemann, que participou do avivamento na Rua Azusa, expressa sua admiração – A segregação racial foi apagada pelo sangue de Jesus! Enquanto batistas, metodistas, presbiterianos e comunhões holiness, no período de 1865 a 1910, tendiam à segregação racial em suas congregações, associações e estruturas denominacionais, brancos e negros pentecostais pastorearam, pregaram, comungaram e adoraram juntos de 1906 a 1914. Em geral, antes de 1914, os ministros pentecostais brancos independentes recusavam a filiar-se a emergentes denominações pentecostais de tendências segregacionistas, embora muitos deles fossem membros do grupo pentecostal holiness de maioria negra, a Igreja de Deus em Cristo. A liderança pentecostal condenava com veemência as atividades da Ku Klux Klan, e muitas vezes foi alvo do terrorismo dessa organização, por causa da ética inter-racial do pentecostalismo. Parham demonstrava um comportamento racista e uma atitude arrogante em relação a seus colegas negros, especialmente Seymour”.

Tais ideais eram inaceitáveis para o típico protestante conservador norte-americano. Convém lembrar que o fundamentalismo protestante, posteriormente associado aos grotões menos desenvolvidos dos EUA, em seu início foi financiado por elementos altamente influentes da elite, como os magnatas ligados a indústria petrolífera Lyman e Milton Stewart, responsáveis pela publicação, entre 1910 e 1915, da famosa série de folhetos “Os Fundamentos”, considerados textos basilares para a ortodoxia protestante.

Portanto, qualquer movimento que alterasse a ordem estabelecida seria considerado absolutamente herético. Além da integração racial promovida pelos primeiros pentecostais, outros fatores contribuíram para o repúdio manifestado por setores magistrais do protestantismo norte-americano. O culto altamente participativo, responsável pela quebra de barreiras entre clero e laicato, não poderia ser aceito normalmente por uma sociedade fortemente hierárquica. Não bastando, a composição sócio-econômica bastante humilde da maior parte dos integrantes do pentecostalismo original despertou uma oposição virulenta em setores ligados ao grupo majoritário e conservador do protestantismo americano. Vinson Synan, historiador pentecostal estadunidense, confirma essa idéia:

“Durante seis décadas (1906-1960), o pentecostalismo foi excluído do que era considerado cristianismo respeitável nos Estados Unidos e no mundo. Os pentecostais eram barulhentos e, para alguns, desordeiros. Sua adoração estava além do entendimento daqueles que não conheciam a espiritualidade interior que orientava o movimento. Acima de tudo, os pentecostais eram pobres, desprivilegiados, sem instrução e alheios às últimas tendências teológicas que interessavam à maior parte do protestantismo”.

A mídia secular da época, demonstrando de forma latente seu preconceito, não se cansava de noticiar fatos supostamente bizarros do pentecostalismo. Acontecimentos bizarros, além das manifestações sobrenaturais, eram considerados a liderança do movimento por um homem negro e a participação de mulheres em postos de liderança.

Após uma análise dos fatos citados, podemos concluir que o pentecostalismo não nasceu como um movimento repressor, mas sim como portador de uma proposta altamente libertária. Além das práticas com claro reflexo social, como a integração racial, valorização da mulher e ausência de discriminação por questões econômicas, a própria espiritualidade pentecostal era libertadora. Mesmo submetendo suas doutrinas e práticas ao crivo da Bíblia Sagrada, concedia um elevado posto ao sentimento pessoal do crente. Tal concepção chocava-se de forma contundente com o fundamentalismo teológico que apregoava a observância irrestrita a letra do texto bíblico.

Com o passar do tempo, um segmento substancial do pentecostalismo perdeu parte dessas características. Em completa contradição com seu passado não segregacionista, viu nascer em seu seio várias denominações pentecostais voltadas exclusivamente para brancos. Convém lembrar que o pentecostalismo brasileiro é originário desse pentecostalismo segregacionista, uma verdadeira apostasia da proposta original.

Como se tratava de um movimento recente e sem grande tradição teológica, aceitou boa parte das doutrinas defendidas pelo fundamentalismo que tanto o combatera. Dessa forma, doutrinas associadas deliberadamente ao pentecostalismo como: escatologia pré-milenarista, inerrância verbal das Escrituras e um moralismo asceta foram tomadas como empréstimo do protestantismo tradicional fundamentalista. Assim, esses elementos doutrinários claramente repressivos e limitadores de uma atuação transformadora na sociedade não são características inerentes ao pentecostalismo, mas refletem a influência nefasta do fundamentalismo sobre um movimento que tinha tudo para ser uma verdadeira renovação no cristianismo.

Após esta breve análise histórica, cabe aos pentecostais do século XXI a luta pelo retorno aos antigos e originais valores.



POR : ANDRÉ TADEU DE OLIVEIRA



Fontes :


Em nome de Deus- O Fundamentalismo no judaísmo, no cristianismo e no islamismo- Karen Armostrong- Companhia das Letras


O Século do Espírito Santo - 100 anos do Avivamento Pentecostal e Carismático- Vinson Synan- Vida Acadêmica.

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Os evangélicos e a Teologia da Libertação


Texto de minha autoria publicado na revista evangélica " Eclésia".


Nos anos 1970 e 80, uma nova abordagem da fé cristã começou a ganhar corpo na esteira da polarização do mundo entre capitalismo e comunismo. A Teologia da Libertação, interpretação do Evangelho pelo viés marxista, floresceu no seio de setores progressistas da Igreja Católica, defendida por teólogos do porte de Gustavo Gutiérrez, José Coblin e Frei Betto, além de Leonardo Boff – este, aliás, tornou-se uma espécie de personificação do movimento no Brasil. Combatido com vigor pelo Vaticano, o frei Boff foi exortado a abandonar suas teses pelo então cardeal Joseph Ratzinger, homem forte da Santa Sé e que, em 2005, acabou chegando ao papado. Abandonando voluntariamente o sacerdócio, suas idéias sofreram um certo esvaziamento nas duas últimas décadas.

Devido à sua ligação com pensadores católicos, a Teologia da Libertação acabou sendo associada à Igreja Romana. No entanto, um detalhe é pouco sabido e quase sempre ocultado: esta vertente da fé cristã, de cunho fortemente social, possui uma raiz fortemente evangélica. Movimentos populares e até mesmo revolucionários de contestação à pobreza, miséria e desigualdade social foram atuantes durante toda a história do protestantismo. Ainda no século 15, antes mesmo da Reforma luterana, seguidores radicais do pré-reformador João Huss, os chamados taboritas, apregoavam a luta armada para o estabelecimento do Reino de Deus na terra, onde reinaria a justiça e paz.

Já no século 16, parcela significativa dos anabatistas alemães era unânime em condenar a propriedade privada. Aquele foi um tempo de contestação, ainda inspirado pelo fim da Idade Média e a derrocada do modelo feudal de concentração de riquezas. A classe dos trabalhadores rurais assalariados, em expansão, reivindicava melhores condições de vida – e, na vanguarda do movimento, havia forte inspiração nas idéias de justiça social e igualdade presentes tanto no Antigo quanto no Novo Testamento. Embora, paradoxalmente, tenha sido condenado por Martinho Lutero, o levante dos camponeses germânicos foi fruto direto de suas teses, que minaram a autoridade do maior poder político de sua época, a Igreja.

Um século depois, foi a vez da Inglaterra ser sacudida pela chamada Revolução Puritana. Liderada por Oliver Cromwell, o movimento mudou o perfil político e social da Grã-Bretanha. Os puritanos depuseram o rei Carlos I, que acabou condenado à morte, aboliram a monarquia e instituiram um regime republicano. Inspirada na reforma calvinista que se espalhara por todo o continente europeu, a Revolução Puritana estabeleceu, mesmo que por pouco tempo, uma Igreja radicalmente evangélica, sob os moldes de Genebra. Entre os vários grupos que compunham o exército puritano, os chamados cavadores eram partidários de um verdadeiro comunismo cristão, condenando qualquer tipo de propriedade privada.

Já no fim do século 19, os pastores reformados suíços Leonhard Ragaz e Hermann Kunter organizaram o chamado movimento socialista cristão, que repercutiu por toda Europa e Estados Unidos. Todo este engajamento de lideres evangélicos em prol da justiça social se fez presente no desenrolar do século 20 – justamente, a época que assistiu o surgimento, apogeu e queda do comunismo stalinista como política de Estado. Posições democráticas e socialistas foram defendidas por teólogos de renome como Karl Barth e Paul Tillich.

Ordem desigual

Se floresceu numa Europa marcada pela busca por mudanças radicais, na América Latina a semente do cristianismo social não encontrou terreno propício para germinar. Se, por um lado, a Igreja Católica, historicamente, sempre tomou o partido dos poderosos, o protestantismo, por sua vez, adquiriu contornos mais místicos que políticos. Relativamente nova – a chegada dos primeiros missionários evangélicos só ocorreu a partir de meados do século 19 – e minoritária, a Igreja Protestante preocupou-se prioritariamente com a salvação individual. “O protestantismo acalenta e agasalha muito bem o conceito abstrato de salvação – o de que o mais importante é a alma”, frisa Ronaldo Cavalcante, doutor em teologia pela Universidade Pontifícia de Salamanca, Espanha, e docente da faculdade de filosofia da Universidade Presbiteriana Mackenzie, em São Paulo. Ele lembra que, durante boa parte da primeira metade do século 20, a atuação social dos evangélicos latino-americanos ficou restrita a obras caritativas, como creches, escolas e hospitais. “Não havia ferramentas teóricas para tentar modificar a ordem altamente desigual que condenava a parte sul do continente americano a uma existência miserável para boa parte de seus habitantes”, observa o estudioso.

Foi só a partir da década de 1940, com a chegada do missionário norte-americano Richard Shaull ao Brasil, que esta situação começa a mudar. Antes de se estabelecer no país, onde foi responsável por uma verdadeira revolução no ensino teológico e no movimento estudantil entre jovens evangélicos, Shaull foi missionário na Colômbia. Já dotado de uma avançada consciência social, constatou que simples obras sociais não alterariam a situação de profunda miséria que caracterizava a sociedade colombiana. Caminhando pelos subúrbios da capital Bogotá, Shaull percebeu que apenas uma mudança estrutural poderia mudar, não apenas a precária situação local, mas todo o quadro latino-americano. Terminando seu vinculo com a missão colombiana, Shaull retorna aos EUA, onde durante dois anos aprofundou-se no estudo das teorias marxistas.

“Richard Shaull viu no marxismo elementos para a construção de uma ordem social mais justa, e nele sentiu o desafio para se tornar um cristão melhor do que era”, diz Eduardo Galasso Faria, pastor presbiteriano independente e autor do livro Fé e compromisso – Richard Shaull e a teologia no Brasil. Tomado por esta nova compreensão social, Shaull publica o artigo A forma da Igreja na antiga Diáspora. Neste pequeno texto, encontra-se o embrião da Teologia da Libertação, na época conhecida como “teologia da revolução”. “Shaull não é considerado o pai da Teologia da Libertação. Mas, para muitos, é tido como seu precursor. O fato é que, ao ver as primeiras manifestações dessa abordagem teológica, Shaull sentiu que ela era o desenvolvimento natural do trabalho que havia iniciado anteriormente e no qual não pôde prosseguir. Entretanto, existem algumas diferenças entre seu pensamento e as idéias defendidas pelos posteriores teólogos da libertação”, explica Galasso.

Vanguarda evangélica

Na verdade, coube a um discípulo de Shaull, e presbiteriano como ele, a provável paternidade do movimento. Este é ninguém menos que o intelectual brasileiro Rubem Alves. Aluno de Richard Shaull no Seminário de Campinas (SP), Alves transformou-se num dos mais importantes e polêmicos teólogos protestantes da atualidade. Atualmente afastado do labor teológico, ele é considerado o pai do termo Teologia da Libertação. Fora do país devido ao golpe militar de 1964, Alves exilou-se nos Estados Unidos, publicando em 1968 a tese Teologia da Libertação. O trabalho tornou-se um marco – foi a primeira vez que a expressão “libertação”, hoje tão em voga e descaracterizada, foi empregada em uma obra teológica. Com este trabalho, Rubem Alves antecipou muitas das idéias mais tarde defendidas por pensadores católicos como Gutiérrez e Hugo Assman.

“Mesmo não sendo exclusivamente protestante, a vanguarda evangélica na área do estudo bíblico na Europa e nos EUA, unida à liberdade interna existente na tradição protestante, facilitaram muito a aproximação do patrimônio bíblico, com a forte tradição judaico-marxista, fazendo acontecer um diálogo criativo entre eles. Isto foi fundamental para o desenvolvimento da Teologia da Libertação”, analisa Ronaldo Cavalcante. Com o passar do tempo, essa vertente cristã inspirou inúmeras novas formas teológicas voltadas à luta por uma sociedade mais igualitária – inclusive, a teologia feminista e uma teologia negra.

Mais do que fazer discussões isoladas sobre inúmeros temas, o desafio da Teologia da Libertação é incorporar o cruzamento destas várias categorias políticas, econômicas, raciais e de gênero”, enfatiza a teóloga Sandra Duarte de Souza, professora ligada à Universidade Metodista de São Paulo (Umesp). Para ela, existe uma crescente preocupação por parte de importantes segmentos da Igreja Evangélica latino-americana para fazer da Teologia da Libertação um instrumento para o combate a todo tipo de opressão – e aí, pouco importa se ela tem origem econômica, espiritual e política.

POR : ANDRÉ TADEU DE OLIVEIRA

sábado, 18 de setembro de 2010

A Tolerância do jovem Lutero


Trecho retirado do ótimo livro História do Cristianismo, de autoria do historiador britânico Paul Johnson :

Lutero, como heresiarca, havia começado pedindo tolerância, insistindo na ( esta era uma nova expresssão ) " liberdade de consciência". Não queria " triunfar pelo fogo, mas pelos escritos". Entre suas preposições condenadas por Roma, figurava : " queimar hereges é contrário à vontade do espírito". O poder secular deveria " ocupar-se de seus próprios negócios, deixando que cada qual acredite no que puder e optar, não se valendo de qualquer força com ninguém a esse respeito". Chegou mesmo, a princípio, a instar que os príncipes fossem tolerantes com os milenaristas, anabatistas e outros tipos de Munster, " por ser necessário que haja seitas e a palavra de Deus seja alistada e se engaje nas batalhas". Essa moderação inicial não sobreviveu à crescente dependência de Lutero em relação aos príncipes".


História do Cristianismo - Paul Johnson- Imago, página 347.


PS : A ligação com o poder corrompe até mesmo nobres pessoas

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

O Jesus Histórico e suas evidências


“A dúvida acerca da existência real de Jesus carece de fundamento e não merece uma só palavra de réplica. Fica completamente claro que Jesus está, como autor, atrás do movimento histórico cujo primeiro estágio palpável temos na mais antiga comunidade palestinense”. Com estas palavras, o teólogo luterano Rudolf Bultmann, um dos mais influentes do século passado, classificou como improcedentes as inúmeras teorias desenvolvidas, principalmente entre os séculos 18 e 19, que apregoavam a não existência de Jesus como personagem realmente histórico e, sim, como mera projeção subjetiva da então nascente comunidade cristã.

O embrião destas idéias encontra-se nos trabalhos de F. Volney e Ch. F.Dupuis, ambos produzidos em 1791. Porém, a obra de maior importância, cuja temática era a negação da existência real de Jesus, foi escrita por volta de 1877, tendo como autor o alemão Bruno Bauer. Historicamente, como bem atestou Bultmann, este ceticismo radical a respeito da existência de Jesus foi considerado improcedente pela quase totalidade dos modernos historiadores. Segundo Remi Gounelle, professor de teologia na Faculdade Protestante de Estrasburgo, França, nenhum historiador sério questiona que um certo Jesus de Nazaré viveu em uma determinada área do território palestino por volta do primeiro século.

No entanto, alguns céticos radicais vivem apregoando uma suposta inexistência de relatos extra-bíblicos a respeito de Jesus. Será que estas afirmações procedem? A resposta é: não! Existem fontes confiáveis oriundas de escritores judeus e pagãos que atestam a existência de Jesus. Entretanto, não podemos recorrer a estas citações visando estabelecer um perfil minucioso e detalhado de Jesus no que diz respeito à sua vida e atos. Nestes relatos, Jesus é apenas citado. Não há interesse por parte de seus autores em esmiuçar sua vida. Mesmo assim, estas simples citações são consideradas, pelos historiadores, elementos comprobatórios da existência do ser humano Jesus.

Fontes judaicas

Dentre as fontes judaicas, destacam-se as fornecidas por Flávio Josefo. De origem aristocrata, Josefo nasceu por volta do ano 37 d.C, em Jerusalém. Considerado um dos maiores historiadores hebreus, escreveu, entre tantas obras, clássicos como Antiguidades judaicas e História da Guerra Judaica. Mas o que Josefo diz sobre Jesus? A primeira citação, encontrada em Antiguidades Judaicas, é considerada absolutamente original e fiel: “Anás convocou os juízes ao Sinédrio e ordenou que levassem à presença deles o irmão de Jesus, ao qual chamam Messias, cujo nome era Tiago, e alguns outros. Acusou-os de terem transgredido a lei e entregou-os para que fossem apedrejados.” (Antiguidades, 20, 200). Neste trecho, Jesus é citado de forma indireta, porém de maneira absolutamente clara. O foco da narrativa é Tiago. Não sendo muito conhecido, o mesmo é apresentado como sendo irmão de Jesus, o que supõe a importância e o reconhecimento histórico da pessoa de Cristo. Outro detalhe importante para a posterior cristologia: Josefo atesta que Jesus era reconhecido por seus discípulos como Messias.

A outra conhecida citação a respeito de Jesus encontra-se na mesma obra e é relativamente controversa. Trata-se do chamado Testimonium Flavianum. Segundo estudiosos, houve inúmeras interpolações, isto é, acréscimos de cunho cristão em uma versão deste trecho. Convém lembrar que Josefo era um judeu pertencente ao partido dos fariseus e, como tal, jamais escreveria, como encontramos na citada versão, frases a respeito de Jesus como: “Naquele tempo, quando Pilatos era governador, apareceu Jesus, um homem sábio, se é que realmente é lícito chamá-lo de homem”; ou: “Ele era o Messias” e outras de cunho claramente cristãs. Segundo Armand Puig, historiador e doutor em ciências bíblicas, após anos de estudos, especialistas chegaram à conclusão que o Testimonium é um fragmento autêntico de Flávio Josefo, porém, com posteriores acréscimos cristãos como os citados brevemente acima.

Além de Josefo, encontramos no contexto judaico, referências à pessoa de Jesus na Guemará, parte integrante do Talmude. São duas peças literárias encontradas no Tratado de Sanhedrin do Talmude da Babilônia. Ao contrário de Josefo, que escreveu de forma neutra sobre Jesus, estes escritos rabínicos são negativos. Tal atitude é compreensível, pois Jesus era considerado herege para o judaísmo.

Fontes pagãs

O mundo gentio também traz citações significantes a respeito do Jesus histórico. Tácito, importante historiador romano, escreveu entre os anos 116 DC a obra Annales. Comentando a respeito da origem do termo “cristão”, Tácito escreveu: “Este nome vem de Cristo, que, quando Tibério era imperador, tinha sido condenado à pena capital pelo procurador Pôncio Pilatos. Momentaneamente reprimida, esta superstição perniciosa voltou a ressurgir, não apenas na Judéia, berço do mal, mas também em Roma, onde chega e se espalha por todo o lado tudo aquilo que existe de terrível e vergonhoso” (Annales 15,44).

Outro historiador romano, chamado Suetônio (70 DC), em sua obra, A Vida de Cláudio, cita a influência de Jesus Cristo em eventuais distúrbios ocorridos entre judeus em Roma: “Cláudio expulsou os judeus de Roma por causa dos distúrbios constantes provocados por Cristo” (Vida de Cláudio, 25).

Plínio, o Jovem, governador romano da província da Bitínia, cita diretamente Cristo em uma carta enviada ao imperador Trajano, comentando a respeito da jovem igreja cristã: “Tem por hábito reunir-se no dia acordado antes do romper do sol e elevar cantos a Cristo como deus, onde recitam coros. Comprometem-se ainda, sob juramento, a não fazerem nada de mau e absterem-se de cometer roubos, de viver como malfeitores e de cometer adultério, de romper palavra dada, e não negarem a guardar o dinheiro que lhes seja confiado” (Cartas, 10,96).

Fora do contexto romano, mas dentro de uma cultura helenista, há o testemunho de dois importantes escritores. Comentando a destruição de Jerusalém em 70 DC, o filósofo estóico Mara Bar-Serapião refere-se a Jesus de forma indireta, denominando-o “rei sábio”. Por fim, o pensador sírio Luciano de Samósata, em seu trabalho De morte Peregren, faz uma avaliação do comportamento dos primeiros cristãos baseada na pessoa de Jesus: “Antes de tudo, estes infelizes cristãos estão convencidos que são imortais e de que viverão para sempre. Por isso, desprezam a morte e muitos a enfrentam voluntariamente. Seu primeiro legislador os convenceu de que eram todos irmãos. A partir do momento em que renunciaram os deuses da Grécia, passaram a adorar seu sofista crucificado e amoldaram suas vidas aos seus preceitos. Eles também desprezam todos os bens, mantendo-os para uso comum.”

Após tão claros apontamentos, seria um ato de desonestidade histórica negar que realmente Jesus passou por esta terra. Porém, mesmo com fontes não cristãs bastante claras, algumas pessoas ainda insistem que as mesmas são exíguas. Para Gabrielle Cornelli, filósofo brasileiro ligado à Universidade de Brasília e um dos organizadores do livro Jesus de Nazaré- uma outra história, obra pioneira no assunto em nosso país, a documentação a respeito de Cristo não é exígua. Inclusive, se comparada ao que temos a respeito de Sócrates, importante filósofo grego, é relativamente numerosa. De acordo com o já citado historiador francês Remi Gounelle, o argumento derradeiro que atesta a real existência de Jesus é a atitude dos opositores do cristianismo no primeiro século. Filósofos e pensadores judeus e pagãos, mesmo tendo combatido o cristianismo de forma agressiva, nunca colocaram em dúvida a existência de Jesus. Caso Jesus não tivesse realmente existido, o argumento de sua não existência seria usado, sem sombra de dúvida, pelos perspicazes inimigos do cristianismo.

POR : ANDRÉ TADEU DE OLIVEIRA

Fontes
Jesus, uma biografia. Armand Puig. Paulus Portugal.
Jesus Cristo Libertador. Leonardo Boff. Vozes.
Revista História Viva, edição especial temática número 19, “Um homem chamado Jesus”.
Revista Galileu, número 186.

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Uma Breve História do Socialismo Protestante - Parte I


Não sou chapa branca. Quem acompanha um pouco esse blog já notou meu posicionamento crítico diante da igreja. O cristianismo, seja católico ou protestante, tem um histórico de atrocidades sobre si. Inquisição, cruzadas, colonialismo, machismo, ligação com regimes conservadores e opressivos. Em suma, inúmeras posturas desastrosas, completamente incoerentes com o início do movimento cristão, libertário por natureza, foram assumidas pela igreja pós Constantino.

Mas não quero ficar apenas no âmbito da crítica. Esta mesma igreja, capaz de apoiar as causas mais reacionárias, também mostrou outra face, face bem mais próxima do simples e solidário Evangelho pregado por Jesus Cristo. Não desejo politizar o Evangelho. Não vinculo a mensagem de Cristo a qualquer ideologia humana, seja de direita ou de esquerda, afinal, são construtos humanos, portanto, falíveis. No entanto, nunca escondi de ninguém que sou de esquerda, defendendo o socialismo democrático como o regime mais compatível com uma sociedade justa e fraterna. Convém lembrar que não sou um esquerdista cego. Consigo enxergar qualidades em determinadas características do capitalismo dito liberal, mas acredito que o mesmo, historicamente, já está superado, devendo ceder lugar para uma ordem realmente socialista sem nenhuma ligação com aquele trágico e ditatorial regime stalinista reinante no leste europeu. Seria utopia de minha parte? Sim! Mas o cristianismo é utópico por natureza! No entanto, a utopia cristã não é baseada em uma hipótese impossível, fantasiosa, mas, de acordo com a tradição bíblica, coloca o ser humano como agente de sua própria história. Deus é soberano, mas esta soberania faz uso, dentre outras coisas, da atuação direta do seu povo. O livro do Êxodo nos mostra a sinergia existente entre o Deus libertador e o povo de Israel que, confiando nas promessas de Javé, caminhou por si até a terra prometida. A respeito da utopia escatológica cristã, Moltmann, teólogo reformado alemão, um dos grandes gigantes da teologia cristã ainda em atividade, escreveu:

A esperança escatológica (das coisas futuras) se torna força impulsionadora da história para a construção de utopias do amor ao ser humano sofredor e do seu mundo malogrado, ao encontro do futuro desconhecido, mas prometido por Deus”.

Ao contrário do pensamento predominante no protestantismo brasileiro, de cunho marcantemente pré-milenarista, a espera por um novo mundo não é passiva, buscando sinais da eminente volta de Jesus, mas é completamente humana e ativa, lutando por uma transformação radical da ordem social. Porém, esta necessária atividade humana não pode ser compreendida como a implantação do Reino em si, mas sim como um pálido reflexo daquilo que Deus tem reservado para sua criação e que será consumado de forma definitiva por Ele.

Após esta breve introdução teológica, vamos agora para o foco do assunto, a primeira parte de uma Breve História do Socialismo Protestante. Neste post iremos abordar uma certa idéia socialista existente no movimento reformatório chamado magistral, isto é, liderado por vultos como Martinho Lutero, João Calvino, João Knox. Posteriormente, veremos esta questão vinculada aos anabatistas e no transcorrer da história.

UMA BREVE HISTÓRIA DO SOCIALISMO PROTESTANTE - Parte I

O movimento reformatório do século 16 foi eminentemente religioso. Contudo, sua influência será sentida em aspectos culturais, sociais, econômicos e políticos. Seria um grave equívoco considerarmos os chamados reformadores magistrais como precursores diretos da democracia e de um estado laico. Homens como Lutero, Bucer, Zwinglio e Calvino ainda estavam ligados a concepção teocrática da sociedade. Porém, ao se rebelarem contra a maior autoridade política de sua época, o papado, iniciaram um processo que durante o decorrer da história culminaria no chamado período iluminista com a luta por um estado laico, livre da tutela religiosa. Para muitos historiadores, não haveria iluminismo sem a Reforma Protestante. A ruptura com Roma foi fundamental para esse processo.

Assim como seria um grande erro identificar a consolidação da democracia como fruto direto do movimento reformista magistral do século 16, o mesmo pode ser dito a respeito de qualquer idéia sócio-econômica. O mundo do século 16 era bastante diferente do nosso, sendo impossível falar de capitalismo ou socialismo de acordo com os moldes atuais. No entanto, idéias defendidas pelos reformadores, assim como medidas implantadas pelos mesmos, nos permitem chegar a algumas conclusões a respeito de suas posições sócio-econômicas.

Martinho Lutero era bastante conservador. Sua vergonhosa aliança com os príncipes por ocasião do triste episódio conhecido como Guerra dos camponeses demonstra esse conservadorismo de forma clara. Não obstante, algumas idéias progressistas eram defendidas pelo antigo monge agostiniano. No que diz respeito à educação, Lutero defendia que as escolas fossem de clara responsabilidade da autoridade municipal, devendo ser obrigatória a freqüência por parte dos alunos. Não bastando, em uma atitude absolutamente revolucionária para a época, defendeu a criação de escolas direcionadas às mulheres. Temos aqui o embrião de uma idéia de educação universalista, obrigatória e custeada pelo estado, portanto, bastante diferente da atual concepção mercantilista que permeia a educação no regime capitalista.

Concernente a questões econômicas, Lutero manteve muitas posições claramente medievais, como, por exemplo, a repulsa por qualquer tipo de cobrança de juros. Doravante, mesmo possuindo este viés saudosista, até mesmo feudal em alguns aspectos, era um observador perspicaz da sociedade do seu tempo. Percebeu a evolução de uma sociedade agrária e feudal para outra basicamente mercadológica. Era o início do chamado capitalismo mercantil ou pré-industrial, bastante diferente do atual, mas claramente capitalista

Absolutamente preocupado com as injustiças decorrentes do livre comércio, Lutero escreveu, em 1524, seu famoso tratado denominado Comércio e Usura. Nele, ao contrário do que poderíamos esperar, o reformador aprovou o surgimento do comércio, afirmando, até mesmo, a necessidade desta atividade para o bom andamento da sociedade. Porém, manifestou uma clara preocupação a respeito da grande alternância de preços existente entre mercadorias similares e fundamentais para a sobrevivência do pobre. Para sanar esta grande chaga social, propôs que os príncipes territoriais tivessem o arbítrio final nessa questão. Resumindo, o ESTADO deveria intervir, quando necessário, de forma direta na questão comercial. A esse respeito, Walter Altmann, pastor e teólogo luterano brasileiro, traz a seguinte informação:

“Lutero percebeu que se fazia necessária uma regulamentação das atividades comerciais e financeiras pela ação do Estado, em particular no que concerne à fixação de preços, controle das mercadorias e proibição da especulação financeira.”

Portanto, encontramos em Lutero a firme defesa de um estado realmente participante e até mesmo interventor na economia, uma concepção bastante diferente da promulgada pelo capitalismo neoliberal.

Agora, vamos tratar de João Calvino. Absurdamente, o nome do reformador francês tem sido associado ao capitalismo atual. Tal idéia é fruto de uma má compreensão a respeito da obra do sociólogo alemão Max Weber, principalmente a contida em seu livro “A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo”. Justiça seja feita, Weber nunca afirmou que o calvinismo teria sido o pai do capitalismo. Como pessoa altamente ilustrada, ele tinha ciência que tal regime econômico foi gestado há séculos antes da reforma, provavelmente no final do século XIV. Além do mais, foram localidades fortemente católicas, como as cidades de Veneza e Gênova, na Itália, que se destacaram por esse capitalismo mercantil. Acertadamente, Weber afirmou que o movimento encabeçado por Calvino transcorreu juntamente com o desenvolvimento desse tipo de capitalismo, sendo ele influenciado pelo novo regime e não o contrário.

Weber, que inicia sua tese de forma magistral, se perde logo após. Ao atribuir valores peculiares do puritanismo britânico do século 18, portanto bastante afastado do calvinismo original do século 16, ao calvinismo como um todo, ele demonstra um total desconhecimento do pensamento econômico e social do reformador francês.

Ao contrário de Lutero, Calvino, como bom humanista, tinha uma visão mais positiva a respeito das mudanças sociais que ocorriam na Europa de sua época. Contudo, isso não significou uma aprovação irrestrita e acrítica à nova ordem. Um bom exemplo é a questão da cobrança de juros. Vimos que Lutero era veementemente contrário a cobrança de qualquer tipo de juros. Calvino, ciente da importância dessa taxa para o desenvolvimento econômico, sancionou-a de forma limitada. Para o francês, os juros somente eram aceitáveis caso o dinheiro emprestado fosse aplicado em outra atividade geradora de lucro, isto é, quando a outra parte ganhasse algum dinheiro em decorrência do valor cedido. Mesmo assim, a taxa de juros não era ilimitada, livre, mas sim fixada pelo próprio estado. Segundo André Biéler, pastor reformado e economista suíço, na Genebra calvinista, entre 1538 e 1544, estas taxas oscilaram entre 5% a 6,6% ao ano, bem inferiores aos 12% anuais permitidos nos territórios católicos de Carlos V.

No que diz respeito à cobrança de juros em um empréstimo pessoal, quando uma pessoa necessitasse de dinheiro para consumo, tal cobrança era absolutamente proibida, pois era considerada abertamente como agiotagem pecaminosa. Sobre esse tipo de cobrança de juros, André Biéler cita o próprio Calvino:

“A prática do juro tem quase sempre estes dois companheiros inseparáveis: crueldade tirânica e a arte de ludibriar, de onde resulta que, em outros lugares, o Santo Espírito põe entre os louvores do homem santo e temente a Deus o abster-se da usura, de tal sorte que exemplo bem raro é ver um homem de bem e, ao mesmo tempo, usuário”.

Caso a teoria de Calvino a respeito dos juros fosse aceita, todo nosso sistema bancário seria considerado agiota, explorador e criminoso. Uma pessoa que contraí um empréstimo no banco ou usa de seu famoso cheque especial para uso próprio, não buscando auferir lucro nessa transação, deveria, moralmente, estar isenta de qualquer taxa! Isso é ética calvinista no uso do dinheiro, portanto, se encontra em clara contradição com o sistema econômico neoliberal.

Como já comentado, o estado, na Genebra dos tempos de Calvino, tinha amplo controle na questão da taxação de juros. Porém, essa forte presença estatal era sentida em outras esferas. Daniel-Rops, historiador católico e membro da Academia francesa transmite a seguinte informação:

“A organização econômica da cidade no seu tempo mereceria um estudo especial: as leis contra a alta de preços foram draconianas, mas eficazes: praticamente todos os produtos foram tabelados. Um edito ordenou sobre pena de prisão que se lançassem ao Ródono todos os gêneros alimentícios avariados. Surpreende-nos ver Calvino solicitar por escrito do magistrado a emissão de um decreto que obrigue todos os proprietários de imóveis a colocar nas janelas umas grades para que as crianças pequenas não voltem a cair.”

Notamos uma clara e direta interferência do estado em vários fatores do cotidiano genebrino. Essa atitude é bastante diferente da preconizada pelo famoso capitalismo liberal do tipo laissez-faire.

Sobre a propriedade privada, Calvino estava longe de ser um comunista, ou um anabatista radical. Para ele, o ser humano tinha pleno direito de ser detentor de algo obtido através do fruto de seu trabalho. Contudo, essa propriedade deveria ser limitada. Seria inaceitável que poucos tivessem várias propriedades enquanto a grande maioria estivesse na mais absoluta miséria. Comentando a periódica redistribuição de bens existente no antigo povo de Israel, Calvino escreveu:

“Descendiam todos de uma e a mesma raça, e a terra de Canaã era sua herança comum; deveriam nutrir fraternidade mútua, como se membros fossem de uma só família. E por isso que Deus os tinha liberado para que sempre fossem livres, este proceder foi muito bom para cultivar entre eles uma situação média, impedindo que poucos tudo para si arrebatassem de modo a poderem oprimir a massa. Uma vez que, se aos ricos fosse permitido aumentar suas posses sem solução de continuidade, teriam eles dominado de maneira tirânica. Deus refreou todo poder excessivo mediante esta lei (a redistribuição periódica das terras e o cancelamento das dívidas).”

Assim, a propriedade privada é reconhecida, porém é limitada e vinculada ao interesse social da coletividade. André Biéler corrobora esta impressão: “A tarefa econômica do estado, porém, não se limita à salvaguarda de uma ordem jurídica da propriedade. O magistrado deve ainda velar a que desta propriedade os produtos sejam utilizados pra o bem da comunidade".

Ademais, vemos a influência de Calvino na consolidação do ensino público e gratuito. Além da Academia de Genebra, embrião da atual universidade da cidade, quatro novas escolas para jovens foram fundadas. Pequeno detalhe, todas eram gratuitas.

Gastaríamos muito tempo citando outros exemplos desta visão altamente social existente na reforma promulgada por Lutero, Calvino e outros reformadores.
Obviamente, nenhum desses reformadores pode ser considerado um comunista radical. Muito pelo contrário. Parte do embate que tiveram com os anabatistas surgiu contra a idéia coletivista radical estes grupos. Entretanto, notamos em Lutero e em Calvino valores que destoam claramente do atual capitalismo neoliberal. Uma forte presença do estado na economia e na organização social como um todo, educação universal, pública e gratuita, clara limitação da propriedade privada e vinculação da mesma a uma finalidade social, mostram, segundo vários especialistas, uma clara ligação com a posterior social-democracia européia.

É uma tese. Não pretendemos que seja aceita por todos. Afinal, não se trata de um trabalho acadêmico, é um simples post de blog.

Na próxima semana veremos a evolução desse “ socialismo “ para formas mais radicais. Serão avaliados os anabatistas continentais, os niveladores e cavadores britânicos e o desenvolvimento do movimento operário no protestantismo do século 19.

POR : ANDRÉ TADEU DE OLIVEIRA

FONTES :

LUTERO E A LIBERTAÇÃO : WALTER ALTMANN ; ÁTICA e SINODAL
O PENSAMENTO ECONÔMICO E SOCIAL DE CALVINO : ANDRÉ BIÉLER : CASA EDITORA PRESBITERIANA
A IGREJA DA RENASCENÇA E DA REFORMA- DANIEL.ROPS- QUADRANTE.
REVISTA VIVENDO A FÉ- IPI DO BRASIL- CALVINO PARA OS DIAS DE HOJE- VÁRIOS- PENDÃO REAL
HISTÓRIA DO CRISTIANISMO- JONATHAN HILL- EDITORA ROSARI
TEOLOGIA DA ESPERANÇA- J. MOLTMANN- TEOLÓGICA e LOYOLA.

Para se pensar : “ Ao Estado cabe exercer incessantemente o seu papel de cumpridor da justiça, que consiste em proteger e defender os fracos, os oprimidos pelos poderosos, os que não têm proteção social nem quem os proteja. O Estado justo é aquele que não espera ser procurado pelos oprimidos, mas se antecipa em busca da igualdade e do respeito entre as pessoas.”
Citação retirada da lição “ As relações entre a igreja e o estado” da revista Vivendo a Fé, edição 16, intitulada “ Calvino para os dias de Hoje”,
da Igreja Presbiteriana Independente do Brasil e de autoria do Rev. Audenir Almeida Cristófano, do presbitério de Arapongas-PR.

domingo, 12 de setembro de 2010

O Lado Humano de João Calvino. O Suicídio de Jean Vachat







Esta notícia é um pouco antiga, data de 2007, mas acho que vale a pena reproduzí-la, pois mostra o outro lado do reformador francês João Calvino, tão associado e criticado, com razão, por seu envolvimento no triste episódio da morte do médico espanhol Miguel de Servetus.

Já disse, admiro Calvino, não apenas por ser membro de uma igreja presbiteriana independente, portanto reformada, mas pelo fato de sua vida demonstrar de forma clara a plena contradição da existência humana. Qualquer ser humano, a despeito do caráter, é capaz de cometer um ato nobre seguido de uma atrocidade terrível. Tal premissa não foi diferente em Calvino. Em suma, nutro uma enorme desconfiança para com o ser humano, inclusive comigo mesmo. Agora, chega de papo, vamos à carta.



GENEBRA (AFP)Os protestantes calvinistas com freqüência demonstram uma certa indulgência em relação ao suicídio, como demonstra uma carta do célebre pastor João Calvino exposta no Museu Internacional da Reforma, em Genebra, em pleno coração da chamada Roma protestante.

"Fiz muitas reprimendas (...). Perguntei se não pedia o perdão de Deus pelo que havia feito e se não tinha confiança, sabendo que Ele teria ainda misericóridia", afirma a carta.

Escrita em 1545, após a visita a um moribundo que havia apunhalado a si mesmo no abdome para acabar com seu sofrimento de tuberculoso, o texto, um relatório que Calvino escreveu para a polícia de Genebra, é "raro e inesperado", destaca a diretora do museu, Isabelle Graesslé.

"Eu o exortei com minhas palavras a armar-se de paciência e a consolar-se na graça de Deus", escreveu Calvino.
O documento de Calvino, roubado dos arquivos do Estado de Genebra em meados do século XIX, reapareceu publicamente em 2002 durante um leilão da Sotheby's.
O manuscrito, conservado em perfeito estado, foi comprado por um colecionador e colocado novamente à venda após sua morte.

Em julho, a pedido do Museu da Reforma, um grupo de mecenas adquiriu a carta durante um leilão da Christie's em Londres por 70.000 libras e a doou ao museu.
Apesar da indulgência de Calvino, o caso do suicídio de Jean Vachat, do qual foi testemunha, não teve um final feliz.

Embora Calvino tenha se arrependido em duas ocasiões, o corpo não foi enterrado no túmulo familiar, como havia pedido o pastor, mas ao pé da forca na qual eram executados os condenados à morte.

"Durante muito tempo o suicídio foi considerado um crime triplo, contra o indivíduo, contra a sociedade e contra Deus", explica em um texto de análise Sandra Coram-Mekkey, colaboradora científica nos arquivos do Estado de Genebra.
"Neste sentido, o suicídio envolve a justiça penal", acrescenta.
Então era realizado um julgamento contra o morto ou sobrevivente e a sentença podia ser executada sobre o cadáver.

A clemência de Calvino, assim como outros exemplos similares, tendem a mostrar que o protestantismo era "muito liberal em sua prática de enterro de suicidas", afirma a Enciclopédia do Protestantismo, citada por Coram-Mekkey.
O manuscrito de Calvino, exposto com sua transcrição escrita, apresenta, segundo os diretores do estabelecimento, uma faceta "mais luminosa" do pastor.
"O mostra em seu lado mais humano", completa Isabelle Graesslé.


Copiado do Site Notícias Cristãs. Link Original: http://news.noticiascristas.com/2007/11/carta-em-que-calvino-perdoa-o-suicdio.html#





João Calvino ( 1509-1564)














Pastora Isabelle Graesslé, diretora do Museu Internacional da Reforma em Genebra, Suíça. ( Ao fundo, a famosa cruz huguenote, símbolo do protestantismo francês )

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Igreja, política e a questão gay


Mesmo em período eleitoral, a intenção deste blogue não é fazer campanha política. Quando criei este espaço, tinha como meta divulgar o lado mais arejado do cristianismo, indo na contramão do fundamentalismo tão em voga no mundo cristão, principalmente protestante.

Porém, como cristão reformado, não consigo enxergar a fé cristã sem uma relevância social. Não aceito uma religiosidade presa em quatro paredes. Como dizia Jesus, o cristão deve ser sal e luz. Por favor, não me compreendam mal. Quando digo que a igreja cristã deve influenciar a sociedade, não estou propondo uma teocracia, mesmo que sutil. Pessoas que pautam suas vidas em outras crenças,ou até mesmo em nenhuma, não são obrigadas a viver em um estado cujas leis sejam inspiradas diretamente no conteúdo da Bíblia Sagrada. Atitudes condenadas no livro máximo da tradição judaico-cristã dizem respeito apenas aos seguidores da respectiva linha religiosa. Além do mais, acredito ser uma grande tolice usar a Bíblia, ou qualquer outro livro religioso, como manual de normas ou regras prévias e imutáveis. Karl Barth, teólogo calvinista que gosto bastante, já escreveu :" A Sagrada Escritura recusa-se a ser transformada em código de regras;e é errado usá-la como tal”. Fora esta pertinente ponderação,convenhamos ; o que era bom e ético para um hebreu do V século antes de Cristo não pode ser considerado normativo para um brasileiro do século XXI, por exemplo.

Quando defendo a participação política da igreja, apregôo que a mesma se una com todas as pessoas de boa vontade a despeito das eventuais divergências em matéria de fé. Esta união deve girar em torno de causas favoráveis a justiça e solidariedade.



Vou usar um exemplo concreto e bastante polêmico; a questão da união civil de casais homossexuais. Não tenho a pretensão em convencer nenhum cristão conservador de que esta orientação seja natural. Eu mesmo já fui bastante preconceituoso neste quesito. Agora, você que está perdendo seu tempo lendo esse blog, reflita comigo : é correto uma pessoa que construiu toda uma história de vida ao lado de outra ser preterida de direitos elementares pelo simples fato do seu companheiro ser do mesmo sexo ? Creio que não.

Não quero entrar no mérito teológico a respeito da homossexualidade. Respeito profundamente aqueles irmãos que não concordam com a normatividade da prática homossexual. Porém, tal opinião é de foro pessoal, íntimo. Portanto, meu caro irmão conservador, você não é obrigado a aceitar um pastor abertamente homossexual em sua igreja, mas, se for coerente com os ideais de justiça promulgados pelo evangelho, deve lutar para que todo o cidadão, independentemente de sua orientação sexual, tenha seus direitos basilares respeitados.

Assim, tenho por norma que é fundamental o envolvimento político da igreja. Doravante , este envolvimento não deve ter como base a busca de benefícios para a própria instituição eclesiástica ou a imposição para a sociedade como um todo de valores morais que dizem respeito apenas ao próprio grupo religioso. Tal luta deve buscar justiça para toda a criação, compreendendo todos os seres humanos, sejam heterossexuais, bissexuais, gays ou lésbicas.

POR : ANDRÉ TADEU DE OLIVEIRA

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

O " ateísmo " de Dilma. O teísmo de Marina



Dizem por aí que a candidata do PT à presidência da República, Dilma Rousseff, é atéia. Mineira de Belo Horizonte, é filha de Pedro Rousseff, um imigrante búlgaro que foi filiado ao Partido Comunista de seu país, e de Dilma Jane Silva, professora carioca.

Pedro, o pai de Dilma, provalmente não era uma pessoa religiosa. Afinal, era um comunista das antigas. No entanto, não viu nenhum problema em matricular sua pequena filha em um tradicional colégio metodista da capital mineira, o Isabela Hendrix. Posteriormente, a então adolescente Dilma foi matriculada em um aristocrático estabelecimento católico, o Colégio Nossa Senhora de Sion. Não lembro direito em qual número, mas li uma matéria sobre Dilma na Folha de S.Paulo onde a mesma relatou que ingressou no curso de crisma oferecido pelo educandário católico por vontade própria.

Veio a juventude, e com ela a militância política. Durante o triste período da ditadura militar ingressou no grupo revolucionário COLINA. Não sei nada das prováveis convicções religiosas de Dilma neste período.

Agora, como importante líder do Brasil pós-ditadura, podemos dizer que a postura de Dilma para com a religião é ambivalente. Já declarou ter dúvidas a respeito da existência de Deus, respeitando, contudo, todas as crenças. Recentemente alterou substancialmente essa opinião, declarando-se uma mulher de fé, fiel seguidora do cristianismo católico-romano. Por outro lado, virou figurinha carimbada em cultos das mais variadas igrejas evangélicas, principalmente pentecostais.
Após estas colocações, surge a derradeira pergunta : Dilma é crente ou atéia ? Caso seja crente, sua crença é sincera ou possui motivação política ?

Sinceramente, acho inconcebível uma pessoa ser julgada pelo fato de crer, ou não, em Deus. Este julgamento se torna ainda mais absurdo quando é direcionado a esfera política como critério de elegibilidade de um candidato a um cargo público.Dito isso, pouco me importa se Dilma é atéia ou crente! Para ser digna de meu voto, a candidata do PT deve me convencer por seu passado, sua postura ética e, principalmente, por suas propostas.


Muitos irmãos mais conservadores podem ficar com a orelha em pé, pois é impossível, devido ao forte preconceito, depositar seu voto em uma pessoa deliberadamente atéia. Para esses tomo como empréstimo as palavras de Jesus contidas no Evangelho de São Mateus 15.8 a : “Este povo honra-me com os lábios, mas o seu coração está longe de mim”. Muitos políticos ditos cristãos, reconhecidos por sua ortodoxia doutrinária e prática religiosa piedosa, são verdadeiros hipócritas. De acordo com os dizeres evangélicos não passam de sujos sepulcros caíados, lindos por fora, mas podres por dentro. Querem uma prova desta afirmação ? Vejam a filiação religiosa de boa parte dos deputados envolvidos no Escândalo das Ambulâncias.

Segundo as Escrituras, Deus não está preocupado com uma religiosidade doutrinária ou até mesmo cúltica, mas sim com justiça. Portanto, o governante que agrada a Deus não é aquele que promove reuniões de oração em seu gabinete (ex. George Bush), mas sim aquele que luta pela justiça.

Finalizando este ponto, outra consideração teológica faz-se necessária. De acordo com a tradicional teologia reformada, o ser humano, independentemente de sua crença religiosa, é portador de uma graça comum, sendo capaz de realizar atos benéficos para com o próximo. Desta forma, uma pessoa incrédula possui os mesmos atributos naturais que um crente. Assim, a capacidade para bem governar não esta vinculada a prática religiosa.

Por isso, posso declarar meu voto. Crente ou atéia, meu voto é de Dilma.

O Teísmo de Marina Silva





Admiro a senadora Marina Silva. Seu passado é inspirador, sua vida como política é limpa, sem nenhum tipo de mácula . Além do mais, orgulho-me de tê-la como irmã na fé. Porém, por determinados motivos, não votarei na candidata do PV.

Mas quero abordar outra questão. Assim como Dilma sofre um grande preconceito por parte de alguns cristãos por causa do seu provável ateísmo, Marina sofre o mesmo por parte de vários setores ditos laicos, seculares e ilustrados. Vejo esta postura bastante clara na web. Muitos sites, supostamente portadores de ideais liberais, progressistas e seculares, repelem, violentamente, qualquer ligação com a religiosidade. Para estes meios de comunicação, a religião nunca produziu nada de bom, devendo ser extirpada da face da terra. Como decorrência óbvia desta premissa, qualquer pessoa que assuma de forma convicta suas crenças deve ser sumariamente repelida. Infelizmente, vejo que Marina é vítima deste tipo de pensamento tacanho e mesquinho.

Marina Silva nunca escondeu de ninguém sua condição de evangélica praticante. Participa de cultos, ora em público, realiza trabalhos missionários e etc. Não obstante, nunca deixou transparecer em seus discursos ou atos que, caso eleita, possa implantar uma teocracia protestante em nosso país. Muito pelo contrário, sempre faz questão de realçar que os valores de sua fé não serão impostos goela abaixo ao grosso da população brasileira. Mas para setores do fundamentalismo ateu pouco importa. O simples fato de uma “fanática” subir ao poder é motivo de medo e preocupação. Por fanática, diga-se de passagem, basta assumir sem medo que a religião é algo importante em sua vida.

Triste liberalismo! Pífia tolerância! Estes valores tão basilares para a boa convivência humana só valem para um lado.
Ontem, durante o horário eleitoral que na verdade se parece mais com um programa humorístico, assisti o depoimento de apoio a Marina Silva por parte do ateu Caetano Veloso. Vibrei! Eis aí um cara coerente com sua ideologia libertária.




POR : ANDRÉ TADEU DE OLIVEIRA

A Morte



Sempre que possível,o pastor deveria visitar um cemitério. Seria salutar para ele pessoalmente, para sua pregação, para seu cuidado espiritual e para sua teologia !

Dietrich Bonhoeffer
(1906-1945)

Obs : Sou até mais radical que Bonhoeffer. Acho que todo ser humano, independente da fé professada, deve realizar este tipo de " passeio". Na solidão de necrópole temos a real ciência da nossa finitude como seres humanos. A arrogância fica no chão !





Dietrich Bonhoeffer

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Este blogue apóia



Estabelecer um limite para a propriedade da terra é uma questão de justiça. Entrem no seguinte endereço http://www.limitedaterra.org.br/ , tomem conhecimento do assunto e assinem, conscientemente , este manifesto que propõe a realização de um plebiscito sobre esta pertinente questão.
Fico muito feliz em saber da participação oficial da Igreja Evangélica de Confissão Luterana ( IECLB ) . Quem dera outras denominações cristãs participassem de campanhas realmente relevantes para nossa pátria tão carente de justiça. No entanto, a grande maioria apenas se manifesta em duas ocasiões : quando se trata de defender seus próprios interesses ou quando o foco está direcionado em alguma questão moralista. Uma lástima.
Feita tal ressalva, parabéns, irmãos luteranos !



OBS : Parabéns aos integrantes do Coletivo Quincas Borba do DAMAC-MACKENZIE pela iniciativa em divulgar esta campanha no campus do Mackenzie. Estou no término do curso, mas espero que vocês vençam, novamente, as próximas eleições do diretório !

A Origem e Evolução das Espécies segundo Santo Agostinho



Por : Alister McGrath






O ano de 2009 marcou o bicentenário do nascimento de Charles Darwin e os 150 anos da publicação de seu célebre livro A origem das espécies. Muitos debates acerca da obra do naturalista britânico ganharam corpo. Para inúmeros estudiosos, o darwinismo, baseado na concepção da aleatoriedade do surgimento da vida e em sua capacidade de evoluir, eleva-se da categoria de simples teoria científica para uma verdadeira visão de mundo, uma forma de ver a realidade que exclui Deus permanentemente. Já outros reagem fortemente contra os apologistas do secularismo. O fundamentalismo ateu, eles argumentam, tem usado teorias científicas como armas em sua guerra contra a religião. Eles também temem que as interpretações bíblicas estejam se adaptando às teorias científicas modernas. Certamente, dizem, a Criação narrada em Gênesis deve ser interpretada literalmente, como um relato histórico do que realmente aconteceu. Por outro lado, muitos evangélicos de hoje temem que os modernistas abandonem a longa tradição de uma exegese bíblica fiel. Eles dizem que a Igreja sempre tratou o relato da Criação como uma história clara do surgimento das coisas. Entre os dois extremos, a autoridade das Escrituras parece estar em jogo.


O aniversário de Darwin é um convite a olhar o assunto em perspectiva. Afinal de contas, desde que ele formulou suas teses após a épica viagem a bordo do navio Beagle, muita coisa mudou – no entanto, o evolucionismo continua sendo a tese mais universalmente aceita para explicar o surgimento da vida no planeta. E o relato bíblico da Criação, que durante séculos a fio embasou qualquer estudo acerca do tema, tem sido constantemente posto em xeque não apenas pela modernidade, mas por muitos estudiosos cristãos, que enxergam ali muito mais um compêndio religioso do que uma narrativa confiável. Na história da Igreja, o assunto sempre suscitou controvérsia, e a mera aceitação da literalidade bíblica em relação às origens sempre foi questionada. O teólogo, professor e bispo Agostinho de Hipona (354-430), embora tenha interpretado a Escritura mil anos antes da Revolução Científica, não tinha problemas em relação às controvérsias sobre as origens. O mais marcante em sua trajetória é que ele não comprometeu a interpretação bíblica para acomodá-la às teorias vigentes em seu tempo. Para Agostinho, o mais importante era deixar a Bíblia falar por si mesma.



Há pelo menos quatro pontos nos seus escritos em que tenta desenvolver um relato sistemático de como aquela passagem deve ser entendida – e cada um é sutilmente diferente um do outro. Em O significado literal de Gênesis, comentário escrito durante quatorze anos no início do século 5, Agostinho deixa clara sua crença de que Deus trouxe todas as coisas à existência em um só momento, ainda que a ordem criada não seja estática. Ou seja, o Criador teria dotado as criaturas com capacidade de desenvolvimento, como uma semente, cuja vida está contida em si, mas só se desenvolve e cresce no momento certo. Usando uma linguagem mais técnica, Agostinho incita seus leitores a pensar sobre a ordem criada como algo que contém casualidades divinas ocultas que só emergirão futuramente. É que até aquele momento o bispo não tinha noção de acaso ou de mudanças arbitrárias na obra divina. O desenvolvimento da Criação está sempre sujeito à soberana providência de Deus, que não apenas cria a semente, como direciona o tempo e o lugar do seu crescimento.Agostinho argumenta que o primeiro relato sobre a Criação não pode ser interpretado isoladamente, mas deve ser entendido ao longo da segunda parte, descrita em Gênesis 2.4-25, e também por qualquer outra narração sobre o tema nas Escrituras. Por exemplo, ele sugere que o Salmo 33.6-9 – cujo resumo é “Pois ele falou, e tudo se fez” – menciona a origem instantânea do mundo através da palavra criadora de Deus, enquanto o texto de João 5.17 (onde Jesus diz “meu Pai trabalha até agora, e eu trabalho também”) aponta que o Senhor ainda está agindo na Criação. Além disso, ele enfatiza que uma leitura detalhada dos primeiros textos bíblicos aponta que os seis dias da Criação não são períodos cronológicos delimitados, e sim, uma forma de categorizar o trabalho criador de Deus. Em síntese, Agostinho cria que o Senhor criou o mundo em um instante a partir de sua vontade, mas continua a moldá-lo, mesmo hoje em dia.



O bispo de Hipona estava preocupado de que os intérpretes estivessem fechados às novidades cientificas quando liam a Bíblia, fato que gerou conflitos mais de dez séculos depois, quando Copérnico desafiou a crença tradicional de que o Sol é que girava em torno da Terra, e não o contrário. O detalhe é que, em pleno século 16, a Igreja interpretou a teoria heliocêntrica como um desafio para a autoridade da Bíblia. Não era, com certeza, e constituiu-se em mais um desafio para que se interpretasse a Palavra de Deus de maneira mais ampla – uma interpretação com urgente e constante necessidade de revisão. Já no seu tempo, Agostinho preconizava que algumas passagens bíblicas estão abertas para diversas interpretações e não devem se casar com as predominantes teorias científicas. Por outro lado, a Bíblia se torna prisioneira do que um dia foi considerado uma verdade cientifica: em assuntos tão obscuros e distantes da nossa visão, nós encontramos nas Sagradas Escrituras passagens que podem ter várias interpretações sem que a fé que um dia recebemos seja prejudicada.



Essa aproximação de Agostinho fez com que teólogos não caíssem numa visão pré-científica do mundo, e o ajudou a não se comprometer em face das pressões culturais, que eram enormes. Por exemplo, muitos pensadores contemporâneos consideraram incoerente a visão cristã sobre a criação ex nihilo (do nada). Cláudio Galeno, médico do então imperador romano Marco Aurélio, por exemplo, rejeitou isso como uma lógica e metafísica absurda. Agostinho argumenta também que o tempo faz parte da ordem criada. Ou seja, no seu entender Deus criou espaço e tempo juntos, e este último só existe dentro do universo criado. Para alguns, porém, a ideia de que o tempo tenha sido criado parece ridícula.



Novamente aqui, Agostinho se opõe à ideia de que a narrativa bíblica não pode ter interpretações alternativas. Assim, o tempo deve ser visto como uma das criaturas e servos de Deus; por outro lado, a infinidade é uma característica essencial da eternidade. Mas a esta altura surge uma dúvida essencial: então, o que Deus estava fazendo antes da criação do universo? Para o teólogo, o Senhor não trouxe a criação à existência num momento especifico, pois o tempo não existia antes da Criação. Interessante, pois é exatamente esse o estado da existência, o chamado Caos, que muitos cientistas defendem ter havido antes do Big Bang, a gigantesca explosão que, há mais de 13 bilhões de anos, teria dado origem ao universo. Agostinho poderia até estar errado ao afirmar quer a Escritura ensina claramente que a Criação foi instantânea. Os evangélicos creem, apesar de tudo, na infalibilidade da Escritura, não na infalibilidade das interpretações. Como alguns nos lembram, o próprio Agostinho não era constante nas suas convicções acerca das origens. Outras posições certamente existem – por exemplo, a ideia de que os seis dias de Criação, mencionados no Gênesis, foram seis períodos de 24 horas, ou a tese de que eles representam, na verdade, seis extensos períodos, cada um deles com seus milhões de anos. Todavia, a posição de Agostinho nos obriga a refletir sobre essas questões, mesmo que achemos que ele estava errado – e aí está um dos motivos da relevância de seu legado.



Afinal de contas, quais são as implicações dessa antiga interpretação bíblica sobre as afirmações de Darwin? Primeiro, Agostinho não limita os atos de criação à Criação inicial. Deus ainda está, ele insiste, trabalhando com o mundo, direcionando seu continuo desenvolvimento e expandindo seu potencial. Para ele, há dois “momentos” na Criação: aquele primordial e um contínuo processo de direcionamento. Logo, a Criação não é um instante circunscrito ao passado remoto. O Senhor continua trabalhando no presente, ele escreve, sustentando e direcionando o sucessivo desabrochar das gerações. Esse duplo foco sobre a Criação permite ler Gênesis de uma forma que afirma que Deus criou todas as coisas do nada. Porém, isso também nos permite afirmar que o universo foi criado com a capacidade de evoluir, sob a soberana direção de Deus – dessa forma, o primeiro estágio da Criação não corresponde ao que vemos agora.



Para Agostinho, o Senhor criou um universo deliberadamente designado para se desenvolver e evoluir. E o plano para essa evolução não é arbitrário, mas programado na estrutura de tudo quanto foi criado. Os primeiros escritores cristãos tomaram nota de como o primeiro relato do Gênesis falava sobre a terra e a água dando origem à vida. Eles diziam que isso mostra como Deus dotou a ordem natural com a capacidade de gerar criaturas. Agostinho foi ainda mais longe: ele sustentava que Deus criou o mundo com uma série de poderes adormecidos, que são consumados em um certo momento, de acordo com a divina providência. Uma das evidências disso seria o texto de Gênesis 1.12, que sugere que a terra recebeu o poder de produzir vida por si mesma. A imagem da semente, ali mencionada, sugere que a Criação original contém em si mesma o potencial de fazer emergir todos os subsequentes tipos de vida. Isso não significa que Deus criou o mundo incompleto e imperfeito, como pretendia Darwin ao enfatizar a necessidade da evolução; esse processo de desenvolvimento, Agostinho declara, é governado por leis fundamentais, que revelam a vontade do Criador: “Deus estabeleceu leis fixas que governam a produção das espécies de seres, e os tira do esconderijo para serem vistos completamente”, diz em seu comentário.



Por outro lado, enquanto alguns podem entender a Criação como Deus inserindo novos tipos de plantas e animais num mundo já existente, Agostinho considera isso uma incoerência com o resto das Escrituras. Antes, o Senhor deve ser visto como o criador, naquele primeiro momento, da potencialidade de todas as coisas vivas que iriam surgir depois, incluindo a humanidade. Isso significa que o primeiro relato das Sagradas Escrituras descreve o instantâneo surgimento da matéria primitiva, incluindo os recursos para o desenvolvimento futuro. O segundo relato explora como essas possibilidades casuais surgiram e se desenvolveram na terra. Na visão agostiniana, esses dois relatos sobre a Criação revelam que Deus criou o mundo instantaneamente, enquanto imaginava que as outras espécies de vida iriam aparecer gradualmente durante os tempos.



Em posição diametralmente oposta à de Charles Darwin, Agostinho rejeitaria qualquer idéia do desenvolvimento do Universo como um processo aleatório e desprovido de leis. Por isso, ele teria se oposto à visão darwinista de variação casual, insistindo que a providência de Deus está profundamente envolvida no desenvolvimento da vida. O processo pode ser imprevisível; casual, nunca. Previsivelmente, Agostinho aproxima o texto da pressuposição cultural prevalente da fixação das espécies, e não viu nisso algo que desafiasse seu pensamento sobre esse assunto – apesar de a maneira com a qual ele critica as autoridades contemporâneas e de sua própria experiência sugerir que, pelo menos nesse assunto, ele estaria aberto a correções mediante a luz de descobertas cientificas.



O significado literal de Gênesis realmente nos ajuda a lidar com as questões levantadas por Darwin? Vamos deixar claro que a obra de Agostinho não responde esses questionamentos; todavia, nos ajuda a ver que o real problema não é a autoridade bíblica, mas sua interpretação. Além disso, ele oferece uma maneira clássica de pensamento que ilumina muitos debates ainda hoje, quase 1,6 mil anos após sua morte. Nesse assunto, Agostinho nem é liberal nem acomodado; mas totalmente bíblico, tanto no sentido quanto na intenção. Nós precisamos de paciência, generosidade e graça para refletir sobre essas grandes questões. E Agostinho pode nos ajudar a começar.

























Alister McGrath

Retirado da Revista " Cristianismo Hoje ",